JOEL RENNÓ
15 Fevereiro 2015
Livros e filmes eróticos ou que retratam relacionamentos “atípicos” podem mexer com as fantasias de todos nós. Em relação às mulheres, cenas de violência, dominação, submissão sexual, sadomasoquismo ou passividade perante um parceiro viril costumam mexer com o inconsciente coletivo. E isso, a princípio, soa como um paradoxo em um mundo real onde lutamos todos pela igualdade entre os gêneros e pelo fim da discriminação contra as mulheres.
Apesar das conquistas obtidas nas últimas décadas pelos movimentos feministas, algumas fantasias são prevalentes no imaginário das mulheres- e isso segundo relatos das mesmas. Mas, fantasiar pode e não há restrições correto?
Independente da qualidade da Obra “cinquentas tons de cinza”, alvos de várias polêmicas e controvérsias, não observo que o primor ou, pelo lado oposto, a superficialidade ou vulgaridade do livro sejam preponderantes para o sucesso estrondoso do mesmo. Não é apenas o sucesso de público que atesta ou comprova a qualidade de uma determinada obra.
Mulheres bem sucedidas, liberais e vencedoras, além de totalmente independentes, relatam que possuem fantasias nas quais elas são subjugadas por um macho alfa, sedutor, bonito e acima de tudo milionário. Chegam até a relatar uma diminuição da libido quando seus “machos alfas” perdem o seu poder, status, beleza ou dinheiro. Vale a pena uma relação projetada apenas nesses valores?
O problema é quando a imagem projetada do príncipe encantado não se confirma com a realidade do dia a dia e o sofrimento ou decepção se iniciam. Não acredito que pessoas com traços de personalidade obscuros e fixados apenas em rituais sadomasoquistas possam mudar mesmo perante os encantos de uma donzela ingênua e romântica.
Presencio vários casais com relações tórridas na cama que no dia a dia praticamente se matam e destroem suas famílias em um convívio doentio. Relacionamento sexual satisfatório por si só (embora importante) não é capaz de sustentar um relacionamento sólido se paralelamente não houver compromisso, cumplicidade e respeito às diferenças individuais.
Confesso que o livro ou o filme, até involuntariamente, podem reforçar a temática do autoritarismo do sexo masculino na relação, com algumas cenas onde não há carinho explícito e sim dominação e submissão aos caprichos e desejos do outro.
Acho muito difícil que pessoas de universos tão diferentes possam ter uma relação estável e duradoura. Podemos, como seres humanos, mudar até um determinado limite sem que isso signifique ceder a aspectos doentios do(a) outro(a).
Muitas pessoas apaixonadas podem mergulhar no universo doentio ou particular do outro e esse mergulho pode ter resultados extasiantes no início e catastróficos para a relação no longo prazo- salvo se os dois tiverem as mesmas afinidades ou interesses desde o início. Durante o período curto da paixão tudo vale, mas após o fim dessa obsessão enebriante e sedutora tudo pode se tornar doloroso.
Portanto, no mundo da fantasia feminina vale tudo inclusive a dominação violenta por parte de seu macho alfa. Ninguém se fere fantasiando ou imaginando- ainda mais com tantas descrições de sexo feitas de forma voluptuosa pela autora do livro. Agora, no dia a dia, pelo relato de minhas pacientes, isso não tem sustentado relações duradouras e estáveis que possam construir uma história de compartilhamento solidário entre o casal.
Não é difícil estimarmos, enfim, em uma sociedade repleta de regras e condutas politicamente corretas, que as transgressões, sórdidas ou não, possam fazer parte das fantasias femininas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário