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terça-feira, 25 de outubro de 2016

Nunca foi tão fácil parecer babaca

A tolerância das mulheres com a agressividade sexual dos homens é cada vez menor

IVAN MARTINS
19/10/2016

Houve um tempo em que os homens sabiam o que dizer às mulheres. Um código comum estabelecia os limites da conversa e do convívio. Dentro dessa fronteira imaginária, cabiam diferentes tipos de sujeitos e seus vários estados de espírito. O tímido interessado agiria com delicadeza, o sedutor obcecado seria insistente ou explícito. Nenhum deles terminaria expulso da festa de família.

Faz algum tempo, isso mudou.

A atitude feminina em relação ao que pode e o que não pode ser dito – ao que é tolerável ou intolerável nas relações entre homem e mulher – tornou-se mais rígida. Comportamentos antes aceitáveis não são mais aceitos. Conversas que antes seriam consideradas sedutoras agora causam desconforto e discussão.

Resultado: o desejo masculino, que antes se exibia por aí impunemente, agora precisa de um contexto de reciprocidade muito bem definido. Fora dele, é percebido como invasão, ofensa e até violência. 

Tenho um amigo de 41 anos – solteiro e bonito, talvez um pouco carente – que conta uma história que deve estar se tornando comum. Nos últimos meses, pelas contas dele, se desentendeu com três mulheres diferentes, de idades e procedências distintas, pela mesmíssima razão: acharam que ele estava pressionando por sexo, e não gostaram.

Ele jura que não disse ou fez nada inapropriado, mas é um cara dos anos 1980: não vê nada de errado em expor seu desejo quando ele aparece. Ouviu de uma das moças que estava erotizando uma relação de amizade. De outra, escutou que a estava incomodando. Suspeito que a pior história foi a que não me contou. Compreensivelmente, está deprimido. Tomara que tenha aprendido algo.

Pela antiga cartilha masculina, não há nada de errado em dizer às garotas que você as acha atraentes. Só precisa evitar ser grosseiro. Mesmo a amizade, que parece sagrada às mulheres, nunca foi vista pelos homens como tabu. Se a amiga sai de casa linda, o sujeito no volante do carro começa a pensar bobagens. Que mal tem? Pela mesma lógica, elogios e brincadeiras são parte do combinado clássico. Não significam, necessariamente, um convite ao sexo. Podem ser apenas espasmos de libido sem consequências. Ou não.

No passado, as mulheres lidavam com esse aspecto do comportamento masculino de forma amena. Talvez porque se sentissem culpadas pela atenção indesejada. Ou por acharem que demonstrar compreensão era uma exigência do jogo social. Muitas talvez gostassem desse tipo de flerte ou o julgassem inofensivo. Qualquer que fosse a razão, tendiam a ignorar as gracinhas, rir delas ou dar broncas amistosas no bêbado. Isso acabou.

Agora, por tudo que me contam – e pelo que eu mesmo experimento –, a tolerância com a agressividade sexual dos homens é cada vez menor. Nunca foi tão fácil fazer papel de babaca.

Se você é homem e acha que estou exagerando, há duas hipóteses: ou você vive num ambiente antiquado, em que as mulheres ainda agem como no século passado, ou é um dos caras que atualizaram o software 2016 da nova sensibilidade feminina e está em perfeita sintonia com elas. Existe também a possibilidade remota de que você seja um bonitão irresistível sobre o qual as mulheres se atiram ou para quem elas nunca dizem não, mas eu duvido que o Cauã Reymond leia a minha coluna.

Como homem do século XX, vivendo as mudanças do século XXI, confesso a minha perplexidade com esse assunto.

De um lado, entendo a ira feminina com aquilo que percebem como abusos. Os homens são libidinosos e frequentemente agem como se tivessem direito ao corpo das mulheres e desejassem controlar o seu comportamento. Essa tentativa permanente de apropriação deve ser ao mesmo tempo assustadora e exasperante. Ainda bem que as mulheres conquistaram espaço para reclamar e resistir. A integridade delas depende disso.

Do outro lado da moeda, sei como é difícil para os homens se relacionarem com as mulheres sem o filtro do erotismo. Ele molda a visão masculina. O sujeito olha uma mulher e enxerga o rosto dela, o corpo dela, os movimentos dela. Só depois, passado algum tempo, percebe a sua subjetividade, e isso pode causar uma nova onda de sensualidade: que jeito gostoso, que maneira de falar, que sedutora. A palavra superficialidade não define com rigor suficiente esse comportamento.

Com um software tão primitivo, é difícil lidar com as mulheres de forma fraterna ou profissional. O fato de que os homens consigam fazer isso na empresa ou na escola demonstra que o machismo é uma cultura que pode ser modificada. Com estímulo ou repressão suficiente, os homens do futuro aprenderão a se comportar de forma não sexual com as mulheres em toda parte. Em muitos países já fazem isso.

Mas isso tudo está no futuro. No presente, acho que a nossa obrigação é abrir espaços para a felicidade. Isso significa, de um lado, reconhecer que as mulheres querem ser respeitadas e que os homens precisam rever seu comportamento em relação a elas. De outro, é preciso manter um lugar social de encontro e sedução, onde as fantasias eróticas e emocionais de homens e mulheres possam ter lugar. Não imagino que uma sociedade em que todos reprimem seus impulsos o tempo todo seja um bom lugar para viver.

Mas eu, admitidamente, sou um cara antigo. Acredito na liberdade como elemento essencial das relações humanas. Acho que, num mundo ideal, o desejo de mulheres e homens poderá se expressar com liberdade, e será abraçado ou recusado também livremente, sem opressão e sem complexos. Há um mistério no erotismo humano que não cabe nas regras que criamos para nos proteger. Esse aspecto do que somos também precisa ser respeitado, sob o risco de nos percebermos perfeitamente seguros, mas, ao mesmo tempo, chatos e tristes.

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