O papel das mulheres
De Bruno Carmelo
O início deste drama é bastante promissor: na confusão de um casamento tradicional muçulmano, uma jovem garota turca está perdida entre dezenas de convidados, incapaz de identificar o futuro marido na multidão. Os noivos não se conhecem, olham-se com estranheza, deixando claro o desconforto das duas partes. Sem precisar de explicações, a cena apresenta o conflito do casamento forçado, e das regras morais e religiosas impostas às sociedades islâmicas tradicionais.
Logo, uma surpresa: a jovem Ayse (Begüm Akkaya, toda em delicadeza) descobre que não será a esposa do rapaz com quem se casa, e sim do pai dele. Ela foi escolhida secretamente como segunda esposa, responsável de cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos caso a primeira esposa, doente, venha a falecer. O diretor Umut Dag parece criticar a hipocrisia das configurações familiares, fazendo da pequena casa um vespeiro em que todos guardam rancores uns dos outros, sendo obrigados a se cruzar nos estreitos corredores e nos mesmos cômodos. A sensação de paranoia é bem construída: não existe intimidade nem privacidade, sempre existe alguém espreitando pela porta, ou ouvindo a conversa no quarto ao lado.
Seria este um filme feminista? Um questionamento da função doméstica atribuída às mulheres, e aos poderes abusivos entregues aos homens nas sociedades patriarcais? Embora aponte inicialmente para este caminho corajoso, A Segunda Esposa logo abandona os discursos políticos para privilegiar as regras do melodrama. Em cerca de 90 minutos, a narrativa inclui mais mortes, doenças, segredos de sexualidades reprimidas, violência doméstica, amores não correspondidos e outras mazelas. Chora-se muito, grita-se muito, bate-se com frequência. As disputas são acompanhadas por uma câmera ágil, sempre disposta a deslizar de um rosto ao outro durante as brigas.
De Bruno Carmelo
O início deste drama é bastante promissor: na confusão de um casamento tradicional muçulmano, uma jovem garota turca está perdida entre dezenas de convidados, incapaz de identificar o futuro marido na multidão. Os noivos não se conhecem, olham-se com estranheza, deixando claro o desconforto das duas partes. Sem precisar de explicações, a cena apresenta o conflito do casamento forçado, e das regras morais e religiosas impostas às sociedades islâmicas tradicionais.
Logo, uma surpresa: a jovem Ayse (Begüm Akkaya, toda em delicadeza) descobre que não será a esposa do rapaz com quem se casa, e sim do pai dele. Ela foi escolhida secretamente como segunda esposa, responsável de cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos caso a primeira esposa, doente, venha a falecer. O diretor Umut Dag parece criticar a hipocrisia das configurações familiares, fazendo da pequena casa um vespeiro em que todos guardam rancores uns dos outros, sendo obrigados a se cruzar nos estreitos corredores e nos mesmos cômodos. A sensação de paranoia é bem construída: não existe intimidade nem privacidade, sempre existe alguém espreitando pela porta, ou ouvindo a conversa no quarto ao lado.
Seria este um filme feminista? Um questionamento da função doméstica atribuída às mulheres, e aos poderes abusivos entregues aos homens nas sociedades patriarcais? Embora aponte inicialmente para este caminho corajoso, A Segunda Esposa logo abandona os discursos políticos para privilegiar as regras do melodrama. Em cerca de 90 minutos, a narrativa inclui mais mortes, doenças, segredos de sexualidades reprimidas, violência doméstica, amores não correspondidos e outras mazelas. Chora-se muito, grita-se muito, bate-se com frequência. As disputas são acompanhadas por uma câmera ágil, sempre disposta a deslizar de um rosto ao outro durante as brigas.
O elemento curioso neste festival catártico é a ausência de ponto de vista. O filme parecia seguir com compaixão o destino de Ayse, mas logo a abandona dentro da casa, tratando-a com o mesmo descaso atribuído pelos outros personagens. Por vezes, parece que a personagem principal é a primeira esposa (Nihal Koldas), vigilante das regras religiosas, e em certo momento, o drama pessoal do filho (Murathan Muslu) toma a cena. As numerosas reviravoltas são tratadas com tamanho maniqueísmo que a história se assemelha perigosamente ao conto de Cinderela, com direito à jovem princesa sonhadora, às irmãs malvadas e à madrasta perversa.
Umut Dag parece insistir que todos esses pontos de vista e atitudes se valem, possuindo o mesmo peso e o mesmo direito. Nasce uma incômoda sensação de conformismo, de que todas as manipulações são toleráveis, contanto que a família permaneça unida. De acordo com esta lógica, os fins justificam os meios. A Segunda Esposa tenta purificar as dores pela catarse, mas no fim da festa, lembra que o importante é respirar fundo, aguentar a violência doméstica e sorrir no dia seguinte. Partindo de uma premissa ousada, o filme acalma seus impulsos libertários, troca a razão pela emoção e defende a importância da família em detrimento do indivíduo.
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