Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

domingo, 23 de outubro de 2016

Agnes Igoye: uma guerreira contra o tráfico humano

Agnes distribui livros para crianças em Uganda (Foto: .)

A missão da ugandense Agnes Igoye é evitar que crianças sejam sequestradas, transformadas em escravas sexuais, obrigadas a se casar com homens muito mais velhos, vendidas para adoção ou forçadas a virar soldados de guerra. Para isso, ela capacita policiais na identificação de traficantes, resgata vítimas dos cativeiros e viaja com elas pela África para que alertem a população sobre o perigo que a ronda. Aqui, ela conta como a infância tribal e a violência de uma milícia armada transformaram o combate ao crime em seu propósito de vida

23.10.2016 | POR MONICA SERINO, DE NOVA YORK

A história da ativista Agnes Igoye parece saída de um filme. Na noite do dia 7 de março de 1972, seu pai, líder de uma tribo da etnia Teso, no norte de Uganda, atravessou a selva de bicicleta com sua mulher em trabalho de parto, a caminho do hospital para que ela desse à luz em segurança. Sabia que um leão rondava a região. Agnes nasceu saudável em Pallisa, na madrugada do dia 8, coincidentemente, o Dia Internacional da Mulher, data que celebra a causa que, desde seu primeiro respiro, a acompanha pela vida. O nascimento de meninas, segundo a tradição dos Teso, não é comemorado. Mulheres que não concebem meninos podem ser devolvidas às suas famílias e o dote pago por elas, cobrado de volta por maridos insatisfeitos. Agnes foi a terceira menina gerada em sua família e a tribo ansiava por um garoto que pudesse herdar a liderança de seu pai. Educado em uma escola de missão católica e, portanto, exposto a valores ocidentais, ele não sentia tal desapontamento. Jamais se frustrou com a chegada de suas meninas e fez questão que elas e os dois filhos tivessem a mesma educação. Todos terminaram a faculdade.

Hoje, Agnes é a voz mais importante no combate ao tráfico de pessoas – mais especificamente de mulheres – na África. Vice-coor­denadora de Prevenção do Tráfico Humano em Uganda, ela treina funcionários públicos para reconhecer e capturar traficantes. Esse trabalho perpassa 13 ministérios e já capacitou mais de 2 mil oficiais. Além disso, é fundadora do Huts for Peace (Cabanas pela Paz, em português), um projeto que acolhe sobreviventes – em geral, meninas e seus filhos gerados no cativeiro. Também lidera o End Child Trafficking (Fim do Tráfico de Crianças), em que uma equipe percorre as tribos do interior do país para alertar a população sobre os riscos que a rondam. Em abril, recebeu o Prêmio Internacional Diane von Furstenberg pelo conjunto de seu trabalho, no valor de 50 mil dólares. Pretende investir a quantia no centro de acolhimento dessas vítimas. Mais altruísta impossível, como mostra o depoimento a seguir.


Agnes em discurso sobre seu trabalho, nos Estados Unidos (Foto: .)
Educação ocidental
“Meu pai era o filho mais velho do chefe da tribo e herdou as terras e a liderança do meu avô. Como foi educado na escola da missão católica, tinha uma visão diferente da dos demais. Era contra algumas tradições como, por exemplo, a poligamia. Rompeu com os costumes e educou os filhos de forma ocidental. Todos fizemos faculdade. Meu pai também se recusou a receber dinheiro ou bens em ‘troca’ de suas filhas para casá-las. Ele sabia como isso poderia contribuir para a violência doméstica.”

Memórias da guerra
“As lembranças mais duras da minha infância estão relacionadas ao Exército de Resistência do Senhor (ERS). Eram guerrilheiros cruéis, liderados por Joseph Kony, um fanático que se dizia enviado de Deus [o ERS chegou a ter 60 mil crianças em sua linha de batalha e deslocou 2 milhões de pessoas que fugiram de suas investidas]. Eu era adolescente, tinha uns 13 ou 14 anos, quando o ERS atacou minha vila. Meu pai não queria abandonar os Teso naquela situação. Mudou de ideia quando soube que estavam sequestrando as meninas. Viu minha prima sendo arrastada por um soldado da milícia. O irmão dela, meu primo, saiu correndo atrás, gritando: ‘Ela é minha mulher’. Foi o que a salvou. Não queriam as casadas, só as jovens virgens. Fomos morar em um convento, também em Pallisa, que servia de abrigo para refugiados. Recomeçamos a vida do zero porque o ERS tinha levado nossas coisas. Hoje, Kony é um dos criminoso mais procurados do planeta.”


Ugandenses em um campo de refugiados (Foto: .)
Luta contra o crime
“Quando terminei a escola, nos anos 80, fui estudar ciências sociais. Comecei a trabalhar como agente na Imigração. Uma vez, um homem estava tentando atravessar a fronteira e senti que precisava detê-lo. Foi intuitivo. Durante a conversa, achei a maneira como ele falava estranha, estava machucado. Descobri que era membro do ERS, procurado por atrocidades. Obrigava as pessoas da comunidade a comer a carne dos parentes assassinados, por exemplo. A partir daí, passei a treinar policiais para detectar suspeitos. Pessoalmente, não sinto medo de fazer meu trabalho. Meus pais, vivos até hoje, ficam preocupados. Minha mãe reza por mim todos os dias.”

Escravidão moderna

“Na África, há todo tipo de tráfico de pessoas. Os criminosos atraem as vítimas com promessas de emprego. Pagam a viagem delas e depois cobram a quantia, dizendo que vão descontá-la do salário. Dizem, então, que as vítimas não estão rendendo. Há ainda o tráfico de órgãos, de crianças para adoção, para sacrifícios religiosos, e de meninas e meninos para servirem aos guerrilheiros. No tráfico de crianças, os próprios pais podem expor os filhos sem saber. Se alguém diz que vai dar uma boa educação para as crianças, eles acabam as entregando. São ludibriados.”

Prevenção e combate

“Trabalhamos em uma campanha pelo fim do tráfico infantil em Uganda, um projeto que tem apoio da Vital Voices [ONG americana fundada por Hillary Clinton], a End Child Trafficking. A ideia é informar a população. Como muitas comunidades não têm rádio nem televisão, levamos vítimas resgatadas nas escolas, para contarem o que houve aos alunos. São relatos de trabalho e casamento infantil (legais no país), crianças usadas como soldados nos conflitos. O método funciona. Em 2013, resgatamos por volta de 800 pessoas, o dobro do ano anterior. Isso não quer dizer que o tráfico aumentou, mas, sim, que há mais denúncia. O que podemos celebrar é a maior conscientização de toda a população.”

Recomeço

“Em Uganda, há um estigma sobre as vítimas do tráfico de pessoas que retornam para suas comunidades. As meninas voltam com filhos e os meninos, traumatizados com o que viram ou com os crimes que foram obrigados a cometer. Acabam marginalizados. Criamos o Huts for Peace, que acolhe resgatados. Construímos casas para abrigar 22 famílias e mais de 120 crianças órfãs estão sob nossos cuidados. Essas mulheres estão refazendo as comunidades e espalhando uma mensagem de paz e reconciliação.”


A ativista com Diane von Furstenberg durante premiação (Foto: Exchanges Photos Seguir / AFP PHOTO / Divulgação)
A ativista com Diane von Furstenberg durante premiação
(Fotos: Exchanges Photos Seguir / AFP PHOTO / Divulgação)

Nenhum comentário:

Postar um comentário