Por Dal Marcondes, da Envolverde –
10/08/2017
Na mídia crianças são aquelas que brincam atrás das grades da cidade e fora delas estão as sombras de menores que transitam entre realidades que aprofundam as desigualdades
O Brasil é um campeão mundial em desigualdade. E isso não se manifesta apenas nos indicadores de qualidade de vida, de IDH ou de distribuição per capita da renda. Os mais hediondos indicadores não são apresentados diretamente pelas estatísticas, mas sim pela dura realidade nas periferias urbanas brasileiras onde jovens negros e pobres são sistematicamente massacrados ou por relações sociais desestruturadas, pela determinante de vida que é o crime, ou pela brutal repressão policial. Um adolescente negro de periferia disse a uma assistente social: “tia, minha vida, meu futuro, vai ser escrito com C, Cadeia, Cadeira (de rodas) ou cemitério”.
Os jovens de anúncios de margarina ou de jeans da moda não são o modelito que se encontra em famílias que a classe média urbana considera “desestruturadas”, com o pai preso ou morto, a mãe viúva ou com companheiro que não é o pai, e crianças que enfrentam filas e agonias, desde o nascer, para quase tudo. Do Estado tudo o que vem é tratado como se fosse uma filantropia, uma esmola da parte rica da sociedade para a maioria esmagadora de carentes.
Na mídia a infância e a juventude têm dois pesos. Crianças são aquelas que brincam nos playgrounds dos prédios de apartamento, atrás de grades que impõem limites de fora para dentro. Aquelas figuras maltrapilhas que incomodam com seus descabidos pedidos por ajuda, dinheiro ou comida, que colocam em risco a “segurança pública”, essas são menores, problemas mais policiais do que sociais. Na mídia só há dois tipos de infância, a do comercial de margarina e a dos “menores infratores”, criminosos que, se ainda não são, serão.
Nas rodas dos privilégios os filhos são protegidos por redomas que os afastam do convívio com a diversidade, com a pluralidade, que os obrigam à convivência com seus “iguais”. Escolas pagas para garantir que não haverá contaminação, que a pobreza, tal qual praga, não se aproximará e corromperá os pequenos príncipes e princesas.
Essa desigualdade se alastra pelo país e a atitude das famílias expressa apenas o consenso socioinformativo de mídias que propagam em programas e novelas um padrão estético que deve ser o “aceitável” para pessoas de bem, enquanto nos noticiários mostram o caos que “as populações pobres” instalam em seus espaços, com criminosos que destroem escolas, se matam em confrontos entre suas quadrilhas e com a polícia, que constroem suas casas sem qualquer senso estético ou de estilo.
A pobreza é criminalizada. As manchetes estampam que “pessoas de bem” erraram o caminho e são mortas nas comunidades. Antros de bandidos onde as crianças são apenas “soldados” do tráfico e do crime. Ao Estado sobra a tarefa de reprimir, de prender e matar, sob o olhar cúmplice de uma sociedade que deseja mais armas, mais prisões, redução da maioridade penal e o fim do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Impor a “meritocracia” a crianças que nascem sem o mínimo de seus direitos à vida, à educação, à saúde e ao afeto assegurados é o mesmo que comparar o desempenho de macacos e jabutis em competições para subir em árvores. Ao Estado caberia a missão de assegurar a equiparação de direitos, com garantias mínimas de acesso a direitos universais, como água, saneamento, alimentação, habitação, saúde e educação. Mesmo que isso seja feito sob o risco de ser acusado de “dar sustento a vagabundos”.
O combate à desigualdade não pode ser apenas uma missão de governos, deve ser uma tarefa para toda a sociedade a partir de uma visão de futuro onde o desenvolvimento depende de uma juventude capaz de buscar caminhos para a reestruturação de um futuro onde tudo está por se inventar. Mas não há um futuro possível sobre o campo minado da desigualdade, onde a falta do diploma é suprida pelo fuzil! (Envolverde)
Dal Marcondes é jornalista com especialização em economia a em sustentabilidade, é diretor do Instituto Envolverde e reconhecido como Jornalista Amigo da Infância pela Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI).
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