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domingo, 23 de outubro de 2016

“Kubo e as Cordas Mágicas” é o melhor filme já produzido pela Laika

Nova animação em stop-motion do estúdio de “Coraline” e “ParaNorman” combina técnicas aprimoradas e personagens cativantes para ressaltar o poder de contar histórias

por Virgílio Souza
21/10/2016

Logo na sequência de abertura de “Kubo e as Cordas Mágicas”, uma voz diz: se o espectador desviar sua atenção, mesmo que por um instante, o herói morrerá. Em tela, enquanto ouvimos a narração, uma tempestade em alto mar atinge violentamente uma mulher e um bebê, que acabam lançados à costa por fortes ondas após uma mínima distração.

O tom grave do anúncio parece pouco comum para uma animação infantil, mas não chega a surpreender por dois motivos. O primeiro deles é o envolvimento do estúdio Laika, responsável pelos longas “Coraline”, “ParaNorman” e “Os Boxtrolls”, que lidam com temáticas semelhantes, como perda e morte. O segundo, mais específico, diz respeito ao poder de contar histórias que sustenta essa nova aventura — daí o recado sobre a importância dos detalhes já no início da projeção.

Quem narra esse prólogo é o personagem do título. Anos depois, o garoto, que teve um dos olhos roubados ao nascer, vive em um penhasco com a mãe, ainda abalada pelo acidente. Durante o dia, o jovem se vale de habilidades herdadas para ganhar moedas entretendo a população de pescadores do vilarejo vizinho. Para tanto, ele conta com o auxílio de origamis que ganham vida quando toca seu shamisen, tradicional instrumento musical japonês.

À noite, porém, tudo é diferente. Kubo é sempre alertado pela mãe, que teme a chegada do maligno Rei Lua, a voltar para casa antes de o sol descer. O gatilho da trama é justamente a ocasião em que isso não ocorre: após ser atacado, ele consegue escapar e se junta a Macaca e Besouro, que o ajudarão a encontrar a armadura que pertencia ao seu pai, o lendário samurai Hanzo, para derrotar o inimigo.

Dirigido por Travis Knight, presidente da Laika e estreante na função, o longa se sustenta em uma série de dualidades. A relação entre mãe e filho é central, mas sobra espaço para que o protagonista estabeleça vínculos fortes com os demais personagens, em especial a dupla de criaturas que assume sua guarda na aventura (e que garante os principais momentos cômicos) e as irmãs gêmeas que tentam impedir seu sucesso (e que surgem nos trechos mais aterrorizantes). Há ainda embates entre duas gerações, vida x morte, dia x noite e , finalmente, sol x lua, como bem representam os elmos de Kubo e de seu rival.

Em termos puramente estéticos, a qualidade da animação chega a impressionar. A técnica de stop motion, menos engessada do que nunca, chama atenção para o movimento constante do herói, tornando quase imperceptíveis os cortes entre cada plano e criando sequências mais fluidas. O destaque nesse sentido é o confronto com um esqueleto gigante, o maior modelo já construído pelo estúdio, que simboliza todo o valor dos efeitos práticos para esse tipo de dinâmica — vale notar, o fato de os bonecos serem articulados internamente constitui um avanço enorme em termos de mobilidade.

A TÉCNICA DE STOP MOTION, MENOS ENGESSADA DO QUE NUNCA, CHAMA ATENÇÃO PARA O MOVIMENTO CONSTANTE DO HERÓI

Além disso, o filme estabelece conexões particulares para cada ambiente que cerca o garoto. Água, vento e neve, alguns dos desafios fundamentais para a animação pelas dificuldades visuais que geralmente impõem, não somente são trabalhados com firmeza e naturalidade, como também se tornam elementos narrativos significativos. Algo semelhante pode ser dito sobre traços menores da composição dos personagens. O cuidado com os detalhes cria laços visíveis entre eles. Vale notar, por exemplo, que todos carregam marcas anteriores: o protagonista usa um tapa-olho, ao passo que sua mãe e a Macaca têm cicatrizes evidentes (no lado esquerdo do rosto e no olho direito, respectivamente), e o Besouro tem rachaduras em sua armadura.

Essas não são particularidades que precisam ser buscadas com lupa. Aqui, o passado desempenha um papel importantíssimo: seus vestígios resistem nos corpos, assim como as histórias mais poderosas sobrevivem ao tempo. O poder das fabulações serve tanto para confortar o garoto em momentos de desamparo quanto para determinar o que é permanente e, no limite, definir se ele terá ou não companhia ao final da jornada. Não por acaso, a porção mais explorada da mitologia em questão são os rituais de despedida dos entes queridos, quando a passagem entre vida e morte se consolida.

O SUCESSO DE KUBO, CONQUISTADO COM SACRIFÍCIO E EMOÇÃO, É O QUE TORNA ESSA ANIMAÇÃO TÃO ESPECIAL

“Kubo e as Cordas Mágicas” parece especialmente interessado em ver essas coisas permanentes se formarem desde o início. Parte daí a variedade de cenas em que vemos objetos sendo construídos a partir do nada. Elemento dominante na animação, o origami, assim como a música, tem seu caráter fantástico estabelecido pacientemente. Knight e sua equipe trabalham as dobraduras de papel de modo que o garoto pareça merecedor de seus poderes, fazendo com que suas reações variem com o caminhar da trama. O fascínio aparente quando ele vê a mãe dar vida a criaturas durante o sono, por exemplo, posteriormente dá lugar ao domínio cada vez mais seguro sobre a técnica.

Seguindo uma tendência dos demais longas da Laika, o risco parece jamais abandonar o protagonista. O tempo todo, persiste uma fragilidade bastante real, uma sensação de que as esculturas de papel que o auxiliam na missão podem ser fatiadas num instante. Para Kubo, evitar a destruição significa assegurar a permanência daquilo que realmente importa e, acima de tudo, garantir que sua história resistirá. Seu sucesso, conquistado com sacrifício e emoção, é o que torna essa animação tão especial.



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