A violência já tinha extrapolado o ambiente doméstico e começava a atingir a professora Taise Campos, 39, também fora de casa.
(UOL, 12/07/2017)
(UOL, 12/07/2017)
Foi o medo de morrer que a levou até uma delegacia em Boa Vista, onde mora, para registrar uma queixa contra o ex-marido. Ela já estava divorciada do homem com quem havia sido casada por 15 anos quando recebeu dele uma mensagem de celular.
“Você não é blindada. Pode levar 5, 10 ou 15 anos, mas um dia eu vou te matar”, ela diz sobre o conteúdo da ameaça. “Ele era muito violento, eu temia pela minha vida.”
Foram muitos anos de ataques verbais e, às vezes, físicos. “Ele nunca me deu um soco, mas me chutava e empurrava, na frente dos dois filhos [com 15 e 11 anos hoje]. Eu tive coragem de denunciar quando pessoas fora da minha casa começaram a ter medo também. Ele invadia meu trabalho e, quando eu chegava lá, ele estava dentro da sala de aula, sinalizando que estava armado”, ela conta à reportagem do UOL sobre um episódio em 2011.
A partir de então e até o fim de 2016, a professora foi perseguida e ameaçada muitas outras vezes, segundo relata. O ex dizia que ela tinha outros homens, “ficou obcecado por mim”. São ao menos 15 boletins de ocorrência (BOs) registrados contra seu agressor.
Moto incendiada e prisão domiciliar
Quando o ex-marido de Taise incendiou uma moto em frente à casa da professora – -que já tinha uma medida protetiva da Justiça determinando que ele não deveria se aproximar dela–, sua prisão domiciliar foi decretada. Mas ele usava álcool abusivamente e violou as regras.
“Psiquiatras que o atenderam pediram para a família dele me avisar que eu estava correndo perigo”, afirma.
Até hoje, a professora não conseguiu que seu ex-marido, um oficial de Justiça agora aposentado, fosse punido pelos crimes que cometeu. Chegou a ouvir de uma delegada de polícia, em uma das muitas vezes que procurou ajuda em uma delegacia, a seguinte pergunta: “O que você fez para esse homem te perseguir desse jeito?”. E de um promotor de Justiça que ela deveria “orar, porque só Deus para resolver”.
Após descumprir as condições de sua prisão domiciliar, o ex-marido de Taise passou 45 dias na cadeia e aceitou ficar internado por oito meses em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. Logo que foi liberado, começou tudo de novo.
Em 2014, a Justiça determinou que ele se mudasse de Estado para garantir que manteria distância.
Há seis meses, de novo rondando na vizinhança
O boletim de ocorrência mais recente foi registrado por Taise em dezembro de 2016. O motivo: o ex-marido, residente de Rondônia, como exigido pela Justiça, foi visto circulando na vizinhança do bairro onde ela vive com os filhos.
“Eu sou refém dessa situação, a qualquer momento ele pode aparecer. Depois de todo esse tempo, não aconteceu nada com ele.”
Taise Campos, professora, vítima de violência doméstica
“Eu sou refém dessa situação, a qualquer momento ele pode aparecer. Depois de todo esse tempo, não aconteceu nada com ele.”
Taise Campos, professora, vítima de violência doméstica
No desenrolar da ação que a professora move contra o ex, ele alegou problemas de sanidade mental. No segundo semestre do ano passado, foi declarado “inimputável”, ou seja, não pode responder criminalmente por seus atos.
Além disso, o crime pelo qual seria responsabilizado –ameaça– prescreveu, o que significa o fim do prazo para Taise acusá-lo.
“É como se fosse eu que estivesse na prisão. Eu me sinto muito exposta, como se minha vida estivesse passando na TV para todo mundo ver. Todo mundo tem que saber o que está acontecendo comigo, se eu cheguei na hora marcada, onde exatamente estou. Não é possível que ele esteja sempre em surto quando me ameaça…”
O processo corre em segredo de Justiça e a defesa da professora tenta reverter a decisão de prescrição do crime. Os danos à sua saúde, ela diz, foram muito além dos ataques verbais e por mensagem.
Quando questionada sobre o esperado mal-estar de recontar sua história, ela responde: “Hoje, não me incomodo mais. Até três anos atrás, eu ainda me sentia muito mal em falar sobre isso. Mas ficou no passado. Não há esperança sem lutar”.
O Estado onde mais mulheres são assassinadas no Brasil
Taise Campos passou por situações em que se sentiu desamparada e humilhada quando procurou ajuda das autoridades em Boa Vista. Ela é uma das 31 mulheres entrevistadas pela Human Rights Watch (HRW), ONG internacional de defesa dos direitos humanos, sobre violência doméstica e o alto número de homicídios de mulheres em Roraima.
“O depoimento na delegacia não é feito em sala reservada”, ela critica. “Só tem uma Delegacia da Mulher e só funciona em dia de semana. A gente se expõe muito no atendimento, tem que repetir toda aquela história de violência. Eu me sentia envergonhada, a atitude [de quem recebe a denúncia] é muito machista.
O que a professora descreve é apontado pela HRW como um incentivo a um “clima de impunidade”. De acordo com César Muñoz, pesquisador da ONG e autor de um relatório divulgado em junho de 2017, isso permite ao homem agredir e até matar a mulher, porque “nunca dá em nada”.
“Enquanto tivermos essa situação em que não há penalização [do agressor], tudo pode ser feito contra a mulher.”
Taise Campos, professora, vítima de violência doméstica
Taise Campos, professora, vítima de violência doméstica
Com 515 mil habitantes, o Estado de Roraima é o mais letal para mulheres no Brasil, segundo o Atlas da Violência 2017. A publicação, organizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), é uma coletânea dos dados oficiais mais atuais sobre segurança pública, com informações até o ano de 2015.
Enquanto a média brasileira de assassinatos ficou em 4,4 a cada 100 mil mulheres, em Roraima, 11,4 a cada 100 mil mulheres foram mortas em 2015 (aumento de 139% em um período de cinco anos).
O Estado esteve na primeira posição do ranking também nos dois anos anteriores: em 2014, com 9,5 homicídios a cada 100 mil mulheres; e em 2013, com 14,8 homicídios por 100 mil mulheres –esta é a taxa mais alta no Estado a partir de 2005 e também a maior no país desde então.
Gabriela Fujita
Agência Patrícia Galvão
Agência Patrícia Galvão
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