Terça-feira, 25 de julho de 2017
Possivelmente, ao ler esse texto, você terá a impressão de que ele já tenha circulado pelas redes ou em alguma mídia impressa. É provável. Isso porque um número sem fim de feministas, de maneira sistemática, tem falado, com bastante sucesso, a respeito dos efeitos do Patriarcado nas nossas sociedades.
O homem como princípio universal desde o Iluminismo tem sido a base do pensamento ocidental, amplamente divulgado pelos pensadores da Ilustração, como exemplo de racionalização e como parâmetro para toda literatura a que temos tido contato.
Exemplo disso é que, ao se utilizar o termo “o homem”, ele serve tanto para indicar o indivíduo quanto ao seu gênero masculino e, portanto, de maneira particular, como para se fazer referência a um padrão universal. Falamos do homem e de todos os homens quando queremos nos referir a um conjunto de pessoas independentemente do gênero. Se tomarmos por base o termo “mulher”, podemos ter certeza da diferenciação quando recorremos a esse termo de maneira a individualizar determinados sujeitos, sempre pelo gênero feminino.
Pode parecer preciosismo linguístico, mas não é. Língua e linguagem fazem parte daquilo que somos e não daquilo que temos. É a manifestação de poder do colonizador sobre os povos colonizados. Indicam a dinâmica e a complexidade social e umas das artimanhas do patriarcado que se utiliza do machismo, do androcentrismo e do sexismo como maneira de continuar se afirmando como referência.
É necessário pensar como a imposição linguística tem criado meios de socialização frequentes para homens e a constante exclusão de mulheres de vários espaços. Tem sido assim nos esportes, nas instituições judiciárias, no mercado de trabalho.
São espaços onde predominantemente homens têm tido fácil acesso pela forma como impõem suas narrativas. A linguagem que visa diminuir o outro em relação ao gênero constitui uma ferramenta importante para essa imposição. O domínio técnico em determinadas áreas foi e é devidamente pensado como espaços para afirmação da masculinidade. Um exemplo é o predomínio de homens no exercício nas áreas de exatas, pois como bem afirmou Rosseau, no livro Emílio ou da Educação: mulheres servem ao espaço privado, ou seja, para o trabalho doméstico. Mais do que isso, a própria medicina exercida desde os primeiros tempos por homens tratou de dar a palavra final sobre os corpos e sujeitos.
Público x privado
Embora a criação dos espaços públicos e privados coloquem o homem na agenda pública da política, do exercício da palavra e, portanto, do poder, o espaço privado reconhecido como a casa, o lar, não se livrou da masculinidade exercida. Homens desde muito cedo são criados para subsidiar a casa do ponto de vista financeiro. Podemos considerar que atualmente muita coisa tem mudado, especialmente com a inserção acentuada da mulher no mercado de trabalho, mas é preciso refletir que toda carga da dupla jornada de trabalho ainda é da mulher.
Homens, não se cumprem ao papel das demonstrações de afeto e um dos únicos sentimentos que estão legitimados a tomar é o de raiva, ao contrário do que acontece com mulheres que devem ter o horizonte da docilidade e da cordialidade, dentro e fora de casa e vale destacar de que forma as emoções estão colocadas dentro das regras de gênero. Homens não deixam o trabalho para serem pais, opostamente do que acontece com mulheres, que ainda contam com todo o trabalho em relação a cuidados específicos.
A masculinidade é um tema do qual temos fugido, mas que merece a nossa atenção, sob o risco de não avançarmos no que diz respeito aos discursos da igualdade e das suas implicações sócio-políticas.
Masculinidade e poder
O tema ainda está implementado na agenda brasileira de maneira tímida e recente. Uma breve pesquisa apresenta o livro Homens e Masculinidades: Outras Palavras de autoria de Margareth Arilha, Sandra G. Unbehaum e Benedito Medrado e matérias organizadas pela importante Revista Pagu, a partir de 1998. Na agenda global, desde 1980, outros estudos são dedicados, com destaque, pela antropóloga australiana Raewyn Connell que destaca o gênero como sistema de poder.
A masculinidade é exercida de maneira hierárquica e está inserida dentro um sistema de poder.
O homem é homem quando exerce força e autoridade por todos os meios que lhe são disponíveis e a isso dizemos que exerce de maneira hegemônica, porque não há resistência. Está colocada de maneira imperceptível em nosso meio sobre outras masculinidades. E é preciso cuidado porque muitas vezes se reveste de um novo tipo de “macho” que tem por princípio negar um comportamento machista.
É o caso de LGBTs, que no pensamento normativo e universal ao burlarem essa aliança e contrariar as regras do que seja ser másculo, viril, forte e todas as características que destacamos para o “homem padrão”, ferem na alma um comportamento tomado como hegemônico.
Gays golpeiam a premissa de comportamento universal ao demonstrar feminilidade ou padrões de virilidade. Mulheres lésbicas masculinizadas, travestis e transexuais, ao reivindicar uma orientação e/ou identidade, sem abrir mão do seu corpo. Ou seja, é o corpo, é a voz, é o comportamento, a aparência, uma série de padrões que são ajudados pelas Instituições – o Estado, a medicina, a igreja, a imprensa, o direito e outros que atuam por meio de mecanismos sutis (e outras vezes nem tanto) e que têm tomado para si a responsabilidade da decisão sobre todos os nossos atos.
Homens precisam descentralizar o olhar sobre suas práticas cotidianas e saber que comportamentos que foram social e culturalmente construídos precisam ser revistos em todos os âmbitos e de maneira interseccional de forma a desnaturalizá-los, com vistas construção da igualdade como fonte de benefício para todos e todas. Como disse no início você talvez já tenha visto esse texto, mas mais do que isso, o que temos visto é o tal homão da porra e isso não queremos mais.
Fábio Mariano da Silva é Bacharel e Mestre em Direito e Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP. Estuda o tema da Morte e Gênero. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Inanna.
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