Leonardo Gomes de Aquino, Christhiano Rodrigo Vásquez Dantas
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade discutir o atual tema do bullying, que hodiernamente ocorre de forma corriqueira nas escolas e destacar suas consequências tanto psíquicas para a vítima como jurídicas para seu agressor, dando enfoque na responsabilidade civil. Sua problemática estará em torno das consequências jurídicas que a responsabilidade civil imputará sobre os responsáveis por um aluno que pratique bullying com outro colega.
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade discutir o atual tema do bullying, que hodiernamente ocorre de forma corriqueira nas escolas e destacar suas consequências tanto psíquicas para a vítima como jurídicas para seu agressor, dando enfoque na responsabilidade civil. Sua problemática estará em torno das consequências jurídicas que a responsabilidade civil imputará sobre os responsáveis por um aluno que pratique bullying com outro colega.
1. INTRODUÇÃO
Um fenômeno que supera fronteiras culturais, o bullying, como assim o chamou atualmente, é um tipo de assédio também presente nas escolas brasileiras embora não tão marcante ou tão violento como podemos observar em outras culturas, como por exemplo, a norte-americana.
Existem diversos estudos realizados acerca do tema, alguns anteriores a qualquer registro formal do incidente no Brasil, como estudos realizados por Heinemann ou Olweus, na região escandinava da Europa, em 1972 e 1973 respectivamente, comprovando assim que este é um fenômeno do comportamento humano que transcenderia a fronteira cultural, podendo ser observado em diferentes momentos na linha do tempo e em diferentes partes do mundo, habitadas por pessoas de realidades socioeconômicas, culturais e linguísticas diferentes, ou seja, crianças de diferentes partes do globo se comportariam de forma semelhante no que diz respeito ao bullying, seus motivos para exercê-lo são praticamente idênticos, a forma de realizá-lo se assemelham em muitos aspectos e até os reflexos negativos das vítimas podem ser comparados quase que biologicamente, como se fossem sintomas de uma patologia (alguns resultados da agressão incluem problemas psicológicos ou até psicossomáticos que podem perseguir a vítima até a idade adulta, e em alguns casos trazendo sérios problemas de interação social para esse indivíduo).
O presente trabalho buscou trabalhar com a temática do bullying de forma mais objetiva, abordando seus elementos de forma mais simplificada, porém concisa traçando, com os indícios que constatam o problema, um panorama mais dinâmico afim de que se pudessem observar mais facilmente os elementos envolvidos que caracterizam a conduta, sem se perder em assuntos que talvez não fossem interessantes para o Direito, haja vista a natureza de caráter psicopedagogo da temática.
Assim, após um breve apanhado acerca do tema, que vai desde seu conceito, passa pela sua caracterização e se conclui com as consequências que o bullying gera à sua vítima, incluindo alguns exemplos verídicos de casos que ocorreram recentemente, passamos a discutir o viés jurídico de implicância ao tema.
Este trabalho objetivou apurar as consequências jurídicas que a responsabilidade civil trará aos pais e às instituições de ensino, em decorrência da prática do bullying por alunos contra outros alunos. O método de pesquisa para a lavratura do presente trabalho foi principalmente através de pesquisa bibliográfica, em sua maioria na língua portuguesa, com algumas poucas consultas à ou outro título na língua inglesa. Utilizou-se material nacional tanto de autoria de grandes Doutrinadores ou pesquisadores, como também foi utilizado material educativo desenvolvido por órgão público brasileiro, a saber, algumas dessas fontes, podemos citar Carlos Roberto Gonçalves, Sílvio de Salvo Venosa e cartilha educativa de bullying visando sua instrução nas escolas, desenvolvida pelo CJF.
Desta feita, o presente trabalho traz o questionamento: quais seriam as consequências que a responsabilidade civil imputaria sobre aqueles responsáveis pelo aluno que visse a praticar o bullying contra algum colega seu?
No trabalho foi utilizado o método fenomenológico, onde se buscou descrever a experiência tal como se da na realidade, sabendo que há diversas interpretações e comunicações e entendimentos acerca do tema proposto.
Para responder tal questionamento o trabalho se subdivide em três: uma primeira parte, que tenta explicar obullying de maneira mais simples a fim de traçar pontos mais relevantes para o direito, como caracterização da conduta, seus agentes e suas consequências na vida de suas vítimas, tudo da maneira como Direito normalmente trabalha embasado em fatos, os quais atribuíram valores a eles, para então finalmente elaborarmos uma norma para regular tal conduta na sociedade; segundo, temos as lições jurídicas na área da responsabilidade civil, para que já se possa ir confrontando os fatos anteriormente vistos com os princípios e normas que a responsabilidade civil nos traz; e assim, finalmente temos a terceira e última parte, onde veremos quais consequências à responsabilidade civil imputará sobre os responsáveis por aluno que praticar o bullying.
2. Bullying
2.1. Conceito de Bullying
De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ‘bulir’ seria o mesmo que mexer com, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre. Existe ainda o ‘bulimento’ que seria o ato ou efeito de bulir e o ‘bulidor’ que é o agente que pratica o bulimento (Houaiss, 2001, p. 528).
Próximo a elas temos também o termo “bolinar” que seria aborrecer com insistência durante longo tempo, amolar, apoquentar (Houaiss, 2001, p. 482).
Estas palavras, além de se aproximarem do termo original em inglês bullying, parecem bastante (ou no mínimo, razoavelmente) satisfatórios no que tange a sua semântica. Assemelham-se, em muito, à ideia que o vocábulo oriundo da língua anglo saxã propõe.
Há ainda outra expressão que também está sendo utilizada no Brasil, embora pouco conhecida, para se referir a tal conduta danosa, a qual seria o “acossamento”. (http://www.ointerior.pt)
Para a pedagoga FANTE (2005, p. 27) “o bullying define o desejo consciente e deliberado de maltratar outra pessoa e colocá-la sobtensão; é um termo que conceitua os comportamentos agressivos e antissociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre a violência escolar.”.
Assim, ainda utilizando os ensinamentos da autora supra, temos que:
“Bullying é um termo utilizado na literatura psicológica anglo-saxônica, para designar comportamentos agressivos e antissociais, nos estudos sobre o problema da violência escolar. Universalmente, o bullying é conceituado como sendo um "conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento, e executadas dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima”. (Fante, 2005, p. 27).
FERREIRA (2010, p. 58) ensina que “o termo bully em inglês significa provocador, tirânico, sendo que o verbo traduz a ideia de maltratar e intimidar, tratar com desumanidade. A aplicação à relação laboral é visto pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma forma de violência no trabalho.”.
Não se olvidando que o bullying também poderá compreender formas mais sutis de assalto, porém em nenhum momento, menos devastadoras, temos CALHAU, com sua valiosa lição, aduzindo que:
“Ele pode ser produzido com atos de ignorar, "dar um gelo" ou isolar a vítima. Se provocados por um grupo de alunos numa sala de aula podem ser devastadores para a autoestima de uma criança, por exemplo. Em geral, o bullying praticado com omissão é mais afeto ao praticado por meninas e é bem sutil. É quase invisível. Se você analisar o ato isolado ele pode não significar nada, mas são como pequenas agressões, que pouco a pouco vão minando a integridade psicológica da vítima”. (2009, p. 15)
Apesar de formas sutis para que ocorra o bullying que haja um sentimento de dor por parte de quem sofre a agressão.
2.2. Características
Como características do bullying, temos indícios descobertos e estudados, há muito tempo pelo pesquisador OLWEUS e trazidos por CALHAU. Para ele, se caracteriza pelos seguintes acontecimentos: ações repetitivas contra uma mesma vítima que se dê durante um período prolongado de tempo; desequilíbrio de poder, o que dificulta ou impossibilita a defesa da vítima; e ausência de motivos que justifiquem os ataques. (2009, p. 07)
Assim, as características do bullying não poderão se dar partir de um acontecimento isolado, deverá ter certo tempo de acontecimento. Será, também, marcado por uma relação de poder desmedida entre seus agentes, onde um sempre sairá subjugado em relação ao outro. E finalmente teremos que esse tipo de violência se dará sem motivos aparentes, ou seja, sem que haja necessariamente qualquer tipo de rivalidade ou inimizade entre seus dois agentes.
Porém com relação a este último indício, podemos observar que o bullie demonstra evidente preferência por aqueles indivíduos que de alguma forma se destaquem em suas vulnerabilidades. Portanto, podemos concluir daí que haverá uma predileção do agente ativo em perseguir principalmente àqueles que tenham uma aparência mais frágil, que pareçam mais fisicamente impotentes ou até mesmo que pertençam aos grupos de menor expressividade dentro da instituição ou da sociedade, também conhecidos, como pertencentes aos grupos das minorias sociais, étnicas, religiosas, dentre outras.
O comportamento agressivo do bullying pode se apresentar de formas variadas, sendo elas: “assédio direto físico; assédio direto verbal ou assédio indireto”. (RIVERS, 2011, p. 10)
Existem maneiras típicas em que as violências do bullying se manifestam aqui no Brasil, dentre elas temos algumas listadas, com base na cartilha do Conselho Nacional de Justiça de 2010, a “Justiça nas Escolas: Bullying”, e suas formas são:
“- Verbal: que engloba insultar, ofender, falar mal, colocar apelidos pejorativos, “zoar”;
- Física e material: inclui bater, empurrar, beliscar, roubar, furtar ou destruir pertences da vítima;
- Psicológica e moral: humilhar, excluir, discriminar, chantagear, intimidar, difamar;
- Sexual: abusar, violentar, assediar, insinuar;
- Virtual ou Cyberbullying: bullying realizado por meio de ferramentas tecnológicas (celulares, filmadoras, internet).” (2010)
O clássico comportamento se encontra principalmente em meio aos meninos, haja vista terem comportamento mais brutalizado e agressivo devido a uma convenção heteronormativista/machista de nossa sociedade. Assim as atitudes dos agentes do sexo masculino serão mais facilmente constatáveis.
O que já não ocorrerá com os agentes do comportamento do bullying no sexo feminino, as quais praticam, mais corriqueiramente, bullying de forma mais discreta, principalmente baseadas em intrigas, fofocas ou isolamento de determinados colegas. Se olhado sem atenção, passa despercebido, porém se observado com mais minúcia, constata-se que de pouco em pouco, esses pequenos aborrecimentos vão atingindo o psicológico da vítima até que ela esteja num estado de desgaste e stress intensos.
Como anteriormente mencionado, o bullying foi fenômeno que ganhou recentemente a devida atenção para a sua gravidade. Embora haja algumas pequenas variações entre os conceitos e a caracterização do bullying, a maioria deles, essencialmente, concorda com o fato de que temos uma ação agressiva e negativa que é frequentemente executada pelo indivíduo, além de uma clara relação desmedida de poder, onde se observa a impossibilidade de resistência por parte da vítima.
Portanto, temos um abuso de poder das relações sociais entre aqueles menores, naquele meio de convivência em comum, onde o objetivo do bullie seria o de satisfazer sua necessidade de autoafirmação, depreciando sua vítima de inúmeras maneiras, sejam elas por meio de agressão física, verbal ou indireta. Isso gera uma segregação no meio social para o indivíduo assediado, em que ambos, assediador e vítima, convivem e, dessa maneira, o agressor lucra com a popularidade, a atenção e o reconhecimento que tanto carece.
2.3 Agentes
De forma mais simplificada, existirá basicamente três agentes na relação do bullying:
a) Agressor (Bullie): será o agente ativo na relação do bullying, aquele quem procederá com os insultos e os assédios de todas as maneiras concebíveis na referida relação.
b) Vítima: será o agente passivo. O alvo de todas as formas de violências diretas ou indiretas. Qualquer tipo de assédio que ocorra será direcionado a ela e terá por objetivo atingi-la.
c) Observador: será o espectador da violência que acontecerá na sua frente. O próprio observador poderá experimentar também, consequências com a prática do bullying, tanto no sentido de aderir a pratica dobullying, aprendendo-a. Como no sentido de se intimidar e indiretamente se sentir assediado também, como se o ocorrido com o colega fosse uma espécie de aviso até mesmo para ele.
Porém, FANTE e PEDRA trazem um esquema mais elaborado, com base nestes conceitos mais básicos supramencionados. De acordo com os autores existem papéis sociais desempenhados pelos agentes do bullyingde cinco maneiras distintas:
“- A vítima típica: que serve de bode expiatório para um grupo;
- A vítima provocadora: que provoca reações que não possui habilidades para lidar;
- A vítima agressora: que reproduz os maus-tratos sofridos;
- O agressor: que vitimiza os mais fracos;
- O espectador: que presencia os maus-tratos”. (2005, p. 44)
Acrescido a estes cinco papéis sociais, teremos um sexto trazido por CALHAU, o qual seria a figura do “novato: aluno transferido de escola que fica fragilizado nas situações de bullying”. (2009, p. 38)
Podem estar envolvidos no bullying pessoas físicas capazes ou incapazes, tanto como agente ativo como agente passivo, pouco importando a idade, raça, sexo, etc.
2.4 Consequências psíquicas nos indivíduos que sofreram bullying na infância
O CALHAU expõe:
“O fenômeno bullying estimula a delinquência e induz a outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima, capacidade de autoaceitação e resistência à frustração, reduzida capacidade de autoafirmação e de autoexpressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tem, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende suas consequências para o resto da vida podendo chegar a um desfecho trágico”. (CALHAU, 2009, p. 98)
Porém, não somente traz depressão à vítima, ou produz o delinquente de amanhã. Existem casos extremos em que o assédio devasta tanto uma pessoa internamente que a vítima, sem ver outra opção para fugir dos abusos, pode chegar ao suicídio.
É o caso, dos jovens que sofrem o bullying homofóbico. A maioria deles, além de sofrerem com o bullying na instituição ainda tem que lidar com o preconceito da sociedade e muitas vezes dentro da própria família.
Através de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências Médicas da Unicamp foi apurado que jovens homossexuais têm uma tendência maior a desenvolver transtornos mentais em relação a jovens heterossexuais da mesma faixa etária. O estudo liderado pela PhD em saúde mental pela Unicamp, Daniela Ghorayeb, indicou que 35% dos pesquisados apresentaram depressão e 10%, risco de suicídio. Já entre os heterossexuais, apenas 15% sinalizaram quadro depressivo e nenhum caso de tentativa ou intenção de se matar. (http://www.cartacapital.com.br)
A pesquisadora relata, em artigo virtual, disponível na internet, as consequências, como podemos ver: “Nos adolescentes, isso funciona de forma mais grave porque ainda está num momento crítico de construção da individualidade [...]”. (http://www.cartacapital.com.br)
Dessa maneira, podemos ver o grau de fragilidade psicológica que os jovens de todas as idades possuem com relação à suas posturas, suas imagens, seus medos e expectativas. São essencialmente inseguros de si mesmos.
Poderemos ter um adulto inseguro com problemas de se sociabilizar, devido ao profundo trauma, por ele sofrido em idade tão tenra, quando ainda era frágil e não pôde desenvolver a autoconfiança que todos normalmente desenvolvem nesta idade, haja vista ter sido subjugado reiteradas vezes. Eles provavelmente necessitarão de algum tipo de auxílio psicológico ou psiquiátrico para superarem seu trauma. (http://www.slideshare.net/rosacha)
Dentre as consequências já mencionadas, poderemos ter mais estas: Evasão escolar; Problemas de natureza psicossomática; Síndrome do Pânico; Depressão; Fobia escolar; Fobia social; Ansiedade generalizada; Esquizofrenia; Homicídio; Suicídio. (http://www.slideshare.net).
2.5 Casos reais
Colocarei abaixo alguns casos reais de bullying e seus desfechos. Colhi informações acerca de episódios debullying não somente do Brasil, como de outras partes ao redor do mundo.
No Colorado, EUA, Eric Harris e Dylan Klebold sofreram bullying no Instituto Columbine e em 1999, voltaram à instituição e abriram fogo contra seus professores e colegas. Depois de terem matado doze alunos e um professor, ambos cometeram suicídio, deixando somente uma nota que dizia “Não culpem mais ninguém por nossos atos. É assim que queremos partir”. (http://pasdemasque.blogspot.com.br)
Um aluno de uma escola em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, praticou bullying com outro colega na forma de extorsão. O agressor chegou a coletar ao todo da vítima, num prazo de um ano, cerca de quinhentos reais. Detectado a tempo, a ação danosa foi interrompida antes que piorasse. O promotor adotou um “castigo” alternativo à medida sócio-educativa, que faz parte de programa do município, chamado Proceve (27ª Promotoria Contra a Evasão e a Violência na Escola em Campo Grande). A punição foi a devolução da quantia extorquida, por parte da mãe do menor, já o menor teve que frequentar curso sobre bullying, além de ter que ajudar os funcionários da escola com a limpeza do pátio escolar, bem como lavar as louças da merenda por três meses. (http://www1.folha.uol.com.br)
Seth Walsh, de apenas 13 anos de idade, morreu na UTI após dez dias de luta para sobreviver à sua tentativa de suicídio. Seth tentou se enforcar no quintal de sua casa, no estado da Califórnia, EUA, no dia 19 de setembro de 2009, devido à perseguição que sofria por ser homossexual. É sabido que seus colegas sentiram profundo remorso ao saber da morte do menino e que a escola foi omissa no tocante à atenção que o caso merecia. (http://leunews.blogspot.com.br)
Um aluno que sofria bullying em sua instituição de ensino assassinou oito pessoas, no mês de novembro de 2007, em Jokela, na Finlândia. O jovem chegou a divulgar um vídeo no YouTube, o qual anunciava o massacre. (http://pt.wikipedia.org/wiki)
Outro aluno, também da Finlândia, porém desta vez em Kauhajoki, matou nove estudantes e um professor, no dia 25 de maio de 2008. Ele tinha 22 anos de idade e cometeu suicídio ao final do episódio. ( http://pt.wikipedia.org)
Aqui no Brasil, temos um caso trágico em Realengo, no Rio de Janeiro. Wellington Menezes de Oliveira tinha 23 anos de idade e retornou à sua escola e matou à tiros onze crianças e deixaram mais treze feridas, todas com idades entre 12 e 14 anos. Ao final do ataque, Wellington levou um tiro de rifle na barriga e logo em seguida se suicidou. Através de colegas de Wellington é sabido que sofria bullying constantemente na época em que estudava naquela escola. (http://oglobo.globo.com)
O último relato que gostaria de trazer é de John, da Inglaterra, mais especificamente em Manchester. Ele tinha 13 anos de idade, quando em 1997 cometeu o suicídio, enforcando-se em casa. Trago aqui as últimas páginas do diário pessoal de John que retratam seus últimos registros e sentimentos, neste mundo:
“Diário de John (últimas páginas)
2ª Feira – Roubaram-me o dinheiro... sem desculpas nem palavras por aí além... apenas uma ameaça, gozações, humilhações... ironias que sei que são para mim, mas ninguém mais percebe.
3ª Feira – Hoje passaram o tempo todo a me gozarem, insultando-me, menosprezando-me...
4ª Feira – Rasgaram o meu uniforme... ficou tal pedaços caídos no chão... ainda me recordo do quão mal me senti, de toda aquela raiva reprimida, de toda aquela frustração.
5ª Feira – O meu corpo está coberto de sangue... olho-me ao espelho e mal me reconheço... O corpo denunciando pelo o que passo diariamente; olhos cansados de tantas horas a pensar e repensar o que fazer... o medo que se alastra sobre mim... sem saber o que fazer, sem saber a quem pedir ajuda...
6ª Feira – Mas hoje tudo terminará... aquele medo que foi se intensificando, hoje desaparecerá... Tudo se partirá em mil pedaços de nada. Hoje tudo significará um fim... o fim deste sofrimento... A vontade de ser eu mesmo, há muito reprimida que hoje se soltará. E amanhã? Bem, amanhã será apenas liberdade...”(http://violenciaescolar-bullying.blogspot.com.br/)
No dia seguinte, sábado, John, de apenas 13 anos de idade, que morava em Manchester na Inglaterra, no ano de 1997, fora encontrado morto em sua casa, enforcado.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL
3.1 Conceito
Palavra de origem latina, a responsabilidade é oriunda do vocábulo respondere, que contém o radical spondeo, o qual significa a obrigação que um sujeito teria de assumir as consequências jurídicas de suas atividades. Ainda com relação ao radical, era através de sua fórmula que se vinculava solenemente, o devedor nos contratos verbais do direito romano.
Para GONÇALVES:
“[...] responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano.Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social.
Coloca-se, assim, o responsável na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante”. (2013, p. 01-02)
Citando SAVATIER, VIEIRA JÚNIOR conceitua a responsabilidade civil como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas e/ou coisas que dela dependam.”. (2003, p.05)
Concordando, STOCO cita GIORGI dissertando sobre a responsabilidade civil como “a obrigação de reparar mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que o nosso fato ilícito causou a outrem” (2009, p. 61).
Por conseguinte, temos que a responsabilidade civil é aquela que tem o objetivo de restaurar o equilíbrio patrimonial ou moral causado por alguma violação do direito alheio.
3.2 Espécies
Dentre as espécies de responsabilidade civil temos as modalidades Contratual e Extracontratual, e além delas ainda temos a Subjetiva e a Objetiva.
Com relação às duas primeiras modalidades, de forma bem simples, podemos colocar que:
a) Responsabilidade Civil Contratual: é ato ou omissão que acarreta no descumprimento de alguma obrigação prevista em contrato, o qual foi firmado em documento pelas próprias partes, vinculando-as ao que foi acordado.
b) Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana: é a transgressão direta e deliberada de uma norma legal.
Por sua vez a Responsabilidade Civil Subjetiva é aquela oriunda de dano causado ato culposo ou doloso.
A culpa será caracterizada sempre que houver a presença de negligência ou imprudência na atitude danosa do indivíduo, enquanto que o dolo será identificado quando decorrer de alguma ação ou omissão voluntária que vier a culminar no dano. Em ambos os casos, há a necessidade da constatação de culpa do agente. Já a Responsabilidade Civil Objetiva dispensa a constatação de tal culpa, uma vez que é irrelevante para o Direito, considerando tal modalidade. Nesse caso, há unicamente a necessidade de comprovar a existência do nexo de causalidade entre o agente e o dano, para que se caracterize tal espécie de responsabilidade, gerando, consequentemente, o dever de indenizar.
3.3 Natureza jurídica da responsabilidade civil
STOLZE, após citar BITTAR:
“Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas ou circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranquilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido.
Nesse sentido, a teoria da responsabilidade civil encontra suas raízes no princípio fundamental do neminem laedere, justificando-se diante da liberdade e da racionalidade humanas, como imposição, portanto, da própria natureza das coisas. Ao escolher as vias pelas quais atua na sociedade, o homem assume os ônus correspondentes, apresentando-se a noção de responsabilidade como corolário de sua condição de ser inteligente e livre.
Realmente, a construção de uma ordem jurídica justa - ideal perseguido, eternamente, pelos grupos sociais - repousa em certas pilastras básicas, em que avulta a máxima de que a ninguém se deve lesar. Mas, uma vez assumida determinada atitude pelo agente, que vem a causar dano, injustamente, a outrem, cabe-lhe sofrer os ônus relativos, a fim de que se possa recompor a posição do lesado, ou mitigar-lhe os efeitos do dano, ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica.
Na satisfação dos interesses lesados é que, em última análise, reside a linha diretiva da teoria em questão, impulsionada, ab origine, por forte colaboração humanista, tendente a propiciar ao lesado a restauração do patrimônio ou a compensação pelos sofrimentos experimentados, ou ambos, conforme a hipótese, cumprindo-se assim os objetivos próprios.” (2008, p. 19-20)
Conclui que “a natureza jurídica da responsabilidade civil será sempre sancionadora, independentemente de se materializar como pena, indenização ou compensação pecuniária.”. (2008, p. 20)
Pela mesma linha de raciocínio, segue VIEIRA JÚNIOR, ao citar AMARAL, no tocante à responsabilidade civil:
“A responsabilidade civil é sanção indireta, de função preventiva e restauradora. Indireta, porque, na impossibilidade de se restabelecer a situação anterior ao evento lesivo, a lei determina a reparação do prejuízo causado. Preventiva, porque, como toda sanção, destina-se a garantir o respeito à lei, e restauradora no sentido de que, violado o preceito jurídico e configurado o dano, o infrator se obriga a indenizar o lesado. É, portanto, e simultaneamente, uma sanção e uma garantia de ressarcimento”. (2003, p.09).
Desta feita, a natureza jurídica da responsabilidade civil é sancionadora, visando a compensação do dano sofrido pela pessoa lesada, tentando, assim, trazer o ressarcimento de seu prejuízo ou, pelo menos algum alento, no caso de dano impossível de se valorar, como por exemplo, o dano moral.
3.4 Função da reparação civil
Como ensinam GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, a função da reparação civil visaria três pontos principais: compensar o dano da vítima; punir o ofensor do direito alheio; e desmotivar socialmente a conduta lesiva, afim de que outros indivíduos não se sintam incentivados a repetir tal conduta, gerado por um sentimento de impunidade.
Assim disserta acerca de cada um deles:
“Na primeira função, encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação civil: retornar as coisas ao status quo ante. Repõe-se o bem perdido diretamente ou, quando não é mais possível tal circunstância, impõe-se o pagamento de um quantum indenizatório, em importância equivalente ao valor do bem material ou compensatório do direito não redutível pecuniariamente.
Como uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se encontravam, mas igualmente relevante, está a ideia de punição do ofensor. Embora esta não seja a finalidade básica (admitindo-se, inclusive, a sua não incidência quando possível a restituição integral à situação jurídica anterior), a prestação imposta ao ofensor também gera um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não mais lesionar.
E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando por incidir numa terceira função, de cunho socioeducativo, que é a de tornar público que condutas semelhantes não serão toleradas. Assim, alcança-se, por via indireta, a própria sociedade, restabelecendo-se o equilíbrio e a segurança desejados pelo Direito.” (2008, p. 21)
Podemos chegar à conclusão que a função da reparação civil, especialmente na seara do dano moral, transcende qualquer interesse de vingança que algum sujeito lesado possa nutrir contra seu ofensor, supera a compensação do dano sofrido pelo agredido e atinge um dos pontos mais importantes na medida indenizatória para a manutenção da conduta ideal em sociedade: o ensino pedagógico aos cidadãos locais, através da desmotivação pela sanção, que o ato que ocasionar lesões a outrem é repudiável por aquela sociedade e será punido severamente de acordo com o grau do dano imputado, ou seja, quanto maior for o sinistro imposto à alguém, maior deverá ser o valor da indenização à ser pago pelo agressor.
Por este motivo, uma indenização carrega muito mais do que um simples castigo ou a mera compensação patrimonial ou psicológica do prejuízo. Ela deve ser verdadeira expressão (reflexo) do quão destoante ou abominável determinada conduta é considerada aos olhos daquela sociedade, bem como o quão repudiável e não tolerável ela será naquele meio.
3.5 Elementos Constitutivos da Responsabilidade Civil
A Doutrina é praticamente pacífica no que tange a quantidade de elementos constitutivos da responsabilidade civil, que seriam quatro. Dentre eles podemos citar:
a) Ação ou Omissão que viole o direito de alguém: tais ações danosas que possam acarretar na obrigação de indenizar deve ser ato humano, voluntário e imputável, neste caso abrangendo, inclusive àqueles atos que não tenham tido a intenção de ofender o direito alheio, como por exemplo, os atos praticados por distração (negligência ou imprudência). Já as omissões se caracterizam como tais elementos, uma vez que haja a obrigação legal de agir, o dever de praticar o ato omitido.
b) Culpa ou Dolo: a culpa poderá se dar tanto através da negligência, que é o não cumprimento das normas por subestimá-las ou não dar a devida atenção às mesmas, bem como através da imprudência, que seria a total falta de zelo e bom senso, sem o devido uso da cautela ao proceder de maneira deliberadamente irresponsável em suas ações. Já o dolo é ação ou omissão voluntária, ou seja, tendo a noção de que tal ato culminaria no prejuízo da vítima, o agente ainda assim pratica-o, esperando o resultado danoso pretendido.
c) Nexo de Causalidade: essencialmente falando, é o vínculo que liga o agente da ação ou omissão ao efetivo resultado danoso. Tal elemento é essencial quando se fala em indenização, uma vez que não se poderá responsabilizar um terceiro por fato que não lhe tenha relação alguma, ou seja, não havendo o nexo também não há que se falar em responsabilidade civil.
d) Dano: é a lesão sofrida pelo bem jurídico da vítima, podendo ser ela de cunho material ou moral. Elemento também crucial para gerar a obrigação de indenizar, caso não exista, significa que não houve lesão de fato, objeto que a indenização visa reparar, logo, não havendo coisa alguma a ser reparada, descaracteriza-se assim a necessidade da indenização.
3.5.1 Espécies de Dano: Patrimonial e Moral
O dano é simplesmente o prejuízo experimentado pela vítima do ato ilícito. Trata-se de direitos que foram injustamente violados e somente através da consubstanciação desse dano, sofrido pela vítima, é que pode, em via de regra, dar-se a indenização. Desta maneira, como ensinam GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2008, p. 40), a doutrina comumente classifica o dano em material ou moral.
O dano material, também referido como dano patrimonial, é aquele que atingirá bens ou direitos de caráter estritamente econômico, ou seja, poderá ser avaliado seu prejuízo quantitativamente em pecúnia, onde, uma vez quitado tal prejuízo, em tese, temos a reparação perfeita do dano ao seu status quo original, algo facilmente atingível através do instituto da indenização.
GAGLIANO e PAMPLONA FILHO analisam ainda mais a fundo o dano material, separando-os da seguinte forma:
“d) o dano emergente – correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, ‘o que ela perdeu’;
e) os lucros cessantes – correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, ‘o que ela não ganhou’”. (2008, p. 41)
O dano moral, instituto relativamente novo no direito brasileiro, efetivamente falando, uma vez que só ganhou expressividade prática de fato e de direito nas decisões jurídicas, depois de positivado pela Constituição de 1988, trabalha com fatores personalíssimos, assim seus danos afetarão elementos imateriais como a moral, a honra, a integridade psíquica ou intelectual ou até a autoestima da vítima, podendo até mesmo gerar graves danos psicológicos, como a depressão e etc.
De acordo com VENOSA:
“Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos de personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal”. (2013, p. 35-36)
Concordando, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, citam BITTAR da seguinte maneira:
“Como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).” (2008, p. 44)
O dano moral, pode assim decorrer tanto de ofensa à Honra, à Imagem, à Intimidade e a estética do individual.
3.5.2 Responsabilidade Civil e noção de culpa
A culpa, de uma forma genérica, é considerada pela Doutrina como de difícil conceituação, porém fácil compreensão. Como se seu entendimento fosse algo quase que inerente à condição humana. De fato, até o leigo, quando pensa em “culpa”, já tem um pré-conceito estabelecido em sua mente acerca do que se trata, mas quando vamos tentar exprimi-la em palavras, até os mais intelectuais precisam se fazer um pouco mais prolixos do que pretendiam para defini-la.
VENOSA, valendo-se das palavras de AGUIAR DIAS, nos traz:
“A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude.” (2013, p. 21)
STOCO, também conceitua culpa de maneira muito precisa quando assevera que:
“A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliciedade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável.” (2009, p.66)
De forma semelhante, depois de dissertar acerca do dolo, CAVALIERI FILHO, citado por VENOSA, nos conta sobre a noção de culpa no sentido estrito “como conduta voluntária, contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém, previsto ou previsível.”. (2006, p. 21)
Já, de acordo com o entendimento de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO “a culpa (em sentido amplo) derivaria da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo [...]”. (2008, p. 123-124)
Vê-se, a partir daí, que também é admitida, pela Doutrina, uma modalidade dolosa para a constituição dos danos. Todavia, mais a frente, veremos como é dispensável a constatação destes elementos, embora façam parte dos elementos constitutivos da responsabilidade civil, para a caracterização da necessidade de indenizar em certos casos, como seria o caso do próprio bullying.
3.6 Responsabilidade Civil e Imputabilidade
Imputabilidade é a capacidade que alguém tem de responder civilmente pelos atos praticados contra alguém. Para participar ativamente da vida civil, como, por exemplo: decidir atos, assinar documentos, alienar propriedades ou até mesmo se casar; é necessário que esta pessoa esteja apta para realizar tais atos da vida civil. Imputabilidade é justamente a condição que permite que certo indivíduo realize tais atos, podendo celebrá-los sem quaisquer impedimentos legais no que tange a capacidade para fazê-los.
No mesmo sentido do acima exposto, VENOSA assevera:
“Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade por algum fato ou ato. Desse modo, a imputabilidade é pressuposto não só da culpa, mas da própria responsabilidade. Como já vimos, pode ocorrer imputação pelo risco, sem que se avalie a culpa. Se o agente, quando da prática do ato ou da omissão, não tinha condições de entender o caráter ilícito da conduta, não pode, em princípio, ser responsabilizado. Nessa premissa, importa verificar o estado mental e a maturidade do agente. Para que o agente seja imputável, exige-se-lhe capacidade e discernimento. A imputabilidade retrata a culpabilidade. Não se atinge o patamar da culpa se o agente causador do dano for inimputável”. (2006, p. 60)
GONÇALVES, rememorando as lições de SAVATIER, explica:
“[...] que quem diz culpa, diz imputabilidade. E que um dano previsível e evitável para uma pessoa pode não ser para outra, sendo iníquo considerar de maneira idêntica a culpabilidade do menino e a do adulto, do ignorante e do homem instruído, do leigo e do especialista, do homem são e do enfermo, da pessoa normal e da privada da razão”. (2013, p. 99)
Isso vale tanto para os menores de idade como para os amentais, chamados pelo Código Civil de 1916 de “loucos de todo o gênero”, popularmente conhecidos na sociedade por “deficientes mentais”; ambos considerados inimputáveis pelo Código Civil de 2002.
O indivíduo com idade equivalente à 18 anos é considerado totalmente capaz de exercer e administrar a sua vida civil, respondendo normalmente como qualquer outro cidadão, por seus atos ilícitos. Já o adolescente entre 16 anos de idade e os 18 anos incompletos é considerado pelo novo Código como relativamente capaz. Assim, o indivíduo com idade inferior aos 16 anos é considerado totalmente incapaz, como podemos analisar à seguir, através dos seguintes dispositivos legais retirados do Código Civil de 2002:
“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderam exprimir sua vontade.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de exercê-los:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II – pelo casamento;
III – pelo exercício de emprego público efetivo;
IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”
Dessa forma, alguém que fosse considerado inimputável, por mais que praticasse um ato ilícito seria incapaz de responder juridicamente por seus atos. Então, podemos dizer que um ato ilícito praticado por menor, pela impossibilidade de gerar responsabilidade civil para o mesmo, queda-se como ficou, sem nenhuma esperança de reparação civil para a parte lesada, haja vista a não culpabilidade que a condição de inimputável lhe trouxe, através do novo Código Civil de 2002? Isto é o que estudaremos à seguir no próximo tópico.
3.6.1 Responsabilidade dos pais pelos filhos menores
A responsabilidade de ato ilícito praticado por menor é de seus pais de acordo com o inciso I do artigo 932 do Código Civil de 2002, uma vez que são responsáveis pela reparação civil, os pais pelos filhos que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. (SARAIVA, 2010, p. 147-148)
Interpretando a abrangência do que o diploma legal quis dizer com a sua redação, temos VENOSA explicando que:
“Segundo os dispositivos transcritos, os pais responsáveis pela reparação civil decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. O presente Código menciona os filhos que estiverem sob a “autoridade” dos pais, o que não muda o sentido da dicção legal anterior, dando-lhe melhor compreensão. Não se trata de aquilatar se os filhos estavam sob a guarda ou poder material e direito dos pais, mas sob a sua autoridade, o que nem sempre implica proximidade física. Essa responsabilidade tem como base o exercício do poder familiar que impõe aos pais um feixe enorme de deveres.
Trata-se de aspecto complementar do dever de educar os filhos e sobre eles manter vigilância”. (2013, p.69)
Considerando o que foi estudado no tópico anterior, somado ao dispositivo legal do artigo 933 que versa acerca da presunção de responsabilidade pelos atos de terceiros, mesmo sem a prova de que houve culpa ou dolo por parte dos responsáveis, no caso das pessoas elencadas nos incisos I a V do artigo 932, vemos que a responsabilidade de quaisquer atos praticados por menores e que sejam considerados danosos a outrem serão de responsabilidade de seus pais.
Existe, todavia, divergência na Doutrina com relação à tal assunto, como é o exemplo do entendimento de GOMES, trazido por GONÇALVES:
“Se a responsabilidade do pai pressupõe a prática de ato ilícito pelo filho, isto é, ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, é lógico que não há responsabilidade paterna enquanto o filho não tiver capacidade de discernimento. Um menor de 4 anos não sabe o que faz. Se a outrem causa dano, não se pode dizer que agiu culposamente; se não há culpa, ato ilícito não praticou; se não cometeu ato ilícito, o pai não responde pela reparação do dano, porque a responsabilidade indireta supõe a ilicitude no ato de quem causa o prejuízo”. (2013, p. 101-102)
Porém a tese tem se mostrado fracassada na tentativa de convencer nossos juristas brasileiros à fundamentarem suas decisões de acordo com ela e, por consequência, não tem sido bem aceita.
Tomemos como exemplo uma ementa de decisão expedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e trazida pelo próprio GONÇALVES, que descaracterizou totalmente a tese supracitada de GOMES, uma vez que a decisão do referido Tribunal foi exatamente no sentido contrário ao entendimento do mestre baiano.
O caso concreto que originou a supramencionada ementa se deu da seguinte maneira: um garoto de 4 anos de idade cegou o olho de sua colega com uma pedrada enquanto brincavam.
Eis a ementa da decisão: “Indenização. Responsabilidade Civil. Menor de idade. Responsabilidade do pai, por presumida culpa in vigilando. Verbas devidas de despesas de assistência e tratamento, bem como dote por dano estético deformante.”. (2013, p.103)
Continuando na mesma linha de raciocínio de VENOSA, temos GONÇALVES aduzindo que:
“A verdade é que a responsabilidade dos pais não é afastada, quando inexiste imputabilidade moral em virtude da ausência de discernimento. Para os subjetivistas, o fundamento está na culpa direta dos pais, consistente na omissão do dever de vigilância. Para a teoria objetiva, a responsabilidade, no caso, funda-se na ideia do risco e da reparação de um prejuízo sofrido pelo lesado injustamente, estabelecendo o equilíbrio dos patrimônios, atendendo-se à segurança da vítima, na lição de ALVINO LIMA”. (2013, p. 103)
Sacramentando tal entendimento, temos ainda o artigo 933 do Código Civil de 2002, quando em seu dispositivo legal reza que todas as pessoas constantes dos incisos I a V do artigo 932, mesmo não havendo culpa de suas partes, responderão objetivamente pelos atos dos terceiros ali referenciados. (SARAIVA, 2010, p. 147-148)
Desta feita, podemos concluir claramente, que de acordo com o diploma legal brasileiro, bem como o entendimento doutrinário, independentemente de culpa, sempre terá alguém que será responsabilizado por algum ilícito que um menor vier a praticar e que em via de regra, esses responsáveis serão seus pais, como bem aduz VENOSA, ao dizer que “a regra geral será a responsabilização dos pais pelos atos danosos dos filhos menores de qualquer idade”, sendo que a isenção da tal obrigação será à exceção da regra. (2007, p. 70)
Tal hipótese é defendida e exemplificada por VENOSA (2013, p. 72) quando ele levanta a figura do menor que moraria afastado dos pais, porém sendo sustentado por meio dos recursos dos mesmos, os quais ainda que distantes, estariam provendo-lhe o sustento necessário, o qual sem este o menor não poderia sobreviver.
Vamos imaginar, assim, um caso fictício onde temos um menor, com 16 anos de idade. Ele mora em Brasília e seus pais moram em São Paulo. O jovem mora em uma casa custeada pelos pais à distancia, bem como pagam secretária doméstica para a devida manutenção do lar do jovem. Tal jovem estuda em colégio particular, também custeado pelos pais e dentro da referida instituição, começa a praticar bullying contra um colega de sala.
No caso supramencionado não temos a presença de pai ou qualquer guardião legal próximo que pudesse responder pelo ilícito desse menor incapaz. Assim, não teríamos a quem responsabilizar à primeira vista. Porém VENOSA, ensina que:
“Desse modo, o simples afastamento da casa paterna não elide a responsabilidade dos genitores:
“Se o menor deixa a casa paterna, sem qualquer motivo, descura o pai de seu dever de guarda e vigilância, sendo responsável pelo ilícito civil praticado por aquele” (RT 590/154).
Por essa razão, como apontamos, o corrente Código menciona, no art. 932, que os menores devem estar sob a autoridade dos pais.” (2013, p. 73-74)
Mais adiante, VENOSA ainda elucida que:
“A responsabilidade dos pais deriva, em princípio, da guarda do menor e não exatamente do poder familiar. Quando, porém, o menor é empregado de outrem, e pratica o ato ilícito em razão do emprego, a responsabilidade é do empregador. Da mesma forma, se o filho está internado em estabelecimento de ensino, este será o responsável por força do art. 932, IV (antigo, art. 1.521, IV).” (2013, p. 74)
De acordo com o entendimento do autor, há a necessidade de se haver uma análise específica de cada caso concreto, afim de que se verifique a quem se incumbia, de fato, a responsabilidade por aquele menor. No caso hipotético, temos que ele praticou a conduta dentro da instituição de ensino, assim, por força do disposto no art. 932, inciso IV, tal responsabilidade recairia sobre a instituição de ensino, devendo ela responder por ilícito praticado pelo menor que ali estude contra outro estudante que também se encontra sob a sua proteção. Tal fato pode até ser valorado como negligência da instituição por tolerar tais condutas dentro de suas dependências sem que providências sejam tomadas com relação a isso.
Porém, se utilizarmos exatamente o mesmo exemplo, anteriormente levantado, modificando unicamente o local onde se deu o assédio, por exemplo, para dentro de sua casa, por meio virtual, modalidade de bullying também conhecida como cyberbullying, utilizando-se de computador dentro do lar do menor, já teremos a responsabilidade transferida à seus pais. Isso se deve porque o vínculo de responsabilidade com a instituição não mais se caracteriza, uma vez que o aluno não se encontra mais em suas dependências, devolvendo essa responsabilidade aos seus pais novamente. Ou seja, voltando para a casa, o menor volta a ser responsabilidade de seus pais. Uma vez dentro de seu lar, não há adulto ou guardião para zelar pelo adolescente ou regular suas atividades ali dentro, caracterizada está, então a culpa in vigilando, onde a omissão de orientação e educação que aquele jovem deveria estar recebendo de seus pais o levou à tais condutas delinquentes e danosas contra outrem.
Há ainda um 2º caso curioso que a doutrina também esclarece, o qual seria o caso do menor emancipado. Referente à esta problemática, nos brinda GONÇALVES com o seguinte entendimento:
“Parece-nos defensável a responsabilidade solidária do pai somente quando se trata de emancipação voluntária, cessando, porém, totalmente quando deriva do casamento ou das outras causas previstas no art. 5º, parágrafo único, do Código Civil”. (2013, p. 103)
O mesmo autor cita ainda mais dois entendimentos no mesmo sentido, os quais seriam o de PEREIRA:
“Em caso de emancipação do filho, cabe distinguir: se é a legal, advinda, por exemplo, do casamento, os pais estão liberados (da responsabilidade); mas a emancipação voluntária não os exonera, porque um ato de vontade não elimina a responsabilidade que provém da lei” (2013, p. 104)
E o de CARVALHO DOS SANTOS:
“É preciso distinguir: na emancipação tácita, determinada pelo casamento, cessa a responsabilidade dos pais. Porque, se trata de filho, torna-se ele próprio chefe de família; se é mulher, pelo casamento passa à autoridade marital. Se, porém, a emancipação é expressa, outra é a consequência. Pois a emancipação de um menor que se revela indigno da concessão que lhe foi outorgada é, no fim de contas, um ato inconsiderado e aos pais não se pode reconhecer o direito de exonerar-se por essa forma, da responsabilidade que a lei lhes impõe.” (2007, p. 104)
VENOSA, também citando parte do mesmo entendimento de PEREIRA acima mencionado, finaliza dizendo:
“[...] Anota Caio Mário da Silva Pereira (1999:92), reforçando esse entendimento, que a emancipação voluntária não exonera os pais, “porque um ato de vontade não elimina a responsabilidade que provém da lei”. Nesse caso estabelece-se, sem dúvida, uma responsabilidade solidária entre o menor e seus pais”. (2013, p. 72)
Desta feita, concluímos que se a emancipação não se der por meio que a lei considere natural, como por exemplo, o casamento, mas se der de forma artificial, partindo unicamente da vontade de um particular, teremos que tal ato não logrará seus efeitos no tocante à eximir o responsável original do menor à responder pelos ilícitos cometidos pelo mesmo, haja vista o referido menor não fazer jus à tal confiança à ele atribuída. Em outras palavras, os pais responderão por todos e quaisquer ilícitos que seus filhos cometerem se estiverem dentro da idade da incapacidade estipulada pelo Código Civil e se a emancipação tiver se dado por motivo que seja por mera conveniência da vontade dos pais ou até do menor.
3.6.2 Responsabilidade da Instituição de Ensino: Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor
Observamos no tópico anterior como a responsabilidade, que em via de regra pertence aos pais, pode ser transferida à instituição de ensino. Isso se dá graças ao disposto no art. 932, inciso IV, do Código Civil de 2002, que estatui que a hospedagem, mesmo para fins educacionais, trará ao hospedeiro, a obrigação de responder pelos atos de seus educandos.
Acerca de como devemos interpretar o supramencionado dispositivo, não temos um entendimento pacificado na doutrina, haja vista seu texto não ter elucidado a questão de maneira tão clara ao dividir espaço com a responsabilidade dos donos de hotéis no mesmo inciso.
Assim, temos VENOSA, defendendo que:
“Em princípio, deve ser alargado o dispositivo. Não se deve restringir o alcance apenas aos estabelecimentos que albergam os alunos sob a forma de internato ou semi-internato, hoje quase inexistente no país. Enquanto o aluno se encontra no estabelecimento de ensino e sob sua responsabilidade, este é responsável não somente pela incolumidade física do educando, como também pelos atos ilícitos praticados por este a terceiros ou a outro educando. Há um dever basilar de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de educação que modernamente, decorre da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor”. (2013, p. 83)
Em contrapartida à tal entendimento, temos um posicionamento de RODRIGUES, proporcionado por GONÇALVES, o qual:
“[...] não concorda com aqueles que vislumbram no inciso IV, do art. 1.521 do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 932 do novo, uma responsabilidade ampla dos educadores. No seu entender, o aludido dispositivo legal somente tem aplicação aos diretores de colégios de “internato”, por atos praticados por estudantes ali internos que, escapando à vigilância dos diretores ou de seus prepostos, causem dano a terceiros. E a responsabilidade, que normalmente competiria aos pais, transferida aos donos de casas de ensino onde se alberguem estudantes, “é muito mais atenuada e só se caracteriza quando houver manifesta negligência do diretor ou seu preposto, sendo certo que o encargo de provar tal negligência compete à vítima”.” (2013, p. 116)
Já AGUIAR DIAS, citado por GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, aduz que:
“Tudo estará, pois, em examinar, dado o caso concreto, até que ponto interveio a colaboração do dono da casa no fato danoso. É indubitável que lhe incumbe, mesmo quando hospedador gratuito, um dever de segurança em relação ao hóspede, pois não se compreende que se albergue para lhe proporcionar ou permitir o dano, através de terceiro. Em que termos ela se pode considerar como imposta ao dono da casa será questão a resolver, tendo em vista as circunstâncias.” (2008, p. 163)
E continua esclarecendo que a referida responsabilidade civil, poderá decorrer de danos causados à terceiros ou, ainda, aos outros alunos da mesma instituição, recordando muito bem, que se for o caso de ser uma escola pública, a instituição hipotética, então a obrigação de indenizar será automaticamente do Estado. (2013, p. 164)
Veja como o autor entende que tal responsabilidade é tão pertencente ao responsável pelo estabelecimento educacional, que prevê que nos casos em que a instituição por pública, tal obrigação de responder pelo menor recairá sobre o Estado, verdadeiro e legítimo titular das escolas públicas.
Através das lições de GONÇALVES, ele ensina que:
“[...] quando o aluno se encontra em regime de externato, a “responsabilidade é restrita ao período em que o educando está sob a vigilância do educador (Serpa Lopes, ob. Cit., n. 284), compreendendo que ocorre no interior do colégio, ou durante a estada do aluno no estabelecimento, inclusive no recreio (Pontes de Miranda), ou em veículo de transporte fornecido pelo educandário. O mais que ocorra fora do alcance ou da vigilância do estabelecimento estará sujeito ao princípio geral da incidência da culpa. [...]”. (2013, p. 117)
Concordando com esta linha de raciocínio de GONÇALVES, no que tange a extensão de até aonde iria a responsabilidade da instituição de ensino, temos VENOSA, quando aduz que:
“Pode até mesmo ser firmada a responsabilidade, ainda que o educando se encontre fora das dependências do estabelecimento: imaginemos a hipótese de danos praticados por aluno em excursão ou visita organizada, orientada ou patrocinada pela escola. Nesse caso, o dever de vigilância dos professores e educadores é ambulatório, isto é, acompanha os alunos. Esse dever de vigilância é, desse modo, tanto no tocante a atos praticados contra terceiros como contra os próprios alunos e empregados do estabelecimento. É pressuposto, contudo, da indenização, que o educando esteja sob vigilância do estabelecimento quando do ato danoso”. (2013, p. 84)
A partir das elucidações desses autores, podemos ver que é praticamente unânime a ideia que a instituição guarda, pelo menos, alguma responsabilidade com relação à seus educandos, embora nem todos os autores concordem na forma como essa responsabilidade deva se apresentar.
Ainda assim, podemos concluir que, dada a maioria deles apontarem para uma mesma direção, a instituição de ensino terá sua parcela de responsabilidade na maioria dos casos. Podemos inferir ainda dos textos, que há um entendimento em institucionalizar tais responsabilidades, pois uma vez que os alunos tenham um vínculo educacional com o estabelecimento, este se tornará, automaticamente, responsável por aqueles, até mesmo devido à uma relação consumeirista que se estabelece entre ambos, como podemos ver consagrados tais entendimentos na doutrina.
Primeiro na de GONÇALVES:
“Os educadores são prestadores de serviço. [...]
“A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”. [...]
No caso dos educadores, não há incompatibilidade entre o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor a respeito dos prestadores de serviço em geral e o novo Código Civil, pois ambos acolheram a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa.
Assim, se o art. 933 do Código Civil preceitua que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente (pais, tutores, curadores, empregadores, donos de hotéis e escolas e os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime) terão responsabilidade objetiva, respondendo pelos terceiros ali referidos “ainda que não haja culpa de sua parte”, é porque quis afastá-los da culpa presumida consagrada no art. 1.521 do diploma de 1916. Neste, a presunção de culpa dos educadores era relativa, pois admitia prova em contrário (presunção juris tantum). A culpa consistia no fato de não haver exercido, como deveria, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa in vigilando). Permitia-se, assim, que se exonerasse da responsabilidade, desde que provasse não ter havido de sua parte culpa ou negligência.
O Código Civil de 2002 adotou solução mais severa, não os isentando de responsabilidade, ainda que não haja culpa de sua parte”. (2013, p. 117)
Depois, temos VENOSA aduzindo que:
“O aluno é consumidor do fornecedor de serviços, que é a instituição educacional. Se o agente sofre prejuízo físico ou moral decorrente da atividade no interior do estabelecimento ou em razão dele, este é responsável. Responde, portanto, a escola, se o aluno vem a ser agredido por colega em seu interior ou vem a acidentar-se em seu interior”. (2013, p. 89)
Em razão, do acima exposto, temos perfeitamente encaixado a conduta do bullying e sua consequência no mundo jurídico. Através das precisas palavras do autor, VENOSA, é de clareza solar a conclusão de que qualquer conduta danosa, despendida por um aluno contra outro, dentro das dependências de um estabelecimento de ensino ou se der, por algum motivo, em razão dela, acarretará em responsabilidade civil para a instituição. Assim, tal ocorrido irá desencadear uma obrigação de indenizar o ato danoso praticado pelo pupilo, seja tal ato de natureza física, patrimonial ou moral. (2013, p.86)
Se por um lado temos o Código Civil aliviando quase de forma absoluta a responsabilidade civil do menor, temos do outro lado o mesmo Código transferindo toda essa responsabilidade aos pais ou aos educadores, neste caso, mesmo que temporariamente, na ausência desses pais. Obrigando tais sujeitos a repararem os danos cometidos pelos jovens. Tal entendimento doutrinário é fundamentado por instituto chamado “culpa in vigilando” que consiste na culpa objetiva dos pais ou da pessoa incumbida de zelar pela conduta, bem como a devida educação do menor para que aprenda a conviver de forma civilizada, exatamente como se espera dele, por estar inserido na sociedade.
4. AS CONSEQUÊNCIAS QUE A RESPONSABILIDADE CIVIL TRARÁ AOS RESPONSÁVEIS PELO ALUNO QUE PRATICAR O BULLYING
4.1 Da Responsabilidade Civil na hipótese
Podemos concluir que o bullying, em qualquer uma de suas formas de expressão, geraria severas consequências no que tange a responsabilidade civil. Pode ser classificada como uma responsabilidade civil de caráter objetivo, uma vez que ambos, pais/guardiães legais e a instituição de ensino devem responder pelos atos danosos do menor em face do prejudicado.
É claro, todavia, que há de se analisar cada caso para saber em qual deles se encaixará a responsabilidade do pai ou a responsabilidade da instituição. Dependendo do cenário em que o ilícito ocorrer teremos que a obrigação de vigilância sobre o menor terá sido de um ou de outro.
A partir de tudo o que se auferiu com a pesquisa para este trabalho, vemos que as responsabilidades que obullying poderá trazer, transcenderá as da responsabilidade civil, alçando voos mais altos e chegando à grande maioria das vezes à atingir relações de consumo, em decorrência dos contratos que regem as prestações de serviços educacionais. Sua natureza prevê a segurança e incolumidade física e psíquica de seus consumidores. Tal responsabilidade poderá chegar até à ceara penal, como o relato de um caso real trazido no presente trabalho, no tópico 2.5 Casos Reais, devido a própria natureza violenta que o bullying possui. Poderá se esticar até a Constituição, haja vista tais assédios poderem ser considerados atentados à dignidade humana, ao seu bem estar e à sua saúde. E por se tratar de menores de idade, a discussão poderá trazer, ainda, o ECA para versar tanto acerca do agressor, como da vítima, ou até dos observadores. À respeito de todas essas áreas, anteriormente citadas, este trabalho não se presta a responder, meramente constatou que a gama de consequências supera as da alçada ordinariamente civil e vai se expandir até outros solos.
Todavia, no que tange a responsabilidade civil, pode-se inferir da pesquisa feita neste trabalho, que em face de qualquer dano sofrido em decorrência do bullying haverá sempre a obrigação de reparar o aludido dano, não podendo a parte lesada permanecer no seu prejuízo sem que haja a devida indenização.
A indenização, em seu bojo, deverá carregar a devida reparação do dano efetivamente sofrido pela vítima, punir devidamente o agressor na medida de sua ofensa, além de servir como exemplo para a comunidade ao redor que deverá conhecer qual severa será a punição para tal tipo de conduta.
Finalmente, como já anteriormente falado, haverá a necessidade de se apurar cada caso a fim de que se saiba se a obrigação de responder pelo agressor recairá sobre seus pais ou sobre a instituição de ensino cujo aluno ofensor se encontrava sob os cuidados.
4.2 Tornar as consequências do bullying legais no ordenamento jurídico
Seria verdadeiramente útil e conveniente à justiça, se tivéssemos uma legislação específica que versasse acerca da conduta do bullying. Tal medida obrigaria as pessoas, inicialmente, à se informarem mais à respeito do tema. Ora, uma vez sendo lei, o tema teria que ser trazido à luz para que toda a sociedade tomasse conhecimento dele, o que traria maiores esclarecimentos do tema, deixando de ser algo tão confuso à população. E futuramente, uma vez amplamente difundida tais informações deste ato danoso, todos conheceriam e saberiam identificar a conduta, ou seja, além da habitual fiscalização que as instituições de ensino seriam obrigadas à manter, por ser objeto de lei, e forçá-la à vigiar acerca de condutas que fossem consideradas ilícitas pelo Estado, os próprios pais ou mesmo colegas e amigos poderiam ajudar na fiscalização se a lei estivesse sendo mesmo cumprida.
Assim, utilidade, tal lei com certeza encontraria nos dias de hoje. A norma ajudaria à conter bastante o alto crescimento da violência que hoje em dia cresce à números assombrosos, como podemos acompanhar todos os dias no noticiários a nós teledifundidos. Casos de brigas ao final dos horários das aulas que muitas vezes acontecem em frente à instituição de ensino mesmo, seriam evitadas. O preconceito de diversas naturezas, não encontraria mais espaço em nossas salas de aula, dando espaço à cidadania e ao respeito mútuo, exatamente como deve ser numa sociedade civilizada, solidária e fraterna, como a que pretende ser a sociedade brasileira, de acordo com nossa Constituição. E principalmente não veríamos as vidas tão tenras de nossas crianças serem ceifadas de nossa convivência, em decorrência de tal episódio, seja por terem sido vítimas na hora de tal tragédia ou por terem sido vítimas silenciosas no passado.
Sendo o bullying algo frequente nas escolas brasileiras, pensou-se em criar um projeto de conscientização e combate, porém voltado ao bullying homofóbico, para ser aplicado nas escolas públicas, tendo sido iniciativa do Ministério Público Federal. O projeto educativo encontrou forte resistência pela parte conservadora de ideais cristãos que compõe o corpo legislativo brasileiro. Ao final de tudo, não foi aprovado por ser considerado um projeto tendencioso no sentido de promover a homossexualidade e poder acabar influenciando a orientação sexual de crianças e adolescentes no ambiente escolar.
5. CONCLUSÃO
A partir do estudo acima exposto, podemos concluir que, o bullying, em qualquer uma de suas formas de expressão, geraria severas consequências no que tange a responsabilidade civil. Pode ser classificada como uma responsabilidade civil de caráter objetivo, uma vez que um destes, pais/guardiães legais ou a instituição de ensino responderão pelos atos danosos do aluno em face do prejudicado não havendo a necessidade de se comprovar a culpa qualquer um desses sujeitos responsáveis. O critério que decidirá qual dos sujeitos terá a obrigação de reparar, dependerá de onde ocorreu o fato, se na escola, responsabilidade da instituição; se em casa, por meio virtual ou na rua, em sua vizinhança, responsabilidade dos pais. A apuração dirá, tão somente, sob qual sujeito repousava a obrigação de zelar pelas as atitudes do incapaz e por consequência, tal sujeito será responsabilizado objetivamente por incorrer na culpa in vigilando, que foi a negligência de zelar pelo comportamento do incapaz.
Todavia, não podemos tipificá-la, com esta terminologia, considerando, individualmente, todos os seus pequenos comportamentos como sendo parte da expressão de um assédio maior, designado “bullying”, devido à ausência da previsão de seu termo no Código Civil. O que se pode fazer é deduzir que o legislador anteviu uma conduta análoga ao bullying e quis impedi-la através do artigo 932, inciso IV do Código Civil, haja vista o caráter protetor que o referido diploma legal confere aos estabelecimentos de ensino quando hes entregam a total responsabilidade pelos pupilos ali instalados.
A carência de medidas preventivas auxilia em muito para o crescimento da conduta nas escolas brasileiras e a omissão por parte dos professores, da instituição e em alguns casos, como vistos no trabalho, da própria família contribuem para que as trágicas consequências do bullying acabem assolando jovens de todas as idades, raças, sexos, credos, etnias ou orientações sexuais, gerando adultos inseguros de si mesmos e problemáticos, donde parte dos quadros psicológicos gerados não farão mal somente ao indivíduo, mas poderão vir a atingir a sociedade como um todo, dependendo do distúrbio que tiver se instalado na mente da vítima. Ou seja, temos tanto um suicida, como um homicida em potencial, sendo impossível prever para qual desses rumos, ou suas variações, a mente humana fustigada irá descambar.
A omissão por parte de qualquer um dos sujeitos responsáveis poderia agravar a obrigação de responder, não fosse essa responsabilidade um caso de responsabilidade objetiva. Todavia, mesmo a impossibilidade de agravar a situação, provando dolo ou culpa no ato, tecnicamente falando, não torna tal omissão menos imoral se levarmos em conta a confiança dos pais ao deixar seus filhos na escola, sem qualquer preocupação, por pressupor que o ambiente escolar seja um dos mais seguros que seus filhos possam frequentar.
A partir da natureza jurídica vemos a necessidade de se haver uma reparação do dano, pois uma vez constatado o dano, há a obrigação de repará-lo, bem como através do estudado no tópico da função da reparação, percebemos que a indenização deve não somente refletir, monetariamente, os danos, tanto patrimoniais como morais, sofridos pelo prejudicado, ou até mesmo a punição que o agressor deve sofrer, mas deve carregar em seu bojo o quão indesejada é, tal conduta, para aquela sociedade, devendo refletir o grau de repudia da sociedade pelo ilícito, o quão severo deverá ser punido um indivíduo que repita tal conduta, não devendo a sanção ser leve, em hipótese alguma, se tal conduta, de fato, for tratada com a seriedade que a problemática demanda.
A amplitude de cearas jurídicas que as consequências do bullying atingirão irá transcender o âmbito civil, indo esticar-se por áreas como a penal, a consumeirista, a constitucional, e ainda trará o ECA para a discussão também, uma vez que estamos tratando de menores, sejam eles agressores ou vítimas. O presente trabalho se focou, entretanto, no estudo das consequências voltadas especificamente para a responsabilidade civil, deixando em aberto muitos outros tópicos, em diversos outros campos do Direito que, futuramente, poderá vir a ser objeto de discussão em outro trabalho acadêmico de pós-graduação ou até tese de mestrado.
Informações Sobre os Autores
Leonardo Gomes de Aquino
Advogado. Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais, pós-graduado em Ciências Jurídico-Processuais e em Ciências Jurídico-Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), e Pós Graduado em Direito Empresarial pela Fadom. Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitári Unieuro. Professor Universitário no IESB, no UniEuro.
Christhiano Rodrigo Vásquez Dantas
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UniEuro
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