Tim Vickery
Colunista da BBC Brasil*
Colunista da BBC Brasil*
- 25 agosto 2017
No mês passado, eu me tornei um tipo estranho de avô - uma das minhas enteadas deu à luz pela primeira vez. Agora, de uma certa maneira, eu tenho um neto.
Olhando de uma perspectiva masculina, o processo de gravidez parece uma inconveniência sem tamanho. Mas ela adorou - e me contou uma coisa que já ouvi de várias mulheres: ela gostava de estar grávida porque se sentia importante.
É uma declaração ao mesmo tempo tocante e preocupante. Tocante porque é uma homenagem ao milagre da vida. Preocupante, numa visão mais ampla, por causa do contexto social.
Uma das grandes medidas de uma sociedade são as oportunidades que ela oferece para suas mulheres - as chances de elas exercerem outras coisas na vida além do papel doméstico. Qualquer sociedade que não faz isso larga com uma desvantagem tremenda, desperdiçando de cara 50% ou mais do seu potencial.
Se, entre outras opções, a mulher quer ter filhos cedo, perfeito. Mas se ela não tiver outras opções que não essa, temos um problema que pode se tornar algo grave.
"Ninguém quer tratar da natalidade", declarou o excelente e sábio médico Drauzio Varella em uma entrevista recente. "Mais da metade da natalidade brasileira vem das classes D e E."
Isso em si não é necessariamente um problema, mas se torna um dentro da realidade do país. "Nasce hoje", diz Varella, "uma massa de crianças que encontrará escolas de má qualidade, habitação inadequada, estrutura familiar desorganizada e que conviverá com pessoas sem estudo. É uma guerra perdida. A desigualdade só vai piorar".
Podemos adicionar mais dois fatores.
Um é global: o capitalismo está em uma fase perigosa. É sempre instável, e a inquietude do sistema é um dos seus pontos fortes. Sempre destruiu meios de vida, mas historicamente os substituiu com empregos que pagam mais do que os antigos.
Agora, pela primeira vez, isso não acontece. A revolução digital simplifica e barateia a produção, destruindo valor porque não precisa de tanta gente. Como, então, o mercado de trabalho vai absorver essas pessoas?
O segundo fator é local: o avanço da precariedade dos postos de trabalho. A reforma trabalhista foi comemorada pelo setor empresarial brasileiro, agindo com uma miopia preocupante, privilegiando facilidades no curto prazo sobre a estabilidade no longo.
Uma consequência das mudanças é que mais jovens mulheres das classes D e E serão relegadas à precariedade, a empregos não somente de baixa renda, mas sem garantias de horários e sem qualquer vínculo fixo.
Elas vão formar um exército de reserva de mão de obra, para serem aproveitadas ou abandonadas conforme as circunstâncias.
A mulher de classe média consegue se proteger disso, investindo em estudos ou treinamento para se desenvolver profissionalmente. A jovem das camadas mais modestas não tem as mesmas chances.
Ela busca a própria identidade, uma forma de se afirmar, de dar sentido à vida - e, em muitos casos, na ausência de opções, a biologia vai ganhar.
Ela vai engravidar - é um modo de se sentir importante.
Já que não se pode, e nunca se deve, negar a ela esse direito, resta somente uma saída: uma restruturação social de tal maneira que os benefícios e a capacidade produtiva de uma economia moderna ficassem ao alcance de todos.
Vai ser o grande desafio que a geração do meu recém-nascido neto, e dos netos dos outros, terá que enfrentar.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.
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