A dignidade não pode ser concebida apenas onde existe o direito,
mas este poderá exercer um papel primordial na sua promoção e proteção, assegurando condições para uma existência digna, com liberdades,
autonomias e igualdades. A concepção de direito, como regulador das
vivências sociais, também tem seu alicerce na legalidade, como um freio
ao arbítrio estatal. Portanto, uma conquista da humanidade.
Dessa forma, necessária se faz a compreensão da dimensão
jurídico-constitucional da dignidade humana. Apesar da complexidade
do tema e de seu caráter multidimensional, busca-se compreendê-lo,
nos mais diversos conceitos e visões doutrinárias, devido à relevância
dessa dimensão para o foco principal deste trabalho, que envolve a
mulher no contexto carcerário.
Diante da temática, duas questões fundamentais se entrecruzam:
a vida familiar e os direitos humanos. Pela necessidade interdisciplinar
de análise é que se dá esta abordagem ampla, fazendo-se necessária
a compreensão da dignidade humana, dos direitos fundamentais, da
dogmática penal, da criminologia, da política criminal, da questão
carcerária feminina, do contexto social e familiar envolvendo essas mulheres e da situação de vulnerabilidade a que são submetidos os
filhos de mães aprisionadas.
Para tanto, primeiramente, urge compreender o modelo garantista,
o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos, temas
abordados no primeiro capítulo deste estudo. Entendendo, ainda, a
questão democrática e, especialmente, o que é a democracia constitucional.
Por isso, o aprofundamento da teoria garantista como foco
inicial será explorado, especialmente, nas obras de Luigi Ferrajoli.
Com o estudo que envolve o garantismo jurídico e que partirá da
teoria geral garantista, pautada nos direitos fundamentais, pretende-se
demonstrar, no decorrer das diversas abordagens teóricas, que o Direito
como sistema de garantias está centrado nos direitos fundamentais,
ou seja, o garantismo jurídico consiste na tutela de todos os direitos
fundamentais e que representam o alicerce do Estado Democrático
de Direito, tanto nas obrigações positivas atribuídas ao Estado, no
âmbito social, quanto nas obrigações negativas impostas ao Estado,
privilegiando as liberdades dos cidadãos.
A centralidade do tema que envolve a dignidade da pessoa humana
parece continuar sendo reconduzida, conforme a matriz kantiana,
na autonomia e no direito de autodeterminação de cada pessoa. O
homem não pode ser utilizado por outro homem como um meio ou
um instrumento e, sobretudo, não deve respeitar apenas a dignidade
do outro, mas a sua própria. A dignidade exige o respeito ao outro, aos
deveres de solidariedade e a si mesmo. Dessa forma, é no pensamento
de Kant, dentre outros teóricos, que se buscará fundamentar o tema
que envolve a dignidade humana.
Compreender a necessidade de ter consciência de que os direitos
humanos não formam apenas um conjunto de regras e que seus conteúdos
não foram construídos de uma única vez e, portanto, nada está acabado, é um dos objetivos propostos. Há um caráter de historicidade
que deve ser posto em evidência, não se permitindo qualquer visão
absoluta em sua conceituação. Nesse contexto, partindo da evolução
histórica do Estado, da própria sociedade e do direito é que se formalizam
as garantias fundamentais. Busca-se, então, estudar as diversas
dimensões que marcaram a evolução do processo de reconhecimento
dos direitos fundamentais e que se entrelaçam nesse processo extremamente
complexo, dinâmico e permanentemente aberto e mutável,
assegurando e melhorando as condições de vida dos cidadãos.
Para tanto, o garantismo penal, voltado à defesa dos direitos de
liberdade, especialmente da liberdade pessoal, se desenvolveu como
teoria e como prática jurídica, em oposição à violação de princípios
constitucionais e contra o arbítrio punitivo. Seu estudo serve como
base para demonstrar as questões do cárcere, das mulheres, das drogas
e suas nefastas consequências.
Outra etapa importante ocorre no segundo capítulo, em que
o enfoque será dado às ciências penais e criminológicas, buscando
demonstrar que o caminhar orienta-se para um modelo integrado,
imposto pela necessidade de um método interdisciplinar e pela unidade
do saber científico. Assim, faz-se necessário estudar a dogmática penal,
a criminologia e a política criminal como três pilares do sistema das
ciências criminais, inseparáveis e interdependentes. O tema envolvendo
a segurança não pode ser ignorado ou subestimado. Entretanto, são as
campanhas alarmistas que agravam os problemas, prejudicando toda
e qualquer possibilidade de propostas racionais, propalando a cultura
do pânico e fomentando o discurso de defesa social, com promessas
de segurança e manutenção da ordem.
A utilização da pena como única forma de enfrentar a violência
não busca, em princípio, qualquer melhoria material, tanto da pessoa
afetada, quanto das condições que deram causa ao conflito, preenchendo apenas um efeito simbólico. E o uso do instrumento simbólico,
ao mesmo tempo em que desonera o Estado de tarefas assistenciais,
fomenta maior intensificação do processo de exclusão social. Os
fazeres simples da vida estão impregnados de sensações de medos.
Nesse contexto, a cultura do medo reflete-se na crença de que se vive
em um momento particularmente perigoso, devido ao aumento da
criminalidade violenta, e legitima posturas autoritárias que, de acordo
com interesses, são difundidas como capazes de solucionar todas essas
mazelas. São questões levantadas nesta pesquisa.
Inicia-se, ainda no segundo capítulo, o estudo do fenômeno do
encarceramento feminino, vinculado aos efeitos jurídico-penais da
lei de drogas, para que se possa, ao final, apontar as consequências do
aprisionamento no contexto familiar, especialmente na vida dos filhos.
E, por fim, no terceiro capítulo, orienta-se o estudo para as
condutas delitivas que têm aprisionado tantas mulheres nas últimas
décadas; para a questão dos direitos fundamentais inerentes à condição
de mulher presa; bem como para alguns aspectos do contexto social
dessas mulheres, possibilitando direcionar o foco para a família, para
os filhos e para as consequências da prisão na vida dessas famílias.
A realidade prisional feminina não difere, substancialmente, da
realidade prisional masculina. Entretanto, alguns aspectos merecem
ser tratados com as peculiaridades que os envolvem, como é o caso
da necessidade de um local adequado à condição feminina para cumprimento
da pena.
O encarceramento da população brasileira, nas últimas décadas,
teve uma expansão preocupante. Entretanto, a expansão do aprisionamento
feminino é uma nova realidade. O número de mulheres presas
tem aumentado, significativamente, nos últimos anos. Por quê? Quais
são os delitos praticados por tais mulheres? Quem são elas? Quais os reflexos familiares, especialmente em relação aos filhos, que podem
advir dessa separação compulsória? São alguns questionamentos que
precisam ser refletidos com seriedade, sensibilidade e comprometimento.
Ao ingressar em uma instituição total, como o cárcere, muitas
perdas são irreversíveis e, embora alguns papéis possam ser recuperados
ou restabelecidos quando do retorno ao convívio social, algumas
perdas são irrecuperáveis e dolorosamente sentidas. Dentre elas pode-se destacar o afastamento compulsório do preso de seus familiares.
A mãe presa que deixa de acompanhar o crescimento de seus filhos
dificilmente terá como retomar as fases diversas da vida da criança. É
a ruptura de laços difíceis de retomar.
Estudar, pois, os direitos fundamentais vinculados à mulher
encarcerada, como o direito de cumprir sua pena em estabelecimento
distinto, de ser respeitada com dignidade e humanidade, de ter direito
à permanência com seus filhos, para assegurar a preservação dos
laços maternos, é outro desafio. De suma relevância é compreender a
questão familiar, a garantia prioritária dada à criança e ao adolescente
nas políticas públicas, o direito à convivência familiar, à solidariedade
dessas relações, ao amor e ao afeto. É necessário o compromisso articulado
entre família, sociedade e Estado quando o assunto é criança
e adolescente.
Assim, é preciso compreender o contexto que envolve essas
questões, para contextualizar quais os bens jurídicos que estão envolvidos,
ou seja, por um lado existe a preocupação do Estado com a
saúde pública e que o enfrentamento às drogas buscaria resolver; de
outro lado está a questão familiar que este Estado também assumiu
um compromisso constitucional de proteger. Propõe-se, então, o
aprofundamento de tais questões. Leia mais
Marli Canello Modesti: Graduada em Letras pela Fundação de Ensino Superior do Alto Uruguai(Fesau); graduada em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), campus de Chapecó; mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/Minter/Unochapecó); professora do curso de Direito da Unochapecó, nos cursos de graduação e pós- -graduação em Ciências Criminais e no curso de pós-graduação em Direito Penal e Direito Processual Penal da Unoesc,campus de Xanxerê; professora integrante do Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (Pecjur); membro do Conselho da Comunidade de Chapecó; perita criminal do Instituto Geral de Perícias do Estado de Santa Catarina.
Marli Canello Modesti: Graduada em Letras pela Fundação de Ensino Superior do Alto Uruguai(Fesau); graduada em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), campus de Chapecó; mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/Minter/Unochapecó); professora do curso de Direito da Unochapecó, nos cursos de graduação e pós- -graduação em Ciências Criminais e no curso de pós-graduação em Direito Penal e Direito Processual Penal da Unoesc,campus de Xanxerê; professora integrante do Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (Pecjur); membro do Conselho da Comunidade de Chapecó; perita criminal do Instituto Geral de Perícias do Estado de Santa Catarina.
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