Nem millennials, nem xennials. Após os 35 anos, as mulheres renunciam aos rótulos sociais
Elas são chamadas de “ageless generation”, algo como mulheres eternas ou sem idade porque de tênis, jeans e camiseta não é fácil adivinhar quantos anos têm. “Pelo menos pelas costas”, diz Rebecca Rhode, fundadora da SuperHuman, a agência de marketing que fez um estudo com 500 mulheres publicado no The Telegraph. A pesquisa confirma que as que estão em sua quarta e quinta década não se identificam com o rótulo social “mulheres de meia idade” que supostamente as define. Na plenitude de sua vida, as mulheres que nasceram nos anos sessenta e setenta se rebelam contra qualquer definição cuja origem seja a idade.
Não é uma notícia surpreendente e não é um rótulo tão certeiro como o vaticinado por Gina Pella, editora do The What, em um artigo no Fast Company. Sem distinção de gênero, Pella falava em 2016 do iminente interesse que as marcas iriam desenvolver pela conhecida como geração “babyboomers”, descrita como a única com pessoas relevantes de distintas idades, que sabem o que acontece no mundo, têm contato com a tecnologia e um círculo pessoal representado por diversas idades. A imagem utilizada para ilustrar os “perennials” era categórica: “Lady Gaga e Tony Bennet podem ter mais em comum que dois millennials escolhidos ao azar”.
‘Perennials’ e eternas
De fato, tendo em vista os resultados da pesquisa do jornal britânico, uma mulher de 40 anos e outra de 50 também têm algo muito relevante em comum: se sentem jovens ou pelo menos não se sentem mais velhas e tampouco se encaixam no clichê da meia idade.
“Realmente me parece algo muito antigo, como senhoras tomando café com bolachas no fim de tarde. Eu estou em um momento fantástico de minha vida, cheia de energia; meus filhos ainda são muito pequenos e tenho em minhas mãos um monte de projetos pessoais e profissionais. Não sou nenhuma jovenzinha, sei perfeitamente qual é minha idade, mas também não tenho a sensação de que o tempo começa a ficar mais curto que é o que sempre se associou à meia idade. De modo que não, não me identifico com esse rótulo, nem com muitos outros”. É a impressão de Charo Marcos, jornalista de 41 anos que edita a Kloshletter, a primeira newsletter independente de informação geral editada na Espanha e dirigida principalmente às mulheres. “Se nós somos a geração sem idade? Também não estou segura. Minha mãe, que já fez 65 anos, diz há tempos que ela não se sente uma mulher de 65 anos como se lembra da sua com essa idade. Não têm a mesma vida, as mesmas inquietudes, sequer o mesmo aspecto. As mulheres de sua idade não são como eram as mulheres de sua idade anos atrás. Acredito que, no fundo, o bem-estar não só nos fez viver mais como vivemos melhor e essa melhoria também se reflete em nosso aspecto e em nossa atitude no momento de enfrentarmos a idade que temos”, reflete.
Silva Mezquita, de 42 anos e técnica de equipes de televisão, casada e mãe de uma filha, gosta do rótulo ‘ageless’. “A idade é um número, o estilo de vida faz a diferença, existem mulheres de 30 totalmente assentadas, casadas, com vidas rotineiras. Eu estou melhor do que estava aos 20. Continuo participando de competições de dança, viajo, faço loucuras, me fantasio, continuo aprendendo idiomas, estou na quarta língua. Adoro viver... Não faço nada para parecer mais jovem, não é isso, é que meu estilo de vida é assim”.
Prestes a completar 41, Ana I. Gutiérrez, engenheira química, casada e com uma filha, nunca dirigiu uma antes, mas acabou de comprar uma moto “algo que sempre quis fazer”. Afirma que “em nenhum momento levei em consideração a idade para tomar essa decisão ou qualquer outra. Quero uma moto, posso comprá-la. Ponto. Quero aprender a boxear, o faço. Agora quero aprender a escalar, então vamos lá”. Reage como se uma abelha a ameaçasse quando lhe perguntamos se ela se identifica com os rótulos “mulher de meia idade” e “ageless”: “Um me soa como se estivéssemos nos anos 70 e o outro também não me convence. Sei que tenho 40 anos e assumo muitas responsabilidades profissionais e familiares, mas posso fazer coisas que os de 20 fazem. Eu me sinto uma mulher jovem sem rótulos. Acho que a idade não é uma referência para nada na vida, talvez somente para a maturidade e nem isso, porque cada um a desenvolve em uma idade diferente e existem pessoas que não a desenvolvem nunca”.
Alergia à ‘meia idade’
Ester Hernández Bejarano, de 41 anos e professora de Sociologia na Universidade de Salamanca explica por que nos parece do Pleistoceno o conceito de meia idade: “essa idade madura como construção social que representa uma mulher com traços de aparência e estilo de vida muito determinados está em plena transformação. Observamos uma perda de fronteiras entre gerações, uma distinção líquida entre etapas que estavam muito mais marcadas no passado. Cada vez vivemos mais, de modo que as gerações se alargam. A juventude se alarga, e já não falamos de crise dos 40, agora há quem diga que foi substituída pela dos 50, e se fala da quarta idade, para aqueles que superam idades avançadas. Também não há uma associação plena entre beleza e juventude, a mulher se cuida desde muito cedo e chega aos 40 e supera os 50 com uma aparência sem nada a dever à das mulheres 10 anos mais jovens. Temos mais referências, a capacidade de cuidar de nosso aspecto e padrões de moda menos restritivos que não antepõem aspectos relacionados à idade a outros como por exemplo as tendências. Tudo isso, somado à solvência econômica e ao fato de que as mulheres já não estão presas ao âmbito privado e doméstico e que muitas já não são mães e atrasam a maternidade, faz com que alguns estereótipos como o da “senhora de meia idade” já não sejam atrativos.
As palavras da socióloga explicam o consenso no que contam Raquel G. Veci (41): “eu me considero tão válida e ativa como uma mulher de 20 anos”; Manena Quesada (40): “não me sinto uma senhora de meia idade, a segmentação por idade está obsoleta e teria de ser mudada”; e María Eugenia Viadero (42): “não gosto nem um pouco dos rótulos e este ainda menos, a idade é um estado mental”.
No entanto, este quadro tem mais “poréns” entre as mulheres que se aproximam dos 50 ou já os completaram. Aí a brecha e o impacto da pressão em torno da idade feminina aumentam: quanto mais velha é a mulher a quem se pergunta, maiores são as certezas de que isto da ageless generation dá mais pano para a manga do que parece e abre debates menos risonhos do que o demonstrado no estudo britânico no The Telegraph, que limita o assunto a questões como a aparência e ilustra o artigo com mulheres de físico extraordinário e mães que ninguém poderia distinguir de suas filhas sem o álbum da família na mão.
Menos rótulos e mais respostas
“Estou em torno da metade da minha vida, por isso, eu me identifico, sim, com a meia idade. O que acho que mudou é o conceito: antes, uma mulher de meia idade prototípica era uma senhora de vida estabilizada, geralmente com filhos já independentes, às vezes avó de crianças pequenas. Eu sempre me lembro dessas “mulheres de meia idade” dos 70, com vestido chemise e cabeleireiro semanal. Não sou isso, evidentemente. Sou do jeans e camiseta, cabelos secados ao ar livre, e não ocorre a ninguém chamar-me de senhora nas lojas ou no transporte. Tenho um filho pequeno e um panorama de trabalho complicado, entre outras coisas, pela minha “meia idade”. Definitivamente, o que mudou é o conceito. Não sou uma senhora de meia idade, mas sou, sim, uma mulher de meia idade. Até diria que uma moça de meia idade.” Quem diz isso é Charo Fernández, de 49 anos, que não só dá novos matizes e enriquece o catálogo de rótulos em torno da idade feminina como também, com sua identificação e seu foco no trabalho, pulveriza o relato das incluídas na ageless generations. E não é a única.
María Ángeles Gómez, 53 anos, divorciada e com dois filhos universitários, tampouco está disposta a ser rotulada, mas está bem consciente de que é. “Isso de que somos mulheres sem idade não é verdade. Talvez até nosso físico e nossa atitude seja juvenil ou diretamente jovem. Eu me sinto jovem e sei que minha aparência é de alguém de menos idade. Mas, com mais frequência do que gostaria, a sociedade não me deixa sentir-me assim”, protesta. “Não busco parecer mais jovem do que sou, mas me sentir bem. Por isso saio para correr, tenho inquietações de todo tipo e, em geral, me cuido e estou feliz em fazer isso. Mas isso não combina com o difícil que seria, sim, por exemplo, se quisesse mudar de trabalho e com o fato de que minha suposta sabedoria e minha suposta plenitude só servem para a questão física e para que me vendam coisas. Em muitos aspectos de minha vida, outros me definem, sim, pela minha idade.”
Na mesma direção se expressa a especialista em produtividade e gestão do tempo Aje Arruti, de 50 anos, solteira e sem filhos: “Não me sinto identificada com a meia idade, como não me sinto identificada com a imagem da mulher de 20, 30, 40 anos atrás. Acho que minha identificação com grupos sociais é mais transversal e tem a ver com outros fatores, como se tenho ou não filhos, companheiro, trabalho, se viajo ou não, se me importo ou não sem seguir a moda... E também renego o conceito de ageless generation porque continua dando importância demais à idade como fator discriminatório. É como se tivessem escolhido o rótulo dizendo: “como se incomodam que lhes lembremos a idade, então, tomem em dobro, mulheres sem idade, vejam como estão bonitas!”. Ou mais ainda, me incomoda que só se fale de quão fantásticas estamos aos 50 como uma maneira de continuar enaltecendo a juventude. O verdadeiramente relevante são os estilos de vida e os fatores socioeconômicos porque, então, uma mulher sudanesa com seis filhos, já idosa aos 40 não incorporamos neste debate, não? E uma mulher de etnia cigana que aos 40 é avó e aos 50, bisavó, tampouco? Definitivamente minha idade não me define nem diz nada de mim a não ser o momento em que nasci. Mas isso é o que eu penso não o que pensam as empresas que buscam milennials.”
O discurso de Fernández, Gómez e Arruti é um choque frontal com uma realidade econômica e profissional menos encantadora. Mas cabe esperar que algo mude depois de se recolher os pedaços quebrados. Se empresas como a Amazon e a Netflix triunfaram segmentando por comportamentos e estilos de vida, em vez de critérios como idade, não é porque acreditem que seja justo e sensato fazer isso, mas porque é oportuno, tal como mostram as cifras do texto de The Telegraph: 96% das mulheres de mais de 40 anos não se sentem de “meia idade”; 80% acreditam que os pressupostos da sociedade sobre as mulheres de meia idade não representam suas vidas; 67% se consideram em sua plenitude de vida; 84% dizem que não se definem por sua idade e 91% não acreditam que os anunciantes as entendam. Se são os únicos que estão atentos, o que esperam para tentar?
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