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sábado, 23 de janeiro de 2016

Mulheres Aprisionadas: as drogas e as dores da privação da liberdade

A dignidade não pode ser concebida apenas onde existe o direito, mas este poderá exercer um papel primordial na sua promoção e proteção, assegurando condições para uma existência digna, com liberdades, autonomias e igualdades. A concepção de direito, como regulador das vivências sociais, também tem seu alicerce na legalidade, como um freio ao arbítrio estatal. Portanto, uma conquista da humanidade. 

Dessa forma, necessária se faz a compreensão da dimensão jurídico-constitucional da dignidade humana. Apesar da complexidade do tema e de seu caráter multidimensional, busca-se compreendê-lo, nos mais diversos conceitos e visões doutrinárias, devido à relevância dessa dimensão para o foco principal deste trabalho, que envolve a mulher no contexto carcerário. 

Diante da temática, duas questões fundamentais se entrecruzam: a vida familiar e os direitos humanos. Pela necessidade interdisciplinar de análise é que se dá esta abordagem ampla, fazendo-se necessária a compreensão da dignidade humana, dos direitos fundamentais, da dogmática penal, da criminologia, da política criminal, da questão carcerária feminina, do contexto social e familiar envolvendo essas mulheres e da situação de vulnerabilidade a que são submetidos os filhos de mães aprisionadas. 

Para tanto, primeiramente, urge compreender o modelo garantista, o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos, temas abordados no primeiro capítulo deste estudo. Entendendo, ainda, a questão democrática e, especialmente, o que é a democracia constitucional. Por isso, o aprofundamento da teoria garantista como foco inicial será explorado, especialmente, nas obras de Luigi Ferrajoli. 

Com o estudo que envolve o garantismo jurídico e que partirá da teoria geral garantista, pautada nos direitos fundamentais, pretende-se demonstrar, no decorrer das diversas abordagens teóricas, que o Direito como sistema de garantias está centrado nos direitos fundamentais, ou seja, o garantismo jurídico consiste na tutela de todos os direitos fundamentais e que representam o alicerce do Estado Democrático de Direito, tanto nas obrigações positivas atribuídas ao Estado, no âmbito social, quanto nas obrigações negativas impostas ao Estado, privilegiando as liberdades dos cidadãos. 

A centralidade do tema que envolve a dignidade da pessoa humana parece continuar sendo reconduzida, conforme a matriz kantiana, na autonomia e no direito de autodeterminação de cada pessoa. O homem não pode ser utilizado por outro homem como um meio ou um instrumento e, sobretudo, não deve respeitar apenas a dignidade do outro, mas a sua própria. A dignidade exige o respeito ao outro, aos deveres de solidariedade e a si mesmo. Dessa forma, é no pensamento de Kant, dentre outros teóricos, que se buscará fundamentar o tema que envolve a dignidade humana. 

Compreender a necessidade de ter consciência de que os direitos humanos não formam apenas um conjunto de regras e que seus conteúdos não foram construídos de uma única vez e, portanto, nada está acabado, é um dos objetivos propostos. Há um caráter de historicidade que deve ser posto em evidência, não se permitindo qualquer visão absoluta em sua conceituação. Nesse contexto, partindo da evolução histórica do Estado, da própria sociedade e do direito é que se formalizam as garantias fundamentais. Busca-se, então, estudar as diversas dimensões que marcaram a evolução do processo de reconhecimento dos direitos fundamentais e que se entrelaçam nesse processo extremamente complexo, dinâmico e permanentemente aberto e mutável, assegurando e melhorando as condições de vida dos cidadãos. 

Para tanto, o garantismo penal, voltado à defesa dos direitos de liberdade, especialmente da liberdade pessoal, se desenvolveu como teoria e como prática jurídica, em oposição à violação de princípios constitucionais e contra o arbítrio punitivo. Seu estudo serve como base para demonstrar as questões do cárcere, das mulheres, das drogas e suas nefastas consequências. 

Outra etapa importante ocorre no segundo capítulo, em que o enfoque será dado às ciências penais e criminológicas, buscando demonstrar que o caminhar orienta-se para um modelo integrado, imposto pela necessidade de um método interdisciplinar e pela unidade do saber científico. Assim, faz-se necessário estudar a dogmática penal, a criminologia e a política criminal como três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes. O tema envolvendo a segurança não pode ser ignorado ou subestimado. Entretanto, são as campanhas alarmistas que agravam os problemas, prejudicando toda e qualquer possibilidade de propostas racionais, propalando a cultura do pânico e fomentando o discurso de defesa social, com promessas de segurança e manutenção da ordem. 

A utilização da pena como única forma de enfrentar a violência não busca, em princípio, qualquer melhoria material, tanto da pessoa afetada, quanto das condições que deram causa ao conflito, preenchendo apenas um efeito simbólico. E o uso do instrumento simbólico, ao mesmo tempo em que desonera o Estado de tarefas assistenciais, fomenta maior intensificação do processo de exclusão social. Os fazeres simples da vida estão impregnados de sensações de medos. Nesse contexto, a cultura do medo reflete-se na crença de que se vive em um momento particularmente perigoso, devido ao aumento da criminalidade violenta, e legitima posturas autoritárias que, de acordo com interesses, são difundidas como capazes de solucionar todas essas mazelas. São questões levantadas nesta pesquisa. 

Inicia-se, ainda no segundo capítulo, o estudo do fenômeno do encarceramento feminino, vinculado aos efeitos jurídico-penais da lei de drogas, para que se possa, ao final, apontar as consequências do aprisionamento no contexto familiar, especialmente na vida dos filhos. 

E, por fim, no terceiro capítulo, orienta-se o estudo para as condutas delitivas que têm aprisionado tantas mulheres nas últimas décadas; para a questão dos direitos fundamentais inerentes à condição de mulher presa; bem como para alguns aspectos do contexto social dessas mulheres, possibilitando direcionar o foco para a família, para os filhos e para as consequências da prisão na vida dessas famílias. 

A realidade prisional feminina não difere, substancialmente, da realidade prisional masculina. Entretanto, alguns aspectos merecem ser tratados com as peculiaridades que os envolvem, como é o caso da necessidade de um local adequado à condição feminina para cumprimento da pena. 

O encarceramento da população brasileira, nas últimas décadas, teve uma expansão preocupante. Entretanto, a expansão do aprisionamento feminino é uma nova realidade. O número de mulheres presas tem aumentado, significativamente, nos últimos anos. Por quê? Quais são os delitos praticados por tais mulheres? Quem são elas? Quais os reflexos familiares, especialmente em relação aos filhos, que podem advir dessa separação compulsória? São alguns questionamentos que precisam ser refletidos com seriedade, sensibilidade e comprometimento. 

Ao ingressar em uma instituição total, como o cárcere, muitas perdas são irreversíveis e, embora alguns papéis possam ser recuperados ou restabelecidos quando do retorno ao convívio social, algumas perdas são irrecuperáveis e dolorosamente sentidas. Dentre elas pode-se destacar o afastamento compulsório do preso de seus familiares. A mãe presa que deixa de acompanhar o crescimento de seus filhos dificilmente terá como retomar as fases diversas da vida da criança. É a ruptura de laços difíceis de retomar. 

Estudar, pois, os direitos fundamentais vinculados à mulher encarcerada, como o direito de cumprir sua pena em estabelecimento distinto, de ser respeitada com dignidade e humanidade, de ter direito à permanência com seus filhos, para assegurar a preservação dos laços maternos, é outro desafio. De suma relevância é compreender a questão familiar, a garantia prioritária dada à criança e ao adolescente nas políticas públicas, o direito à convivência familiar, à solidariedade dessas relações, ao amor e ao afeto. É necessário o compromisso articulado entre família, sociedade e Estado quando o assunto é criança e adolescente. 

Assim, é preciso compreender o contexto que envolve essas questões, para contextualizar quais os bens jurídicos que estão envolvidos, ou seja, por um lado existe a preocupação do Estado com a saúde pública e que o enfrentamento às drogas buscaria resolver; de outro lado está a questão familiar que este Estado também assumiu um compromisso constitucional de proteger. Propõe-se, então, o aprofundamento de tais questões. Leia mais

Marli Canello Modesti: Graduada em Letras pela Fundação de Ensino Superior do Alto Uruguai(Fesau); graduada em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), campus de Chapecó; mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/Minter/Unochapecó); professora do curso de Direito da Unochapecó, nos cursos de graduação e pós- -graduação em Ciências Criminais e no curso de pós-graduação em Direito Penal e Direito Processual Penal da Unoesc,campus de Xanxerê; professora integrante do Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (Pecjur); membro do Conselho da Comunidade de Chapecó; perita criminal do Instituto Geral de Perícias do Estado de Santa Catarina.

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