curadoria | julieta jerusalinsky
módulo gravado no mês de junho de 2017:
A infância frequentemente é idealizada como um momento idílico da vida e a criança como alguém cujo único compromisso seria com o gozo de viver. Mas, a infância – ao caracterizar-se pelo crescimento, maturação desenvolvimento e constituição psíquica – implica um intenso trabalho da criança para situar-se e construir o seu vir a ser diante do outro familiar, escolar e social.
Daí que, mesmo com todas as legislações que protegem a infância, deparemos com o fato de que as crianças, tais como a infantaria de um exército, estão expostas na linha de frente dos impasses produzidos pela cultura e sociedade de cada época, diante dos quais elas tentam produzir respostas, se ocupando e se preocupando com aquilo que as cerca. Por isso é relevante escutarmos as respostas que as crianças têm produzido diante dos ideais e sintomas sociais de nossos tempos.
Vivemos tempos da virtualidade das relações. A web e a internet que, por um lado possibilitaram uma democratização do acesso à informação, também têm sido instrumento da sociedade pós-fática, na qual os acontecimentos que permeiam as notícias importam menos pelo seu compromisso com a verdade do que com o escândalo que causam; se por um lado possibilitam trocas simbólicas com aqueles que geograficamente estão longe, ao mesmo tempo, incrementam os dispositivos da sociedade de controle, de formações narcísicas do “parecer” e nos linchamentos virtuais produzidos nas redes sociais em uma gangorra entre a fama e a difamação; se por um lado permitem sustentar relações, por outro são instrumentos da supressão de bordas entre o público e o privado e entre o tempo de trabalho e de lazer, já que a exigência de estar permanentemente on-line traz como consequência um convívio no qual as pessoas passam a estar de corpo presente, mas, muitas vezes, psiquicamente ausentes, olhando cada um para sua janela virtual. Isso tem desencadeado intoxicações eletrônicas em pequenas crianças que ficam capturadas nas telas de seus gadgets eletrônicos, em lugar de entrarem em relação com os outros. Crianças um pouco maiores, por sua vez, passam a ter acesso a conhecimento supostamente pleno ao alcance de um clic no Dr. Google, mas, frequentemente carecem de ter com quem compartilhar as experiências para produzir um saber-viver singular.
Diante das transformações familiares, tais como uma menor estabilidade do laço conjugal, as crianças passam a circular entre casais separados com guarda compartilhada e famílias compostas por novos casamentos em que os filhos de cada um dos pais passam a ter o lugar de irmãos adquiridos tardiamente. A definição de família deixa de ser a composta pela prole de um casal heterossexual e passa a ser estabelecida por casais gays, com prole adotiva ou composta a partir de técnicas de fecundação. No entanto se bem isso produza a necessidade de elaboração psíquica por parte das crianças, bem sabemos que o tradicionalismo familiar nunca foi garantia de saúde psíquica e torna-se central colocar em relevo a maternidade e a paternidade como exercício de funções que pode ser realizada por diferentes agentes, assim como garantir os direitos sociais dos membros que pertencem a famílias com diversas configurações.
A polarização nos posicionamentos políticos tem sido vivida na atualidade, não como uma discussão necessária ao exercício da cidadania, mas atuada como rivalidade. Curioso resulta que, simultaneamente a isso, nas histórias infantis contemporâneas se suavizem tanto as manifestações do mal. Desde personagens como o lobo mau até musicas infantis ganham versões tais como “não atire o pau no gato” apresentando sua cínica faceta do politicamente correto, enquanto a realidade parece ser lida em um total maniqueísmo e vividas em uma total intolerância com o diferente. Desse modo deixam de se oferecer para as crianças os elementos simbólicos que lhe permitem alguma elaboração, enquanto uma crueldade cada vez mais deslavada parece impor-se diante de perdas de direitos humanos com crianças refugiadas, imigrantes ou filhos de minorias, tais como sociedades indígenas.
Estas questões colocam em relevo a importância de que seja possível às crianças terem acesso a narrativas que historizem as experiências de gerações anteriores, recuperando-as, não de modo idealizado, mas como testemunho de possibilidades e impasses vividos em outros tempos, considerando que os desafios de cada geração não são equivalentes aos da anterior, mas que justamente por isso tornam necessária uma transmissão com lugar à invenção.
02/06 | sex | 19h
Intoxicações eletrônicas na primeira infância
com Julieta Jerusalinsky, psicanalista
A virtualidade traz o ganho da dissociação do corpo. Mas como considerar esta dissociação em um tempo em que ainda o bebê não produziu tal apropriação? Abordaremos os impasses apresentados na constituição dos bebês e das pequenas crianças diante do modo de relação produzido na era virtual.
09/06 | sex | 19h
Infância e memória
com Antônio Prata, cientista social e escritor
A infância deixa marcas indeléveis a partir das quais cada um se torna quem é. Apesar de que muitas delas caiam na amnésia infantil, continuam vividas em nós. Fazer o exercício de recordar ajuda-nos a elaborar. Transmitir o vivido como uma experiência não idealizada à geração seguinte é decisivo para não condena-la a repetir.
23/06 | sex | 19h (a palestra não aconteceu e está reagendada para 12 setembro)
Infância e novas configurações familiares
com Maria Rita Kehl, psicanalista e escritora
As configurações familiares passam por transformações ao longo de cada época, exigindo modificações de sua inscrição jurídica. As famílias tentaculares da atualidade produzem novas questões às crianças que devem ser escutados considerando, ao mesmo tempo, que o tradicionalismo parental nunca foi garantia de saúde psíquica.
30/06 | sex | 19h
Infância e política
com Ilana Katz, psicanalista
O lugar que as crianças ocupam na cidade é uma experiência política que elas fazem na condição de participantes do laço social, sofrendo os efeitos do lugar simbólico que lhes é reservado, do tempo em que vivem e das formas e modos de laços dispostos em seu circuito social. E é sob este contexto que se tecerá sua subjetividade e sua participação na polis.
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