Dal Marcondes 13/07/2017
Por Maria Helena Masquetti* –
Conforme amadurecemos, nossa noção de mundo se amplia, passando daquilo que nossa vista alcançava quando pequenos até chegar ao seu tamanho físico real. Com o decorrer do tempo, muita coisa muda em nossas vidas, mas o que vivemos e sentimos na infância não deixa de existir por isso. Válido para as experiências boas ou não.
“O mundo é maravilhoso!” ou “O mundo é ruim!” são exclamações comuns de se ouvir, mas que, muitas vezes, podem não referir somente ao mundo presente e, sim, àquele que esteve um dia bem próximo de nós e com o qual interagíamos. Um mundo restrito, mas que falava com a gente e com o qual também podíamos falar. Ou, na pior das lembranças, um mundo onde só ele falava sem se importar com o que se passava com a gente. Quem associou com o que o marketing faz hoje com nossas crianças, o fez com razão.
Assim, o mundo para as crianças não chega a ser muito maior do que o espaço que engloba sua casa, sua família, seus vizinhos e a escola. Caso nos esqueçamos disso de vez em quando, é importante ter em mente que o marketing nunca esquece, além de pesquisar continuamente para saber como as crianças percebem o seu entorno. Basta observar alguns comerciais dirigidos à infância onde um grupo de três ou quatro crianças, usando certo produto, é suficiente para justificar o apelo final do filme: “Todo mundo está comprando, todo mundo está usando, só falta você!”. Considerando que as crianças acreditam no que ouvem e veem, aquelas poucas crianças do comercial representam mesmo todo o mundo para elas. E é esta convicção que leva tantas crianças ao desespero enquanto suplicam que os pais lhe comprem o objeto anunciado.
“Todo mundo tem celular, só eu que não!”. Embora este tipo de queixa seja muito comum entre as crianças e adolescentes, uma família não consumista em sintonia com a escola, e vice-versa, pode mostrar aos pequenos que esse “todo mundo” está, isto sim, pintando, criando, lendo, correndo, explorando espaços e brincando lá fora em lugar de se prostrar diante das telas.
Se as crianças puderem observar, por exemplo, que, na comunidade da qual fazem parte, todos usam os calçados que julgam mais confortáveis independentemente de marcas ou modelos, não terão porque sofrer tanto se não puderem ter um tênis de marca. Se, na escola, todas as crianças consumirem sucos naturais e as cantinas oferecerem alimentos saudáveis, elas não estarão expostas à estratégica tentação visual das tranqueiras e refrigerantes.
Embora refletir sobre isso não tenha sido suficiente para inibir as ações do marketing infantil, pode, no entanto, ajudar os pais, os responsáveis e as escolas a confiar no quanto a comunidade unida e os exemplos saudáveis que podem dar são seus melhores aliados na educação das crianças.
“Mas, e quando a criança crescer e passar a interagir com o mundo em sua real dimensão?”. Quem já ouviu a frase: “A primeira impressão é a que fica”, pode considerá-la válida também para esta primeira noção de mundo que as crianças têm. O modo como ela percebia seu mundo é o que prevalece. É muito mais fácil para um jovem se sentir aceito em seus grupos e resistir à compulsão consumista quando esteve protegido do assédio comercial até amadurecer para compreender e julgar as manobras de vendas.
Aprendendo com a vida no campo, quando o broto de café se torna um pequeno arbusto, o agricultor já não precisa cuidar dele como nos primeiros dias, porque suas raízes já se fincaram no solo, tornando-o mais resistente às intempéries e aos ataques daninhos. Assim também, em lugar de desejar tantas coisas pela indução do marketing, nossas crianças precisam justamente ser protegidas dele até que possam construir melhor sua identidade. Depois disso, serão escolhas feitas por pessoas mais seguras e provavelmente melhor convencidas, pela experiência grata da infância, de que o mundo todo pode ser mais feliz sem a pressão do consumo.
(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.
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