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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

'Não acredito que haja um futuro se o patriarcado continuar'

Diz-se que os seres humanos destroem o seu entorno mas não é verdade; quem faz isso é o patriarcado capitalista e industrial.

06/01/2016

Izaskun Sánchez Aroca - Periódico Diagonal (via Rebelión)

Acabo de entrevistar a Jane Caputi (Estados Unidos, 1953) e penso que tenho que revisar as leituras e séries de TV que vi em 2015. Ando pela rua e olho mais atentamente a publicidade, as campanhas eleitorais, como as pessoas caminham pela calçada e a velocidade dos carros. Caputi é catedrática de “Estudos sobre Mulheres, Gênero, e Sexualidade  na Universidade da Flórida nos EUA e vem, há décadas, trabalhando em torno do conceito de feminicídio a partir de uma perspectiva semântica e semiótica. Na sua fala, ela vincula a existência de um sistema masculino opressor à normalização da violência cotidiana por meio da simbologia que nos rodeia.

Qual o sentido político de se utilizar um termo como “feminicídio”?

É importante retomar o poder de dar nome às coisas. Todo sistema opressor nega que oprime e elimina qualquer referência a isso na linguagem. Por isso, temos que visibilizar essa violência dos homens contra as mulheres, uma violência que engloba desde o assassinato até a violação e limitação, por parte dos Estados, dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, como, por exemplo, o direito ao aborto e à contracepção. É necessário nomear essa violência que se traduz em uma forma de controle social, num sistema de dominação dos homens sobre as mulheres. Se não o nomeamos, ele se converte em algo nebuloso, desaparece e não podemos lutar contra ele. Quando as coisas têm nome, já não se pode ignorá-las.

Uma das suas grandes linhas de pesquisa tem sido toda a simbologia de dominação masculina no cinema, por meio de filmes como “Uma Linda Mulher” ou figuras como Jack, o Estripador, nas grandes obras de arte e em propagandas de distintas marcas.

Tenho concentrado meus estudos na cultura popular porque é uma fonte de aprendizado. Por meio dos símbolos, interiorizamos muitas coisas, a maioria de forma inconsciente. Isso implica que não temos uma visão crítica sobre o mundo. Parece que a realidade é tal como a vemos, de modo inevitável. Mas por trás de cada símbolo, há muita propaganda, um mundo onde parece que as únicas vidas importantes são as das classes média e alta, um mundo que envia continuamente mensagens da supremacia masculina, do domínio dos homens, da masculinidade. Você é uma mulher boa se é passiva e, por contrário, é uma má mulher se é autônoma ou/e sexualmente ativa. A violência dos homens contra as mulheres está glorificada, sexualizada no cinema, na literatura, na televisão e na arte. Nós, mulheres, vivemos sob um contínuo padrão de terror pois nunca estamos a salvo e isso nos faz mudar nosso comportamento, nos dá medo. Temos interiorizado que podemos ser vítimas da violência machista a qualquer momento e de maneira aleatória; no trabalho, por alguém conhecido ou desconhecido. O terror feminino é continuamente alimentado.

Você fala do direito ao aborto e à contracepção a partir de exemplos de violência. Os Estados, como o espanhol, são cúmplices dos feminicídios?

Esse é um dos argumentos usados pelas feministas. O exemplo mais claro é a negação dos direitos reprodutivos mas há muitos outros. Nos Estados Unidos, muitas mulheres negras são agredidas por seus maridos mas, por serem discriminadas por sua raça pela polícia, não se atrevem a denunciar; assim, estão desprotegidas e não têm o mesmo acesso que uma mulher branca tem aos serviços sociais. Há cumplicidade com esse padrão de dominação masculina. Em outros países, a polícia e os militares reprimem e assassinam ativistas feministas, como no caso do México e da Guatemala. Se tratamos de feminicídio, o Estado deve ser considerado como um ator implicado.

O patriarcado está em decomposição ou há um rearmamento?

Efetivamente, o patriarcado está em decomposição, se sente ameaçado e isso gera mais violência pois a violência não é inata ao homem mas, sim, é produzida pelo papel masculino. Os homens sentem que precisam demonstrar sua virilidade, sobretudo quando se envergonham ou são pressionados, e a maneira de fazê-lo é por meio de atitudes agressivas. Nunca nos livraremos da violência se não mudarmos a noção de masculinidade dominante.

No Caso espanhol, existe há alguns anos um renascimento de grupos de homens machistas organizadas e muito presentes na Internet. Falam de denúncias falsas e de custódia compartilhada, um atitude que alguns partidos políticos como “Cuidadanos” têm acolhido. 

Esses grupos também existem nos Estados Unidos. É um discurso que se forma em torno da ideia de que os homens estão discriminados pelas questões de gênero. A estratégia é bastante previsível. Tenta-se inverter o discurso, virar de ponta cabeça o fato de que os homens oprimem sistematicamente as mulheres. Eles nos dizem “Não, são os homens que, na verdade, estão oprimidos pelas mulheres”. É uma tática de abuso muito comum, um padrão de comportamento bastante típico nos casos de violência. Mudar a história e não examinar o que eles fazem de errado. Os agressores sempre fazem o mesmo, apresentando a si mesmos como vítimas.

Que vínculo você estabelece entre o meio e as violências machistas? 

Até se olharmos as metáforas mais básicas, fala-se do abuso, da violação da Terra. No entanto, a Terra é nosso entorno, o espaço onde vivemos, o que nos sustenta, não podemos viver sem ela. Mas a realidade é que todos os valores vinculados à masculinidade se estendem à natureza, como a vontade de controlar tudo. O homem pensa que pode substituir a Terra, de algum modo. A dominação e a arrogância é algo bastante masculino porque não podem substituir a Terra, não existe outro planeta. Sendo assim, acabar com o patriarcado é realmente uma questão de sobrevivência para todas as pessoas. Diz-se que os seres humanos destroem o seu entorno mas não é verdade; quem faz isso é o patriarcado capitalista e industrial. 

Podemos imaginar um futuro sem patriarcado? 

Claro. De fato, não acredito que haja um futuro se o patriarcado continuar. Porque o patriarcado basicamente consiste em destruir tudo que seja origem da vida. E, além disso, é não é algo que existiu desde sempre, foi inventado faz uns sete mil anos, mas se fez muita propaganda, como se sempre estivesse ali. Por isso essas palavras são muito importantes, não só para nomear o que existe mas também para pensar em coisas novas. Necessitamos de todos esses conceitos e visões para recordarmos que nem sempre vivemos dessa maneira, que podemos colocar outro futuro em funcionamento. Isso também vai depender muito de nossa criatividade.  

Tradução Luiza Ribeiro

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