Um estudo mostra como uma atividade proibida foi transformada em mercadoria
por Thomaz Wood Jr. — publicado 18/01/2016
por Thomaz Wood Jr. — publicado 18/01/2016
Michel Foucault (1926-1984) foi um influente pensador francês da segunda metade de século XX. Seus trabalhos envolveram principalmente a relação entre poder e conhecimento e seu uso para fins de controle social.
Desenvolveu também notáveis tomos sobre a questão da sexualidade. Sua vasta obra inclui livros ícones, tais como História da Loucura na Idade Clássica (1961), A Sociedade Punitiva (1973), Microfísica do Poder (1979) e a série História da Sexualidade (1976-1984). Pensador e obra deixaram discípulos em vários continentes.
Ashley Madison não é uma discípula de Foucault. Na verdade, nem sequer se trata de pessoa física. Ashley Madison é na verdade um website que presta serviços para indivíduos casados, porém, interessados em atividades extraconjugais.
Seu slogan é simples e direto: “A vida é curta. Tenha um caso!” Cerca de 30 milhões de consumidores foram convencidos pelo slogan e usaram seus serviços.
Hackers podem ou não ser discípulos de Foucault. Também não se sabe se hackers têm vida sexual. Deduz-se que, se essa existir, deve ser escassa, dado o número de horas que hackers passam diante do computador.
Pois eis que, em julho de 2015, um grupo de hackers, denominado Impact Team, roubou e disponibilizou para quem quisesse ver a impressionante base de usuários do Ashley Madison. Escândalo!
Entre esses 30 milhões de usuários, talvez alguns fossem discípulos de Foucault. Isso não se sabe. Ao contrário dos hackers, há boa chance de esses usuários terem interesse em atividades sexuais, de preferência com as vizinhas, ou vizinhos. O fato é que os tais hackers expuseram os 30 milhões de adúlteros ou potenciais adúlteros.
Com isso, entrou em cena outro grupo, formado por voyeurs amadores e profissionais. Alguns voyeurs talvez tenham lido a História da Sexualidade de Foucault, mas isso não vem ao caso.
Voyeurs são indivíduos que experimentam prazer por terceirização, aquele método criado pelo management para que outros façam o serviço por você.
Thiago Ianatoni Camargo e André Luiz Maranhão de Souza Leão, da Universidade Federal de Pernambuco, são discípulos brasileiros de Foucault.
No artigo “Pague e peque: uma arqueologia do discurso do adultério mercadorizado”, recentemente publicado na Revista de Administração Contemporânea, eles relatam o estudo que conduziram sobre serviços de encontros extraconjugais disponíveis na internet.
Camargo e Souza Leão utilizam o chamado método arqueológico do francês para avaliar como o adultério se transformou em produto.
Emerge da análise um quadro normativo curioso e desconcertante, com regras claras e bem articuladas. Nada de penumbras, encontros fortuitos, romances proibidos, grandes emoções ou corações partidos. O adultério na era da hiperconectividade é um produto como qualquer outro. O novo sistema promove, valida e formaliza a atividade outrora coibida.
O adultério é ao mesmo tempo uma concessão e uma imposição social, voltado para a busca do bem-estar. É regido pela busca da beleza e, naturalmente, pela lógica do mercado. Deve ser consumido com cautela e moderação, evitando-se excessos e dispêndios pecuniários excessivos.
Camargo e Souza Leão identificaram na pesquisa diversos enunciados que podem ser entendidos como princípios norteadores do adultério como mercadoria. Alguns princípios relacionam-se às razões para a procura do prazer.
O adultério decorre da busca por beleza, jovialidade e sensualidade, é consequência da procura por novidades e é licenciado a todos. Outros princípios referem-se às condições para o adultério. O casamento é uma entidade desacreditada, mas o prazer do sexo é uma obrigação, portanto, o adultério é uma atividade louvada e ordinária que demanda, entretanto, prudência e precaução.
Dois princípios revelam que a transformação do adultério em mercadoria parece construída sobre sólidas bases machistas. O primeiro indica que o adultério é uma ação comum dos homens, uma atividade corriqueira de consumo.
O segundo informa que o adultério é um privilégio legado ao homem responsável. Afinal, se for ciente de suas obrigações sociais e familiares, um homem tem o direito de consumar o adultério. O que diria Foucault? Ou Simone de Beauvoir?
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