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sábado, 15 de julho de 2017

Não há nada de 'feminista' na defesa da pornografia

Nas décadas de 1970 e 1980, as feministas da "segunda onda" identificaram claramente a pornografia como a objetificação e subordinação sexual das mulheres.

 12/07/2017
Caitlin Roper
Ativista do Collective Shout: por um mundo livre de exploração sexual.

Como disse a ativista Rachel Moran, sobrevivente do comércio sexual, "não existe hoje nem nunca existiu um argumento feminista em defesa da conversão das mulheres em objetos comerciáveis".

Deveria ser evidente que, como feministas – pessoas que defendem um movimento social e político que busca libertar as mulheres da opressão masculina --, discordamos dos meios de comunicação e das instituições que brutalizam mulheres para o prazer de homens. Não deveria ser muito controverso dizer isso. Mas, hoje em dia, as feministas que criticam a pornografia se deparam com uma resposta mais ou menos padrão:

"Por que? Qual é o seu problema com o sexo?"

O fato de que qualquer objeção a materiais pornográficos seja caracterizada como puritanismo antissexual ilustra como a indústria pornográfica é eficiente em alinhar seu produto com a libertação sexual, e não a exploração sexual. Os pornógrafos conseguiram pegar atos de dominação, crueldade e violência e chamá-los de sexo. A indústria pornográfica permeou tão completamente nossas noções sobre sexo e sexualidade que até mesmo algumas mulheres que se identificam como feministas abraçam a pornografia, vendo-a como algo empoderador.

Nas décadas de 1970 e 1980, as feministas da "segunda onda" identificaram claramente a pornografia como a objetificação e subordinação sexual das mulheres, mobilizando-se contra cafetões e pornógrafos. Agora, poucas décadas mais tarde, feministas liberais promovem a pornografia como algo progressista, libertador e que é a escolha da mulher. As análises críticas da pornografia publicadas em veículos populares de mídia feminista se limitam, na maioria, a dizer "faça o que te dá prazer", incentivando as mulheres a incorporar a pornografia em seus relacionamentos íntimos e ainda se darem um tapinha nas costas por serem tão abertas e descoladas.

Falta, porém, qualquer análise significativa dos impactos da pornografia sobre as mulheres como um todo e de como as mulheres são prejudicadas na produção e no consumo de pornografia. Por exemplo, o que a pornografia significa para as mulheres, coletivamente, em termos de seus relacionamentos íntimos, das oportunidades para as mulheres, da conquista da igualdade de gênero, quando a forma dominante de educação sexual nos retrata como um mero conjunto de buracos a ser usados pelos homens?

Isso é progresso, por acaso?

É impossível encarar a realidade da pornografia e concluir que ela avança o status das mulheres. A pornografia mainstream é dominada por atos de violência sexual, em sua grande maioria cometidos por homens contra mulheres. Os atos sexuais comumente mostrados na pornografia incluem sexo oral em que o homem obriga a mulher a engasgar, sexo anal heterossexual, ejaculação em cima do rosto e dos seios da mulher, penetrações múltiplas. As mulheres são tratadas como vadias, putas, vagabundas e "buracos para se gozar dentro" por homens que violam seu corpo para o prazer de outros homens que assistem às imagens em casa.

A pornografia diz que a mulher existe para ser usada sexualmente pelo homem, que é normal que a mulher seja tratada como vagabunda, que seja degradada e maltratada, e que tanto homens quanto mulheres sentem prazer na degradação sexual das mulheres. Que justificativa pode existir para esse tratamento dado às mulheres?

Os defensores da pornografia dizem que as mulheres escolhem participar da violência sexual filmada que é a pornografia e que, portanto, se mulheres consentem com violência sexual ou são pagas para se submeter a ela, esses atos não podem mais ser categorizados como violência sexual. Sendo assim, os homens podem continuar a lucrar e sentir prazer sexual na violência e humilhação sexualizadas de mulheres, sem precisarem sentir vergonha disso. Como argumenta Robert Jensen em The End of Patriarchy, a defesa baseada no argumento da "escolha" permite que homens e algumas mulheres evitem se fazer perguntas incômodas, "desviando qualquer chamado a uma autorreflexão crítica sobre seu uso de pornografia".

Mas mesmos os conceitos de escolha e consentimento (se é que existem de maneira significativa) não tornam magicamente desnecessária a análise crítica. Eles não convertem uma indústria construída em cima do sofrimento humano em um empreendimento ético. Por acaso devemos acatar o argumento de que a exploração de trabalhadores miseráveis em condições inumanas não é problema, porque algumas pessoas com opções muito limitadas "optam" por trabalhar nessas condições? Por acaso podemos afirmar que a instituição da escravidão possui mérito porque nem todos os escravos se sentiam explorados? Ou dizer que existem mulheres que simplesmente merecem ou escolhem ser violentadas?

A confusão proposital entre pornografia e libertação sexual permite que aqueles que usam ou lucram com a pornografia silenciem as vozes dissidentes. Se a pornografia representa a liberdade sexual, então a oposição a ela deve ser vista como argumento a favor da repressão sexual. As feministas liberais que apoiam a pornografia se deixaram convencer por essa mentira, confundindo libertação sexual com libertação feminina. Como observou Sheila Jeffreys, a liberdade sexual completa dos homens para dominar e maltratar mulheres sob a égide do "sexo" não é libertadora para as mulheres.

Em qualquer outro meio de comunicação, conteúdos violentos, sexistas e racistas, como os que são típicos da pornografia mainstream, seriam recebidos com indignação, mas na pornografia esses conteúdos são aceitos porque qualquer exame ou análise de práticas sexuais é equacionado à repressão. As mulheres que levantam a voz para falar da realidade da pornografia são escarnecidas abertamente e ironizadas por feministas liberais que, sem se dar conta disso, estão fazendo o trabalho dos pornógrafos por eles. Já testemunhei isso inúmeras vezes e já fui alvo disso também. Embora seja desanimador, não posso dizer que eu me surpreenda muito quando são homens que defendem a pornografia. Mas quando são mulheres, feministas "positivas em relação ao sexo" que nos dizem que "só precisamos de uma boa trepada", isso é arrasador.

Andrea Dworkin disse algo contundente a essas mulheres:

"Sejam elas quem forem, seja o que for que pensam que estão fazendo, o que mais se destaca nelas é que estão ignorando as mulheres que foram feridas para ajudar os cafetões que ferem mulheres. Elas são colaboradoras, não feministas. A liberdade das mulheres tem que ser mais importante para nós que a liberdade dos cafetões."

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost UK e traduzido do inglês.

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