Roberto Dalmo
Professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), pesquisador de Educação e Direitos Humanos
Professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), pesquisador de Educação e Direitos Humanos
21/01/2016
Tudo ocorreu na cidade que adotei com o coração, Araguaína - Tocantins, onde uma menina de 14 anos sofreu uma tentativa de estupro por parte de seu pai para aprender "a virar mulher".
O caso está sendo investigado pela polícia e corre em segredo de justiça. O crime teria acontecido depois que o homem descobriu o relacionamento homoafetivo da filha.
Essa mentalidade ignorante está presente na realidade e não é de hoje. Quem nunca ouviu falar do Pai que levou o filho "afeminado" no prostíbulo para que "virasse homem" ou do deputado que disse "ter filho gay é falta de porrada"?
O que impressiona não é a divulgação do caso por ser único, mas por estar presente no cotidiano de muitas pessoas só que sem a devida divulgação.O que falta para ampliarmos nossa capacidade de indignação com uma situação como essa?
Com a intenção de dar voz aos que se indignam com o caso em Araguaína trouxe duas entrevistas. A primeira com Fernando Vieira, membro da comunidade LGBT e professor do Estado. A segunda com o professor Doutor Plábio Desidério, coordenador do programa de Mestrado em Cultura e território da UFT-Araguaína.
O que uma situação como essa diz sobre a nossa sociedade?
Fernando Vieira: Realmente estamos vivendo em extrema vulnerabilidade. Um fato como esse evidencia nossa incapacidade enquanto Estado e sociedade em detectar os "sinais" da violência... Alguns colegas de classe da menina repararam no comportamento violento e perseguidor do pai dela na escola e fora dela. Meu pensamento enquanto LGBT é de que precisamos nos organizar! Estamos desmobilizados no Tocantins enquanto seguimento que possa fazer enfrentamento e interlocução com os órgãos e gestores - o plano Estadual LGBT foi barrado na Assembléia Legislativa pela bancada conservadora- religiosa. Em um caso como esse o IBRAT-To, apesar de ser um núcleo que responde pelas demandas dos Homens Transexuais do Estado, está empenhado em acompanhar o caso ajudando inclusive juridicamente a menina e sua namorada no que for necessário, isso acontece justamente pela ausência de uma ONG/ OSCIP que responda pela demanda das lésbicas e gays aqui no Estado.
E o seu sentimento diante dessa situação enquanto professor?
Enquanto professor me sinto bastante frustrado de saber que há falhas - principalmente na orientação educacional que é o setor responsável por apurar esses casos. Há relatos que a responsável pela orientação da escola foi instruída pelo pai a coibir qualquer expressão de afetividade entre as meninas dentro da escola... A educação básica também é carente de promoção de atividades que promovam debates em torno das pautas das minorias no que tange o preconceito e a discriminação externalizadas através de bullying e a invisibilidade... Além disso muitos docentes não tratam essas questões - ou por não terem formação ou por puro comodismo e também é possível destacar, ainda, pelo seu preconceito.
Estas temáticas são consideradas por muitos docentes como desnecessárias, complexas demais e ainda de responsabilidade da família. É um discurso ecoado pela bancada da bíblia a nível nacional que a gente ver nas escolas de forma latente. Ainda tem gente que pelo fato da minha aluna estar em relacionamento homoafetivo sua denuncia não ser "confiável" e ainda "ser birra de adolescente" "má influência de certas amizades".
Como você percebe a notícia ecoando nas redes sociais?
[FV] Está havendo muitos comentários nas redes sociais deste tipo, mas, felizmente a maioria das pessoas repudiaram o fato da tentativa de estupro se tratando de lesbofobia. Eu penso que esse "pai" é um doente pedófilo, pois sua filha tem 14 anos e, além disso é muito machista e homo/lesbofóbico pelos relatos da namorada em que dizia que ela estava "acabando" com sua família e que ela seria a responsável pela orientação sexual da filha.
Enfim... Meu sentimento de indignação é constante desde que fui procurado pela namorada para ajudá-la, pois ela não sabia o que fazer. Tentaram impedi-la de ver a menina na casa de acolhimento - que por sinal é ligada a uma igreja evangélica, mas, nos fomos em busca dos direitos dela e resguardamos a visita.
Volto a dizer: indignação é meu sentimento constante.
Segundo o professor Plábio Desidério este acontecimento não é um fato isolado:
Professor, como você percebe esse ato do pai da menina?
Plábio Desidério: Esse caso que ocorreu não é um fato isolado. Está inserido numa luta cultural para que as minorias (no sentido sociológico e não estatístico) consigam ter seus direitos atendidos e respeitados. Moralismos sobre o acontecimento não contribuem para compreendê-lo e até mesmo superar essas práticas de violência. O pai possivelmente não possui distúrbio mental, ou é um psicopata. Deve ter agido por algo que se espalha em nossa sociedade: a intolerância e, por conseguinte, o ódio ao diferente.
E a que você atribui esse ódio ao diferente?
A modernidade como projeto filosófico e político, mais do que qualquer época e sociedade da história humana se propôs a padronizar comportamentos e silenciar quem fosse diferente a norma. No Brasil atual isso está se tornando como um dogma para muitos grupos. Representantes do fundamentalismo religioso, especificamente cristão, de uma extrema-direita quase proto-fascista insistem em silenciar o direito das minorias e usam discursos de ódio procurando alertar a sociedade com mensagens apocalípticas. Esses discursos se alastram e conseguem mobilizar sujeitos como do fato ocorrido na cidade de Araguaína.
Por isso que esse acontecimento não é isolado e está sendo travado numa luta, cujos desprotegidos de direitos são as maiores vítimas. Quantos homossexuais sofrem violência por ano no Brasil? A homofobia deveria ser criminalizada, mas também uma ampla participação do Estado, de entidades civis para produzir um ambiente de respeito, tolerância e convivência na diversidade.
Por esses e outros casos torna-se urgente na Educação os estudos de Gênero, incluindo um amplo debate sobre sexualidade e homo-lesbo-bi-transfobia. É urgente que esses temas sejam abordados sem dogmas, com competência e uma centralidade no Ser Humano. Para isso é necessário um amplo investimento em políticas públicas de combate à homofobia e formação de professores.
É fundamental compreender o ocorrido, com olhar de indignação (não resignação), divulgar e batalhar para que não ocorra nunca mais.
*O termo "mulher" está associado ao gênero, já o termo "lésbica" está associado à orientação sexual. Esse junção dos termos, mesmo elencando categorias diferentes foi proposital, - assim como a categorização da menina enquanto lésbica. Sabemos que a menina de 14 anos está com sua sexualidade em formação e só podemos afirmar que ela estava em um relacionamento homoafetivo. Essas escolhas foram feitas para representar, no título da matéria, o senso comum.
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