Em livro, sociólogo Diogo Lyra descortina a vida e dá voz aos jovens vinculados ao crime em comunidades do Rio de Janeiro
TORY OLIVEIRA
TORY OLIVEIRA
Eles são jovens oriundos da classe média baixa, com idade entre 14 e 18 anos, filhos de pedreiros, domésticas, motoristas e enfermeiros. Muitos têm computador em casa e a maioria acessava regularmente a internet.
Grande parte vem de famílias estáveis, com pai e mãe, e já teve uma ocupação informal: eram engraxates, garçons, cobradores e carregadores. Sua trajetória escolar é breve: 62% interromperam os estudos antes do 6º ano do Ensino Fundamental. Apesar disso, a maioria guarda uma lembrança positiva da escola.
Todos, em algum momento da adolescência, entraram no crime e cumpriram medida socioeducativa no Centro de Recurso Integrado de Atendimento ao Menor (Criam) no Rio de Janeiro.
Esse é o retrato dos 29 jovens, em conflito com a lei, ouvidos pelo sociólogo Diogo Lyra para a elaboração do livro A República dos Meninos: Juventude, tráfico e virtude, lançado pela Editora Mauad X com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
A pesquisa de doutorado que deu origem ao livro nasceu da percepção de que as explicações presentes na mídia, na academia e no senso comum sobre esses jovens não davam conta da realidade complexa em que eles viviam.
De forma geral, concentravam-se na questão da violência e consideravam os adolescentes envolvidos em atividades criminosas como desprovidos dos valores comuns à sociedade.
“É surpreendente que em cem anos jamais se tenha produzido um material que perguntasse aos jovens sobre eles mesmos, sobre os sentidos da sua própria existência”, questiona Diogo, pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ.
Ao dar voz aos adolescentes em conflito com a lei, a pesquisa descortina algumas questões, como a entrada para o mundo do crime e a relação dos garotos com a escola. “São jovens que buscam como podem sua autonomia e independência”, explica o sociólogo.
A inserção no tráfico de drogas costuma ser vista por eles como parte do processo de independência e de inscrição simbólica no mundo dos adultos. A atividade também é vista como um trabalho regular e muitos exercem a ocupação no tráfico de maneira paralela ao estudo. “Muitos estudam de manhã, traficam à tarde e assaltam à noite”, conta Lyra.
A escola aparece como uma questão central para os garotos entrevistados pelo sociólogo, em geral moradores de comunidades da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. A instituição é vista como um local mediador entre o mundo “de fora” e a comunidade onde vivem.
“É como um tempo da pureza e da vida normal, esse é o termo usado, em que eles se referiam a si mesmos como crianças”, conta Lyra. Muitos relatavam também boas lembranças dos professores do 1º ciclo do Fundamental. “A partir do 5º ano, o contexto muda, a relação com o professor é mais superficial e as relações socioeconômicas são mais ressaltadas. Por isso, talvez, a escola se torne menos atraente”, analisa.
Apesar da ênfase em geral positiva, muitos guardam episódios traumáticos. A escola também é o lugar das contradições sociais e da reprodução dos preconceitos. “São questões complexas, que têm vários lados”.
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