Sexta-feira, 22/01/2016, por Yvonne Maggie
Há vinte e dois anos, Carl Sagan – cientista, astrofísico, astrônomo, cosmólogo, escritor e divulgador científico – escreveu o livro "Pálido ponto azul", no qual relata que, em 1990, a Nasa programou a nave Voyager 1 para que tirasse fotos dos planetas pelos quais passasse. Esta sonda espacial norte-americana, lançada em 1977 para estudar Júpiter e Saturno, foi a primeira nave a chegar ao espaço interestelar e continua enviando dados.
Utilizando as fotos, a Nasa fez um mosaico do sistema solar com cerca de sessenta imagens de alta precisão. Uma delas é a da Terra, a 6,4 bilhões de quilômetros de distância, mostrada como um “pálido ponto azul”. Esta foto inspirou o cientista a escrever o texto que ficou famoso com sua própria narração no filme Pálido ponto azul.
Por força da minha formação acadêmica sempre considero o mundo em que vivemos sem pensar a dimensão cósmica. Imersa em tentativas de explicação e de descrição dos fenômenos rotineiros da vida, muitas vezes sou consumida pela depressão. Agora, que devo escrever semanalmente sobre um tema de minha escolha, não é raro andar pela casa taciturna. Hoje, vendo-me assim triste sem coragem de tocar nas nossas milhões de chagas humanas em um mundo consumido pelo terror, pelos ódios, pelas disputas mesquinhas, pela corrupção dos políticos, pela crise econômica, pelas iniquidades brasileiras, Luiz Alphonsus, meu companheiro, me lembrou do filme e do texto de Carl Sagan fazendo-me pensar na dimensão do pálido ponto azul. A terra vista por este prisma é uma poeira minúscula, mas é a nossa casa, como diz Carl Sagan:
“Olhem de novo para o ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas. Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, “superastros”, “lideres supremos”, todos os santos e pecadores da historia da nossa espécie, ali – num grão de poeira suspenso num raio de sol. A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração desse ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes de um canto desse pixel contra os habitantes mal distinguíveis de algum outro canto, em seus frequentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes. Nossas atitudes, nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, tudo é posto em dúvida por esse ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, em meio a toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos. A Terra é, até agora, o único mundo conhecido que abriga a vida. Não há nenhum outro lugar, ao menos no futuro próximo, para onde nossa espécie possa migrar. Visitar, sim. Goste-se ou não, no momento a Terra é o nosso posto. Tem-se dito que a astronomia é uma experiência que forma o caráter e ensina humildade. Talvez não exista melhor comprovação da loucura das vaidades humanas do que esta distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservarmos e amarmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos.”
É sempre bom relativizar o drama humano, sobretudo em tempos em que a inteligência parece ter abandonado o planeta.
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