por Viviane de Paula • em 19 fev, 2015
Por que você não deixou o seu cabelo daquele jeito (crespo)? Perguntei.
Eu não gosto. Assim é mais bonito. Na escola, todo mundo usa assim. (Garota, 12 anos, periferia de Campinas).
É lindo, sim. Dá para usar de várias formas. Por que você não tenta?
Ah, não! É feio. A galera da sala fica dando risada. Inventando apelidos. (Garota, periferia de Campinas, 12 anos).
A construção da identidade de um indivíduo não acontece por uma única via. O processo de formação da identidade é, sobretudo, uma troca de informações estabelecida com o meio. Dito isso, os indivíduos estão em constante adaptação aos padrões pré-estabelecidos pela sociedade. Segundo Vygotsky (1988), tanto as atitudes, os comportamentos quanto as preferências, os padrões estéticos estão empregnados pelos discursos do outro. Por mais individual que o ser humano tente ser, a sua identidade é construída pela troca com o meio.
No Brasil, pode-se perceber que, muitas vezes, os individuos buscam incorporar caracterísitcas eurocêntricas que podem ser inatinginveis para grande parte da população. Dessa forma, pode-se notar que o processo de construção da identidade da criança negra pode se tornar uma frustação: um processo de negação de sua raça, de seus traços, de sua textura de cabelo etc.
Nesse sentido, deve-se pensar no papel da escola na construção da identidade da criança negra: esse processo realmente acontece nas instituições? A escola, sem dúvidas, é um espaço sócio-cultural que deve aceitar e, sobretudo, discutir amplamente a pluraridade cultural, até mesmo como uma maneira de desconstruir preconceitos. O que muitas vezes presencia-se nas escolas são atitudes de descaso e silenciamento por parte da gestão escolar. Observa-se que os gestores de instituições públicas e privadas não se posicionam: é mais fácil esconder, do que problematizar. Esta realidade vem promovendo não só a exclusão socio-cultural de muitas crianças e jovens, mas também um sentimento de inferiorzação racial.
No dia 09 de janeiro de 2003, foi sancionada a Lei 10.639/03 que estabelece Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Mununga (2005), afirma que o sistema de ensino brasileiro não prioriza o conhecimento da história do Negro, trazendo apenas versões unilaterais; quando abordada, acontece sob o ponto de vista dos colonizadores e das classes econômicas privilegiadas. Apesar da obrigatoriedade do ensino dessa tema, evidencia-se que as questões etico-raciais são pouco pautadas. Leis não agem sozinhas: o principal agente dessa mudança é o educador.
Em relação à formação dos professores, percebe-se que as universidades que deveriam ser abertas à discussão das diversidades cultural, muitas vezes, são preconceituosas e racistas, desvalorizando a cultura afro-brasileira. Sem um sistema educacional que ilustre o negro e sua história e professores preparados para isso, como convencer aquela garota que seus traços, seu cabelo, seu tom de pele não são feios? Como convencer todas as crianças e os jovens que passam ou passaram por isso?
Torna-se uma tarefa árdua quando os materiais e métodos pedagógicos não contribuem para tanto. Na literatura, onde está a princesa negra? Os estudiosos negros influentes? Os poetas e escritores negros? É evidente que a criança negra tem sua identidade pouco promovida. A reversão desse quadro não é instantânea, e só acontecerá quando, além da comunidade escolar, o Estado reconhecer que, de fato, o ambiente escolar é ainda agente opressor para muitas identidades.
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