Promotora de Justiça há 13 anos, Maria Gabriela Prado Manssur atua há 8 no combate à violência contra a mulher. Autora de projetos pelo empoderamento feminino e uma das pioneiras no combate à violência contra a mulher no Ministério Público de São Paulo, ela tem atuado também na tentativa de ressocialização do agressor.
Segundo a promotora, em entrevista ao jornal o Estado de S. Paulo, o atendimento à mulher tem evoluído ao longo dos anos, mas a violência não tem diminuído. Na quarta-feira (24/8), Gabriela promoveu, na Assembleia Legislativa de São Paulo, um encontro pelos 10 anos da Lei Maria da Penha, o 1º Seminário sobre o Papel do Homem na Promoção da Igualdade de Gênero.
“Vi que eu tinha que falar com esses homens, tentar fazer um trabalho de tentativa de transformação comportamental. É como se fosse um comportamento padronizado que ele agride mulher, não respeita a liberdade da mulher, não aceita o não, não aceita o rompimento do relacionamento, não aceita ter autonomia, independência financeira, fazer as próprias escolhas, dividir as funções do lar”, explica. “É importante que ele seja ouvido, acompanhado para que haja uma transformação.”
A promotora faz parte do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid), do Ministério Público do Estado de São Paulo, e é diretora do Departamento da Mulher da Associação Paulista do Ministério Público. Atende cerca de 150 casos por dia. São cerca de 7 mil processos somente de violência contra a mulher.
"Nós não adotamos mais aquele ditado 'em briga de marido e mulher, não se mete a colher'. Em briga de marido e mulher, sente-se o peso da lei e abre-se as portas da Justiça", afirma taxativamente a promotora.
Leia a íntegra da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo:
A Lei Maria da Penha completou 10 anos. Avançamos no combate à violência contra a mulher?
Maria Gabriela Prado Manssur — Avançamos. É uma lei importantíssima, um marco pelo direito das mulheres que declarou de forma positiva, no Direito Positivo um documento legal, uma lei declarando os direitos da mulher, mecanismos para assegurar a proteção da vítima em situação de violência e também declarar vários outros direitos às mulheres não só em situação de violência, mas também em relação à igualdade de gênero tão importante para nós mulheres em todas as searas da vida, no ambiente público, privado. Eu defendo muito o empoderamento pelo esporte, empoderamento econômico. O reflexo disso a gente viu na Olimpíada. A Lei Maria da Penha coloca um aspecto muito importante que é dar voz para as mulheres, como se ela tivesse retirado de dentro de casa aquela voz da mulher que não era voz, era grito. Um grito de controle, de submissão, de falta de autonomia. A Lei Maria da Penha abriu as portas da casa da mulher, do lar, das empresas, das instituições públicas para que as mulheres tenham voz, força para fazer valer seus direitos. Eu acho que a popularidade da Lei Maria da Penha levou a lei para o conhecimento de mulheres. Ela atinge todas as mulheres brasileiras, independentemente de classe, de nível intelectual, nível social, de cor, religião, de orientação sexual. Quebrando estereótipos de gênero para que a mulher seja exatamente aquilo que ela quer ser e estar exatamente onde ela quer estar. Essa repercussão de mais mulheres na política também tem uma consequência da popularidade da Lei Maria da Penha em que as mulheres têm essa voz para pleitear os direitos delas. Todos esses direitos de participação política, direito à igualdade, estão declarados na Lei Maria da Penha.
Foi importante a criação de uma lei específica como é o caso da Lei Maria da Penha?
Maria Gabriela Prado Manssur — A lei é específica e não cria nenhuma desigualdade, ela regula uma desigualdade anteriormente instaurada. Você tem uma situação de desigualdade, por algum motivo, vem uma lei e mostra esses direitos das mulheres de forma específica é justamente para corrigir uma desigualdade, proteger pessoas que estavam de alguma forma em situação de vulnerabilidade, de extrema violência. A cada 12 segundos, nós temos uma mulher agredida no Brasil. Nós não temos esse índice nem de longe em relação aos homens. Essa lei específica corrige um problema que passa a não ser mais privado, mas público, permite que o Ministério Público processe o agressor independentemente da vontade da mulher. Tira dos ombros da mulher o peso do ônus processual. Nós não adotamos mais aquele ditado 'em briga de marido e mulher, não se mete a colher'. Em briga de marido e mulher, sente-se o peso da lei e abrem-se as portas da Justiça.
Na segunda-feira (22/8), foi inaugurada a Delegacia da Mulher 24 horas. Vai fazer diferença no atendimento?
Maria Gabriela Prado Manssur — Muito. A maioria dos casos que a gente pega a mulher foi agredida à noite quando o marido chega do trabalho ou quando o namorado a perseguiu saindo da faculdade ou quando ele chega em casa depois do jogo de futebol. São esses períodos à noite, da madrugada ao final de semana e feriado. É claro que às vezes a mulher espera e vai à delegacia no horário comercial. Mas se ela está em uma situação de extrema violência e risco, que é a maioria dos casos, ela não tem como ser atendida especializada que deve ser um atendimento humanizado, com prioridade no atendimento das mulheres e também, pela Lei Maria da Penha, com atendimento multidisciplinar para que seja com qualidade sem que ela sofra uma nova violência ou seja culpabilizada pela agressão. A pessoas que atende a mulher tem que entender que ela está em uma situação de violência e não fazer julgamento ou juízo de valor. Dizer: 'Por que você estava neste lugar à noite?', 'Por que você usou saia curta?', 'Por que você chegou tarde em casa?', 'Por que você nunca denunciou?'. A mulher não pode sofrer este tipo de juízo de valor e a culpabilização. Ela tem de ser atendida como alguém que está batendo na porta do sistema de Justiça. Essas portas têm de estar abertas. O pleito dessa delegacia das mulheres é muito antigo. A delegacia que atende só em horário comercial e não aos finais de semana deixa de atender muitas mulheres em situação de violência.
Mulheres em posição de destaque ajudam no empoderamento feminino?
Maria Gabriela Prado Manssur — A palavra é: identidade. A mulher tem de olhar para o local que ela está e se identificar com uma pessoa que no mínimo tem o mesmo gênero que ela. É só aquela mulher aquela mulher que vai conseguir entrar no lugar da outra mulher para saber o que ela sente e o que ela precisa. Se você só olha para locais que você só vê homem, você acha que aquele seu direito é inatingível, você não vai conseguir chegar lá, estar lá ou você também não consegue perceber como aquele homem pode se colocar no seu lugar de mulher como vítima de violência ou como uma mulher que está lutando para um cargo de liderança ou um espaço no esporte, por exemplo. Essa questão da identidade é muito importante para nós mulheres nos sentirmos representadas. Quando você tem uma violação desse direito, você perde essa identidade. É como se a mulher não tivesse voz, não tivesse rosto representado. Isso acaba gerando um efeito negativo.
Como funciona o trabalho de ressocialização do agressor?
Maria Gabriela Prado Manssur — Eu desenvolvo o projeto Tempo de Despertar, de ressocialização do agressor. O que eu percebia? Atuo há oito anos no combate à violência contra a mulher. Eu percebo que nós conseguimos atender muito mais mulheres, um serviço muito mais especializado, mas eu não consigo ver que a violência diminui. Eu faço vários projetos relacionados à mulher e não vou deixar de fazer. Mas mesmo assim eu percebo que a mulher não para de sofrer violência. Praticamente 60% dos homens que cometiam violência eram reincidentes, como se fosse um padrão comportamental. Vi que eu tinha que falar com esses homens, tentar fazer um trabalho de tentativa de transformação comportamental. É como se fosse um comportamento padronizado que ele agride mulher, não respeita a liberdade da mulher, não aceita o não, não aceita o rompimento do relacionamento, não aceita ter autonomia, independência financeira, fazer as próprias escolhas, dividir as funções do lar. Neste aspecto, é importante que ele seja ouvido, acompanhado para que haja uma transformação. Muitas mulheres desistem do processo, porque elas acreditam que ele vá mudar o comportamento. Como a pessoa vai mudar o comportamento sozinha se ela não tem uma conscientização do que ela cometeu? Muitos homens chegam sem saber que o que eles fizeram é crime. Eles acham que estão lá porque a mulher quer prejudicá-los de alguma forma. O Tempo de Despertar insere os homens que estão respondendo a um processo criminal ou a um inquérito policial em um projeto de responsabilização e conscientização da violência contra a mulher. Os resultados são maravilhosos. Conseguimos diminuir a reincidência de 60% para 2%. Ele não volta a cometer a violência, apenas um ou outro caso.
A ressocialização não significa que a mulher não deve procurar a Justiça quando agredida, certo?
Maria Gabriela Prado Manssur — Lógico, pelo contrário. Ele vai mudar se ele for responsabilizado. O homem só vai ser inserido neste programa se ela denunciar, porque ele tem de estar respondendo a um processo criminal ou a um inquérito policial. Sempre o melhor caminho é a mulher denunciar. A partir da denúncia, a mulher vai ser inserida em uma rede de atendimento, auxílio do Ministério Público, investigação. O Tempo de Despertar é um projeto audacioso, trabalhoso, mas não quer dizer que isso é uma conciliação. Ele vai ser processado, mas vai ter uma diminuição da pena se ele frequentar o programa da forma como foi apresentada para ele como medida protetiva.
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