Não subestime essa prática ou pense que esse assunto é coisa de gente fraca, estamos falando de um tema capaz de derrubar qualquer um
Guilherme Nascimento Valadares
Relações, Mecenas, 23 dias para um homem melhor [+]
Mente e atitude
Pessoal, como comentei no começo do artigo "Autocompaixão: 26 perguntas para descobrir quanto dela tem consigo mesmo", tomei a liberdade de usar a mesma introdução lá e aqui. Os dois textos se complementam. Quem já tiver lido o primeiro, pode pular direto pra prática, lá embaixo.
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Vivemos num mundo povoado por bestsellers e coaches motivacionais inspirados em mantras de positividade e autoestima. Aprendermos que é bom cultivarmos uma autoestima elevada e quando agimos de acordo, nos sentimos bem.
Então qual seria o problema em nos focarmos exclusivamente na autoestima?
Kristin Neff, uma das principais referências em autocompaixão no mundo hoje e autora já publicada no PdH, nos explica:
"O principal problema é que para se ter uma autoestima elevada é preciso sentir-se especial e acima da média.
Ser chamado de “mediano” é considerado um insulto em nossa cultura. (O que achou do meu desempenho ontem à noite? Foi mediano. Opa!) Claro, obviamente é impossível que cada ser humano no planeta seja acima da média, ao mesmo tempo.
Então, desenvolvemos o que é conhecido como um “viés de auto-aprimoramento”, que se refere à tendência de nos acharmos superiores aos outros em uma variedade de dimensões.
Estudos têm mostrado que a maioria das pessoas se acha mais simpática, mais popular, mais engraçada, mais agradável, mais confiável, mais sábia e mais inteligente do que os outros. Ironicamente, a maioria das pessoas também acha que está acima da média na capacidade de se ver objetivamente! O resultado de se usar esses óculos cor-de-rosa não é tão bonito.
Essa necessidade de se sentir superior resulta em um processo de comparação social, no qual continuamente tentamos nos sobressair e desvalorizar os outros."
Em uma pesquisa realizada com milhares de universitários americanos entre 1987 e 2006, o narcisismo observado escalou significativamente. Sessenta e cinco por cento dos estudantes atuais superam as gerações anteriores em narcisismo e, não por acaso, em autoestima. Vocês podem ler em detalhes sobre no livro Generation Me (Geração Eu), de Jean Twenge.
Fora a constante comparação social, a obsessão pela autoestima nos envolve num processo de severa autocrítica.
Quando algo que nos faça sentir menos superiores acontece, nossa dignidade despenca. Passamos a oscilar entre picos e vales emocionais, ora nos vendo como os reis da montanha, ora como o mosquito do coco do cavalo do bandido. Naturalmente, isso nos deixa mais vulneráveis a sentimentos de ansiedade, insegurança e depressão.
É mais ou menos assim: você se sente melhor do que os outros por conta dos seus músculos impressionantes, mas quando se dá conta do corte de cabelo ridículo, a autocrítica que anda sempre de mãos dadas com a autoestima obsessiva faz você se sentir um merda. E o ciclo se repete ad nauseum...
Mas a alternativa então seria dispensar a autoestima e nos sentirmos pior, sem aquela confiança costumeira que gostamos de exibir por aí? E sem a crítica severa, será que não vamos nos tornar pessoas complacentes, que avançam vagarosas pela vida?
Nada disso. Apresento a autocompaixão, senhoras e senhores
Nas palavras de Kristin Neff:
"Que tal nos sentirmos bem com nós mesmos, sem a necessidade de sermos melhores do que outros, caindo assim na armadilha do narcisismo/auto-reprovação?
Autocompaixão envolve sermos gentis com nós mesmos, quando a vida dá errado ou notamos algo sobre nós que não gostamos, em vez de sermos frios ou severamente autocríticos.
Ela reconhece que a condição humana é imperfeita, assim, nos sentimos conectados aos outros quando falhamos ou sofremos, em vez de nos sentirmos separados ou isolados.
Envolve também a conscientização – o reconhecimento e a aceitação imparcial das emoções dolorosas ao passo que surgem no momento atual. Ao invés de suprimir nossa dor, ou então torná-la um drama pessoal exagerado, vemos a nós mesmos e a nossa situação claramente.
Autocompaixão não exige que nos avaliemos positivamente ou que nos vejamos como melhores do que outros. Pelo contrário, as emoções positivas da autocompaixão surgem exatamente quando a autoestima cai. Quando não atendemos a nossas expectativas ou falhamos de alguma forma.
Isto significa que o senso de autovalorização intrínseco inerente à autocompaixão é altamente estável."
A confiança no que digo vem – antes das aspas, fontes, estudos teóricos e links de aprofundamento – de minha própria experiência com o tema. Não estivesse aplicando isso no meu cotidiano, jamais teria a desfaçatez de recomendar publicamente a alguém experimentar o mesmo.
Acolha um terrível erro ou falha sua como faria com um grande amigo que esteja sofrendo
Vamos à prática do dia. Podemos chamá-la de "autoabraço".
Sente-se sozinho, com tempo disponível. Lembre-se de algo que tenha feito e que considere bastante ruim.
Ou então pense em algum traço de personalidade seu que considere detestável, digno de vergonha. Puxe pela memória situações ligadas a essa característica e como se sentiu mal em cada um delas, ainda que secretamente.
Agora imagine que, ao invés de você ser o perpetrador do ato ou dono da imperdoável falha de personalidade, é um grande amigo.
Como você acolheria essa pessoa ao escutá-la confessar suas dores e dificuldades? Seria cruel e agressivo ou carinhoso e compreensivo?
Observe qual seria sua postura e tente encontrar as visões por trás de suas ações e julgamentos. Experimente ser bastante generoso e se acolher, compassivamente.
Ao longo dos próximos dias, note como é comum nosso olhar julgar os outros negativamente nos menores atos, para nos sentirmos superiores. E como esse mesmo olhar duro logo se aplica a nós mesmos, quando estamos sozinhos.
Substitua, quando possível, a crítica severa por esses abraços imaginários e depois compartilhe conosco como foi.
Boa sorte!
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