Por Alê Alves, especial para a Ponte Jornalismo
e Daniel Arroyo (fotos e vídeo)
Cabelos e turbantes de todas as formas, cores e texturas tomaram o centro de São Paulo na noite da segunda-feira (25/07). Sob batuques e gritos como ”Cotas sim, genocídio não’‘, negras de diferentes regiões da capital marcharam para celebrar o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. “Nas periferias você vê as mulheres pretas, que estão lá e são invisibilizadas. Essa marcha é importante pra caminharmos juntas e mostrar que a gente existe e resiste”, afirma Micheli Moreira, de 24 anos, moradora de São Matheus, na Zona Leste de São Paulo.
O ato saiu da Praça Roosevelt por volta das 19 horas e seguiu até o Largo do Paissandu, onde foi encerrado com apresentações teatrais e musicais. Durante todo o ato, inúmeros grupos cantaram acompanhados por tambores, xequerês e caixas, entre eles o Ilú Obá de Min – coletivo composto exclusivamente por mulheres que, através da dança e da música, enaltece as mulheres e celebra a cultura africana e afro-brasileira.
Instituída em 1992, no I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, na República Dominicana, a data é um marco internacional da luta e resistência da mulher negra contra a opressão de gênero, o racismo e a exploração de classe.
Uma das manifestantes presentes foi Irenita Lopes, para quem o ato marca o protagonismo da mulher negra e periférica. A jovem de 21 anos, moradora de Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo, relata que o contato com outras pessoas a fez perder o medo de se assumir como negra. “A coletividade foi importante nesse meu processo. Me senti mais segura comigo e mais amparada por pessoas ao meu lado. E isso serve pra gente servir como exemplo também”, afirma.
Hoje dona de um cabelo black power, Irenita diz ter alisado o cabelo dos 7 aos 15 anos. “Mas não acho que é uma questão de ter o cabelo crespo. Eu me sinto bem assim, talvez haja pessoas que se sintam bem com o cabelo liso e elas não são menos negras por isso. É uma questão de se sentir feliz também”, avalia. Para Irenita, é importante ocupar espaços e problematizar questões. “A mulher negra sempre trabalhou e, em um momento histórico, a mulher branca reivindicou o trabalho. A forma como a gente recebe as coisas é diferente. Mas não adianta ficar reclamando que só tem espaço pra mulher branca se a gente não entra pra poder falar. Temos que ocupar, desconstruir e levar pro debate”, diz.
Shirley Rosa, de 20 anos, foi outra das centenas de negras que participaram do ato. Moradora de Parelheiros, na Zona Sul da capital, ela enfatiza a importância de reconhecer as diferenças entra as mulheres. “É outra coisa ser mulher negra da perifa. Você não se preocupa só com você, tem que se preocupar com a sua casa e com o seu filho que está morrendo todo dia”, afirma.
Para Shirley, a criminalização do aborto mostra a diferença entre as realidades vividas entre mulheres. “A mulher da periferia aborta mais. Ela tem menos apoio da família, da comunidade e do parceiro e não tem acesso à saúde”, diz. Ela conta que viveu um processo longo a partir da infância devido à sua cor e ao seu cabelo. “Se empoderar é uma das delícias da mulher negra. Quando você descobre outras irmãs e vê que não é a única, tudo fica mais gostoso porque a gente se junta”, avalia a jovem que hoje faz cursinho pré-vestibular para o curso de Artes Visuais.
Para Ana Cláudia Silva, de 28 anos, a maior delícia em meio às dores semeadas pelo racismo foi a descoberta de outras mulheres que viviam situações semelhantes às suas. Desde então, ela diz nunca mais ter se sentido desamparada. “Amor de preta cura. A gente sabe o que a outra sente, por mais que a gente seja diferente. A gente sabe que acordar todos os dias de manhã e ir trabalhar é uma resistência. Estar entre as pretas é quando a gente pode se deixar ser um pouco mais frágil. A gente pena muito por achar que esta sozinha. A gente não é a única nunca”, diz ela, hoje moradora do Grajaú, na Zona Sul da capital.
Uma das experiência que mais marcou a criadora da página “Empodere suas Raízes” ocorreu no terceiro colegial. Segundo Ana, ela estava sentada conversando com colegas no fundo da sala, rindo. “Passou um policial fazendo ronda e ficou olhando fixamente pra minha cara. Cinco minutos depois fui chamada na diretoria e ele disse que eu tinha desacatado a autoridade por estar rindo dentro da sala de aula. Eu estava sentada no meio de outros garotos, todos brancos e fui a única a ser chamada. A diretoria ficou me olhando com cara de desdém. Foi uma humilhação”, relata.
Para Ana, é importante que o feminismo trate as mulheres em suas múltiplas vivências. “Somos uma intersecção. Minha mãe sempre me disse que por ser pobre eu matava um leão por dia e que, por ser negra, eu tinha que matar três. Uma menina branca coloca um terninho, penteia o cabelo e vai numa entrevista, se ela é apta ao emprego, ela passa. Posso ser apta, mas se eu for com esse cabelo, eu não passo”, diz apontando para o cabelo black power. Para ela, outra diferença se refere à maternidade vivida por mulheres negras. “Eu vou falar pros meus filhos tomarem cuidado com a polícia e com bala perdida. Tem essas questões de violência que a mulher negra sofre mais”, avalia.
Durante o ato, houve falas e cantos em memória de Luana Barbosa dos Reis, mãe negra e lésbica que faleceu no dia 13 de abril deste ano após ser espancada por policiais militares, na periferia de Ribeirão Preto. “A Luana somos nós. Feminismo pra mim é uma questão de sobrevivência. Eu luto pra não ser morta”, diz Micheli Moreira, integrante da Caminhada de Lésbicas e Bissexuais e do coletivo Luana Barbosa dos Reis, criado há cerca de um mês.
Veja mais fotos do ato abaixo:
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