Se a revista íntima foi feita por policiais mulheres e sem abuso, as provas materiais coletadas em mulher que tenta entrar no sistema prisional com drogas escondidas em seu corpo são lícitas. Isso porque o direito à intimidade não é absoluto quando confrontado com o direito social à segurança pública.
Com este entendimento, o 2º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, manteve a condenação de uma mulher que tentou entrar com drogas na Penitenciária Estadual do Jacuí, no município de Charqueadas, a segunda maior do estado.
Ela trazia em suas partes íntimas um invólucro contendo 68g de maconha e uma pedra de crack pesando 43g. Com a confirmação da sentença, a ré foi condenada à pena de 2 anos, 1 mês e 20 dias de reclusão, além de multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direitos.
O caso chegou até o colegiado — que pacifica a jurisprudência na 3ª e 4ª Câmaras Criminais — depois que a ré pediu, em Apelação, a prevalência do voto minoritário que a absolvia por falta de provas, diante da suposta ilicitude do ato de revista íntima, que teria “contaminado” a prova colhida.
Prevaleceu a divergência aberta pelo desembargador Ingo Wolfgang Sarlet, afastando a preliminar de que a prova era ilícita. Ele destacou que ninguém tocou nas partes íntimas da mulher, já que ela mesma tirou as drogas de dentro de si. Segundo apontou, ela estava ciente de que se submeteria à fiscalização se entrasse no estabelecimento prisional.
Para Sarlet, além de não haver comprovação da prática de coação física ou moral, as normas para selecionar quem passaria pela revista íntima, baseadas em escolha aleatória das mulheres visitantes, estão de acordo com o artigo 244 do Código de Processo Penal. Afinal, no ambiente prisional, é expressamente proibida a entrada de alguém portando drogas ilícitas.
Citando precedentes do Supremo Tribunal Federal (MS 23.452/RJ) e do Superior Tribunal de Justiça (HC 328.843/SP), ressaltou que os direitos fundamentais à integridade física e psíquica e à intimidade não são absolutos. Reiterou que não se pode considerar o direito à intimidade superior ao da segurança pública, em uma suposta hierarquia normativa, porque essa não existe entre normas-princípios.
“Se assim fosse, qualquer cidadão poderia utilizar-se de tal entendimento para cometer atos ilícitos. Há, sim, que falar em medida de proteção suficiente a possibilitar a incidência do direito fundamental à segurança pública, no caso concreto, por compreender necessária, adequada e apta a ocasionar menos prejuízos à esfera de direitos fundamentais envolvidos, o que demanda que o direito à intimidade da acusada possa ser mitigado sem configurar violação insuperável à dignidade humana dessa”, escreveu.
Embargos infringentes
O relator dos Embargos Infringentes, desembargador João Batista Marques Tovo, se alinhou aos fundamentos de Diógenes Hassan Ribeiro, da 3ª Câmara Criminal, que havia entendido que a “prova colhida” não tinha valor, em razão do ato degradante a que foi submetida a visitante.
Na ocasião, Hassan entendeu que caracteriza violação à dignidade humana a revista corporal íntima sem prévia submissão a outros métodos de revista não invasivos ou a existência de fundada suspeita sobre a pessoa. “No caso, a desconfiança levou imediatamente à realização da revista vexatória, não havendo notícia nos autos de que tenham sido utilizados meios de detecção de drogas menos invasivos à dignidade da ré. E isso vem em seu socorro”, ponderou.
Conforme Tovo, não há norma que autorize, nem de modo implícito, a revista íntima, com exposição do corpo nu. Segundo ele, a Resolução 9/2006 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) veio a coibir excessos, determinando que a “revista manual deverá preservar a honra e a dignidade do revistando”. Nela, não se permite, sequer, a revista íntima. No mesmo sentido, a Resolução 5 do CNPCP proíbe a realização de qualquer revista vexatória, desumana ou degradante. Por fim, a Lei 13.271/2016 proíbe qualquer forma de revista íntima de pessoa do sexo feminino.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
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