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terça-feira, 7 de agosto de 2018

Por que os direitos das mulheres devem ser pauta central na agenda de discussões políticas no Brasil?

6 de agosto de 2018
Quando o País se encontra em um caos político, com uma série de direitos sendo retirados, além das ameaças de projetos políticos que retrocedem ainda mais nas conquistas ditas democráticas que culminaram com a Constituição de 1988 , muito se comenta acerca de quais direitos são os mais urgentes de serem resguardados, como se um ou alguns mereçam, antes dos outros, serem colocados no bote salva vidas. Em realidade, mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, na dita redemocratização, alguns direitos específicos deixaram de ser discutidos e previstos pela constituinte, tais quais os direitos de populações vulneráveis como mulheres, população lgbti+, negras e negros, imigrantes, refugiados, entre outros.

Há quem diga que todos esses direitos estejam previstos de forma genérica nos preceitos fundamentais da CF/88, ou em suas cláusulas pétreas. Mas, de nenhuma maneira, o preceito da igualdade entre homens e mulheres, por exemplo, determinou mecanismos explícitos e necessários para transformar essa igualdade em equidade, de forma a considerar a promoção da igualdade dentro da diferença [1]. Nem mesmo a legislação infraconstitucional cuidou da efetivação dessa igualdade. Apenas em 2006 a Lei Maria da Penha surgiu após uma condenação do Brasil na Corte Interamericana, por omissão com relação aos direitos das mulheres. Ainda assim, infelizmente a Lei Maria da Penha não tem sido suficiente para promover a igualdade entre homens e mulheres, além de ter reduzido muito pouco os índices de violência. Portanto, as diferenças que relativizam gênero [2] são sentidas no cotidiano das mulheres em quaisquer esferas de suas vidas. Tanto em questões de foro íntimo (sexualidade, direitos reprodutivos) quanto em questões coletivas (raça, trabalho, educação, saúde, segurança). As mulheres encontram-se, portanto, em constante ameaça de violação de direitos, cada vez mais vulneráveis a ofensas à sua dignidade.
Como se não bastasse a população feminina brasileira superar a masculina em números, ainda assim, muitos privilégios (que deveriam ser direitos distribuídos de maneira equânime) acabam por beneficiar homens, mais ainda os brancos e heterossexuais e, entre as mulheres – mas ainda muito menos do que os homens, as brancas e advindas de classes sociais as quais lhes proporcionem oportunidades que o Estado não proporciona para todas as mulheres (mesmo quando deveria). Nesse sentido, mulheres que ainda sofrem as marcas de um país escravocrata e patriarcal acabam por ser a parte mais vulnerável da sociedade; aquela que é esquecida, ou a qual os status quo político e jurídico considerem ser insignificante, indesejável ou até mesmo inconciliável com seus projetos políticos, considerando todas as esferas de poder estatal.
Todavia, mesmo que insignificante ou indesejável, o status quo se vale da vulnerabilidade feminina para, a partir da inobservância de seus direitos, produzir e reproduzir: bens, valores, população. Em troca, muitas vezes, de salários irrisórios, inferiores aos dos homens, ceifando-as de sua autonomia, de saúde física, mental, dignidade sexual, quando não de suas vidas. Os direitos das mulheres têm sido, pois, moeda desvalorizada no câmbio político e jurídico chefiado pelo patriarcado branco.
A partir dessa introdução, é possível pensar porque todos os ramos dos direitos sociais perpassam pela garantia dos direitos das mulheres: (1) direito à educação: para garantir o acesso à educação de muitas crianças, é necessário que se pense também em suas mães. Antes de tudo, garantir a educação, formação e profissionalização das mulheres contribui diretamente para a educação de seus descendentes. Além disso, para crianças poderem ir à escola, suas mães devem ser assistidas de alguma maneira pelo Estado. Seja com creche, transporte, assistência e previdência social, entre outros. Até mesmo o (2) direito de família, quando necessário decidir da guarda da criança ou de alguma forma interferir no poder familiar, é invocado como um dos pilares da sociedade, visto que estabilidade familiar também é fundamental no processo de desenvolvimento social.
(3) Quanto aos direitos trabalhistas, frente às recentes reformas, resta evidente que os trabalhadores restaram com seus direitos fragilizados, a ponto de tornar incertas garantias que antes possuíam. Para as mulheres, que não trabalham apenas em seus locais de trabalho, como também possuem o trabalho doméstico a seu cargo, que muitas vezes lhes resta como responsabilidade principal entre as pessoas residentes da casa, além do cuidado com os filhos pequenos, quando não portadores de necessidades especiais, o que acaba por requerer cuidado redobrado.
Culturalmente, na estrutura patriarcal em que está posta, os cuidados com crianças e filhos deficientes são relegados à mulher, visto que não raro os homens acabam não assumindo tal responsabilidade quando existe uma mulher na família, visto que, cuidar da casa e dos filhos ainda está institucionalizado na cultura patriarcal como função da mulher. Portanto, para que as relações de trabalho, já tão fragilizadas para as trabalhadoras, possam ser protegidas, os empregadores devem considerar as necessidades da mulher trabalhadora para que ela possa retornar diariamente ao seu lar, atendendo às suas necessidades e às de sua família, bem como que possa permanecer em seu emprego.
Salário equivalente ao de sua categoria profissional, previsão de licença gestante, licença maternidade, creches e escolas para crianças em tenra idade, intervalos intrajornada, férias, além de todos os direitos que a mulher trabalhadora tenha relacionados a seu posto de trabalho são substanciais. Nesse sentido, até mesmo adicionais de periculosidade, difícil acesso e insalubridade deveriam ser mais valorizados quando direcionados às mulheres, frente às exposições diárias a diversos tipos de violências as quais estão submetidas pelo simples fato de ser mulher.
(4) Proteção da mulher encarcerada: a recente previsão de prisão domiciliar para gestantes e mulheres com filhos até 12 anos [3] de idade incompletos, de um lado, é sensível à necessidade das mães poderem estar próximas de seus filhos, além de terem mais oportunidades fora do ambiente prisional de lhes oportunizar uma convivência familiar e social mais completa, proporcionada pelo fato de a mãe estar em seu lar, quando o possui, e não encarcerada.
Entretanto, a mesma reforma que pareceu ser generosa às mães por um lado, por outro, como ocorreu em um sistema patriarcal, aliviou a responsabilidade dos pais presos quanto a seus filhos de até 12 anos incompletos, condicionando a prisão domiciliar dos homens, nesse caso, ao fato de que não haja mais ninguém para cuidar da criança. Ora, tal reforma vem significar que, se a criança filha de um homem preso possui uma mãe, avó, tia ou qualquer outro membro da família para criá-la, o pai que está preso se vê eximido de suas responsabilidades paternais.
Perceba-se que a responsabilidade dos homens é colocada como subsidiária, e não solidária com as mulheres na criação e educação dos filhos. Isso explicita como o sistema jurídico pátrio ainda está atravessado pelo patriarcalismo, tendo em vista que delineia responsabilidades distintas para o homem e a mulher, muito embora a Carta Magna determine sua igualdade [4].
Isso reflete, inclusive, no direito à saúde. Com foco na saúde da mulher (física e mental), é possível afirmar que esse direitos e desdobra em tantos outros, como os sexuais e reprodutivos, o que reflete diretamente na saúde de seus filhos, especialmente com relação ao cuidado, visto que o sistema jurídico acaba por delegar essa função – em especial às mulheres –, mesmo que em seus preceitos gerais mencione ser responsabilidade da sociedade e da família. Ocorre que as responsabilidades da família ainda se encontram muito concentradas nas mulheres em todos os seus aspectos. Nisso também está envolvido o direito ao planejamento familiar, em decidir como e quando, de qual forma mais adequada para cada mulher e para cada realidade social, se possa decidir ter filhos ou não, bem como de que maneira os ter. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), abriu as discussões com representantes da sociedade civil na ADPF 442, nos dias 3 e 6 de agosto, a respeito da descriminalização do aborto.
Diante de tal realidade, os sistemas político e jurídico nacionais necessitam não apenas centralizar as pautas concernentes aos direitos das mulheres, bem como fazer um recorte interseccional da discussão. Isso significa que devem ser consideradas outras vulnerabilidades, mais além das de gênero nas discussões institucionais. A classe social [5] da mulher que se encontra em situação de pobreza e, por conseguinte, subjugada em seus direitos sociais pela vulnerabilidade econômica; além da questão do racismo [6] que perpassa a vulnerabilidade também de gênero, colocando as mulheres em uma posição social desfavorecida com relação às mulheres não negras. Ademais, importante considerar também a condição de exclusão social em que se encontram as mulheres trans [7]. No Brasil, apesar da recente vitória da desburocratização legal para adotar o nome social [8], ainda existem entraves práticos para tanto, além de ser um dos países que mais mata população trans no mundo.
Frente a todo exposto, torna-se evidente a urgência da centralidade dos direitos das mulheres nas discussões políticas e jurídicas no Brasil.

Amanda Rodrigues da Cruz é advogada, mestra em Direitos Emergentes na Sociedade Global pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e graduanda em ciências sociais pela mesma universidade

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