Página do Facebook reúne depoimentos de alunas assediadas por professores, diretores e outros funcionários de instituições de ensino
THAIS PAIVA
“Durante 2 anos eu fui aluna de um mesmo professor. A princípio, eu achava que ele simpatizava comigo por minhas repetidas notas boas na disciplina dele ou porque ele me considerava como uma “filha”, afinal era 30 anos mais velho. (…) Até o momento que eu pedi ajuda em um laboratório, e ele pediu pra eu sentar no colo dele. Foi horrível. Foi ali que a ficha caiu”. O assédio sofrido por uma estudante de 17 anos, de João Pessoa (PB), é apenas um dos muitos casos de abuso que agora ganham visibilidade graças à página do Facebook “Eu tinha um professor que…”, no ar desde outubro.
Com cerca de 8 mil curtidas, a iniciativa reúne relatos de alunas que foram assediadas por seus professores, coordenadores, diretores e funcionários dentro ou fora das instituições de ensino – ocorrências que infelizmente se mostram corriqueiras apesar da tentativa das escolas em abafá-las. “Podemos afirmar que a maioria das meninas já passou ou viu alguma amiga passar por situações de constrangimento, desde comentários sobre seus corpos em desenvolvimento às perseguições constantes”, explica a própria página em texto de apresentação.
Os relatos ali reunidos comprovam esse fato. De piadinhas sexuais aparentemente inofensivas, mas que constrangem e traumatizam, a ocorrências de estupros, o canal vem mostrando como a questão do assédio sexual é comum, séria e, portanto, precisa ser debatida dentro do espaço escolar.
A ideia de criar a página surgiu a partir de uma discussão casual entre amigas que estudaram no mesmo colégio. “Estávamos comentando “o professor tal faz tal coisa…” e assim por diante e a gente percebeu que todas nós tínhamos vivido ou ouvido histórias parecidas de assédio. Começamos a discutir isso nas redes sociais e percebemos que essa situação era recorrente. Desta constatação, vimos que tínhamos que fazer algo”, explica uma das administradoras, que preferiu não se identificar por já ter recebido ameaças após a criação do canal que é administrado por seis estudantes – uma cursando o Ensino Médio e as demais, o Ensino Superior.
Justamente com a finalidade de garantir a segurança das vítimas, todo os depoimentos são publicados de forma anônima. Os relatos podem ser enviados por mensagem por meio da página do Facebook e também por meio de um formulário do Google. “A página foi ao ar alguns dias antes da hashtag #meuprimeiroassedio, o que foi uma coincidência enorme. Inclusive, a gente acha que um dos fatores da página ter crescido muito e tão rápido foi porque toda essa temática coincidiu em aparecer nas redes em uma mesma época”, conta a idealizadora.
A campanha #meuprimeiroassedio, lançada pelo grupo Think Olga, também responsável pela campanha Chega de Fiu-Fiu, escancarou como a infância de milhões de meninas no Brasil foi atravessada pela humilhação ou violência sexual. Foram cerca de 80 mil tweets narrando episódios lastimáveis de abusos cometidos por homens mais velhos a crianças e a adolescentes. Algumas semanas depois, foi a vez da hashtag #meuamigosecreto tomar conta das redes ao trazer depoimentos de mulheres assediadas por namorados, chefes, amigos, parentes, entre outros.
No caso da página “Eu tinha um professor que…”, à medida que os depoimentos foram chegando, para além dos assédios sexuais, episódios de preconceito em colégios, cursinhos e afins também se tornaram evidentes. “O foco principal é o assédio sexual, mas recebemos histórias que tem também denúncias de humilhações, racismo, homofobia, da menina ser perseguida com a namorada no colégio. Na verdade, qualquer tipo de abuso ou violência a gente tenta relatar”, conta a administradora.
A proposta é, além de criar um canal de denúncia, mostrar para as estudantes como elas não estão sozinhas e assim quebrar o tabu e dar visibilidade para o assunto. “É preciso que esses casos deixem de ser uma coisa oculta, porque só a partir daí você pode tomar uma atitude”.
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