ÉPOCA se infiltrou no universo desconhecido em que jovens promovem ataques racistas e homofóbicos em busca da fama no Facebook
ALINE RIBEIRO E BRUNO FERRARI
22/01/2016
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Não eram nem 9 horas e Cesar já voltara para casa depois de envernizar o balcão de um bar, bico que lhe rendeu R$ 200 naquela manhã de dezembro. Entrou no imóvel de reboco aparente, na periferia de Sorocaba, interior de São Paulo, deu uma última olhada no Facebook e seguiu para o banho a fim de se desfazer do cheiro forte de óleo e resina. O quarto de Cesar é um refúgio privilegiado – “muito ajeitado”, nas palavras dele. Há uma cama box, videogame de última geração e até televisão full HD de 51 polegadas. Nada mau para os padrões da vizinhança. Ao ir para o banho e passar perto da janela da sala, estacou. “Mãos pra cima”, gritou o policial na rua, com a arma engatilhada na direção dele. Paralisado com o susto, Cesar não conseguiu raciocinar. Seus irmãos mais novos dormiam no sofá e acordaram num sobressalto. Com a ajuda de seis policiais e quatro promotores, o visitante inesperado revistou o quarto de Cesar, apreendeu seu notebook e seu celular. Só mais tarde, a bordo de uma viatura policial a caminho de um depoimento, o jovem de 27 anos descobriu o que o colocara naquela situação.
Cesar é um dos investigados pelos ataques racistas, em julho do ano passado, ao Facebook da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, do Jornal Nacional, da TV Globo. Ele administrava o hoje extinto Boring, um grupo do Facebook suspeito de ter orquestrado o crime. Trata-se de uma das dezenas de gangues virtuais que rivalizam entre si no submundo da internet – um universo belicoso em que o poder é medido pelo acúmulo de curtidas e comentários nas publicações do Facebook. A trolagem – jargão da internet para a publicação de conteúdos de humor, em geral depreciativos – é a munição usada por eles. Os grupos (um dos maiores deles chega a 65 mil usuários) se estruturam seguindo uma hierarquia militar. Um administrador equivale a um general; o restante dos membros, a soldados que devem obedecer a ordens. São comunidades fechadas. Para entrar, é necessária a autorização de um administrador ou um convite de quem já participa delas. “O Facebook virou um campo de batalha”, disse Cesar a ÉPOCA. “Os grupos fazem de tudo para ganhar fama, até mesmo cometer crimes.” Por trás dos ataques, estão jovens de classe média baixa, em geral menores de idade – a maioria com pouquíssimo traquejo social.
Ao longo do último mês, ÉPOCA conversou longamente com dezenas de participantes e organizadores desses grupos, além de se infiltrar nessas comunidades fechadas com um perfil falso. Encontrou ali uma terra sem lei, desconhecida para grande parte dos 99 milhões de usuários do Facebook no Brasil. Num rápido passeio virtual, não é difícil encontrar conteúdos ilegais dos mais variados tipos – de racismo e xenofobia até pornografia infantil. As imagens de adolescentes nuas são como troféus que garantem status a seus detentores. Funciona assim: um jovem que consegue um vídeo de uma menina sem roupa tira uma foto de um trecho que não exiba as partes íntimas. Ao publicá-lo, sugere um desafio como: “Se chegar a 700 curtidas, eu ‘explano’”, diz. “Explanar”, na gíria deles, é divulgar o vídeo na íntegra. Esse tipo de publicação gera engajamento e alça seus autores ao posto de líderes.
Época
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