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sábado, 23 de janeiro de 2016

Deus é pai mas tem problemas com a filha em comédia de diretor ateu

'O Novíssimo Testamento', do cineasta Jaco van Dormael, sugere que o Criador vive na Bélgica e não está de bom humor

RUAN DE SOUSA GABRIEL
21/01/2016
Deus não é brasileiro nem se parece com Antônio Fagundes.Segundo o cineasta belga Jaco van Dormael, Deus existe e vive em Bruxelas, que foi criada antes do Jardim do Éden. No princípio, havia Bruxelas, que era habitada por tigres, galinhas e toda a sorte de animais domésticos e selváticos. Entediado, Deus resolveu criar Adão e Eva a sua imagem e semelhança. Deus também tem mulher (submissa como a Bíblia manda) e uma filha de dez anos de idade, Ea, que não alcançou a celebridade mundial de seu irmão mais velho, JC. O primogênito (não unigênito) de Deus rebelou-se contra a tirania do Pai (que está aborrecido desde antes da fundação do mundo), foi embora de casa, arrumou 12 discípulos e publicou (postumamente) o Novo Testamento. O Deus de Dormael passa o dia trancado num escritório escuro, brincando com o destino da humanidade num computador ultrapassado e formulando regras universais, como a que obriga as torradas a sempre caírem com a geleia para baixo e a fila do lado a ser sempre mais rápida. Esse Deus enfezado, que usa sandálias com meia, tem sempre um cigarro entre os dedos e um aparente problema com a bebida, aparece encarnado em O Novíssimo Testamento, o filme de Dormael que estreia nesta quinta-feira (21).
Benoît Poelvoorde como Deus em O novíssimo testamento. O Criador já estava aborrecido antes da fundação do mundo (Foto: Divulgação)





















Em O Novíssimo Testamento, o Verbo divino encarnou no ator belga Benoît Poelvoorde. A Bíblia não traz nenhuma descrição do Criador (a tradição judaica proíbe qualquer representação imagética de Deus), o que deixou os profissionais da indústria cinematográfica livres para escalar atores a interpretar o Senhor dos Exércitos: Morgan Freeman, Whoopi Goldberg, Alanis Morissette, Val Kilmer, Antônio Fagundes... O que Dormael encontrou nos autores bíblicos foram boas sugestões de como seria o humor divino – que nunca foi dos melhores. Grande parte do filme trata de como Ea (Pili Groyne) lida com o mau humor do pai e encontra o próprio rumo.
De Bruxelas, a nova cidade celestial, Dormael conversou com ÉPOCA.
ÉPOCA – Por que Deus vive em Bruxelas, e com uma filha?
Jaco Van Dormael –
 A primeira ideia foi essa: Deus existe e mora em Bruxelas – não em Veneza, Nova York ou qualquer cidade bonita, mas na cidade em que eu vivo, que é cinza, chuvosa e onde ninguém quer morar. Depois, veio uma ideia mais interessante: Deus tem uma esposa e uma filha das quais ninguém fala. Fui criado como católico e, quando criança, sempre ficava surpreso por as mulheres falarem tão pouco na Bíblia, que é uma história em que só os homens falam.  Na vida real, as mulheres falam, têm ideias e se rebelam. Ao incluir mulheres entre os novos apóstolos, foi possível criar histórias de amor.
Jaco van Dormael (Foto: Divulgação)










ÉPOCA – A humanidade precisa de um “Novíssimo Testamento”?
Dormael – 
É uma comédia, um conto de fadas sobre como a vida pode ser mais divertida. É um filme mais sobre poder do que sobre religião. É sobre o poder da religião, o domínio do homem na família, na sociedade e na política. O poder patriarcal que devemos temer e obedecer – ou haverá punições. E a filha de Deus, que tem dez anos, diz que não é preciso ter medo, que podemos fazer da vida o que quisermos. O Novíssimo Testamento é sobre como não precisamos ter medo e podemos viver a vida de uma maneira diferente, não de acordo com o catálogo. Eu acredito que a humanidade é muito boa em colocar a si mesma em prisões e imaginar que a vida é pequena.
ÉPOCA – No Gênesis, descobrir que vão morrer é uma punição a Adão e Eva. Em O Novíssimo Testamento, as pessoas experimentam um novo tipo de liberdade quando sabem algo sobre a própria morte.
Dormael – 
Quando as pessoas sabem que vão morrer logo, a vida fica diferente. Cada minuto se torna precioso. Em certo sentido, o filme nos pergunta o que estamos fazendo com a nossa vida, porque talvez não nos demos conta de que somos mortais. Eu sou como os personagens do filme. Na maior parte do tempo, esqueço que sou mortal e gasto muito tempo em coisas que não são divertidas. É bom lembrar que somos mortais e que a vida é agora.
ÉPOCA – No filme, as coisas mudam e melhoram depois que a filha e a esposa de Deus começam a se mexer. Seria melhor que Deus fosse mulher?
Dormael – Não sei se seria melhor, mas seria diferente. Na maioria das religiões, Deus é masculino. As histórias e os personagens religiosos são homens. É engraçado imaginar o que seria diferente se Deus fosse mulher. Tenho filhos e sempre que eles caem, eles chamam pela mãe, nunca pelo pai. Por isso, imagino que, talvez, um dia, Deus foi mulher, mas os homens tomaram o poder e o transformaram num homem. Mas, na verdade, foi essa Deusa que criou todas as coisas.
ÉPOCA – O senhor acredita em Deus?
Dormael –
 Não acredito em Deus. Se acreditasse, acho que seria muito difícil fazer esse filme. Acreditar em Deus fortalece algumas pessoas. Mas o que me fortalece é não crer. Creio na dúvida. Gosto das perguntas, não acredito nas respostas. Os meus filmes fazem perguntas, mas nunca dão respostas. A religião e o cinema têm uma coisa em comum: ambos tentam nos fazer acreditar que a vida tem sentido. Os meus filmes dizem que a vida pode não ter sentido, mas é boa.

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