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segunda-feira, 13 de maio de 2013


O casal da cidade de Monte Santo (BA), Silvânia Mota da Silva e Gerôncio de Brito Souza, tiveram, em 2011, os cinco filhos afastados de seu convívio e entregues a famílias paulistas, que, de modo ilegal, conforme entendimento do Tribunal de Justiça da Bahia – TJ-BA, adotaram as crianças. Com a repercussão do que ficou conhecido como o caso das crianças de Monte Santo, os filhos de Silvânia e Gerôncio finalmente retornaram a sua casa em dezembro de 2012, após mais de um ano afastados de seus pais e irmãos, uma vez que os cinco foram adotados por dois casais diferentes.
Em fevereiro deste ano, a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que investiga o tráfico de pessoas ouviu o juiz Vitor Manoel Xavier Bizerra, responsável pelo processo de adoção, e a empresária Carmem Topschall, investigada por intermediar a transferência de crianças baianas para adoção no interior de São Paulo, acusação por ela negada. Atualmente, o caso de Monte Santo encontra-se em fase recursal e, segundo noticiado pela imprensa local, a família baiana vem sofrendo perseguições. Mais recentemente, o juiz Luiz Roberto Cappio, que determinou o retorno das crianças a seus pais biológicos, foi afastado pelo TJ-BA “por possíveis problemas de relacionamento e baixa produtividade do magistrado”, de acordo com a justificativa apresentada pelo Ministério Público da Bahia.
Após o afastamento de Cappio, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan – CEDECA, que defende a família de Monte Santo na justiça, divulgou nota esclarecendo que o ocorrido em nada altera a constatação de irregularidades no processo. “As ilegalidades presentes foram reconhecidas não apenas pelo magistrado afastado como também pelo Conselho Nacional de Justiça, pela Secretaria de Diretios Humanos da Presidência da República e pela CPI do Tráfico cujo presidente afirma existir nesta região uma rota de tráfico de crianças contando com a cumplicidade da estrutura judiciária baiana”, afirma a nota. O texto retoma, ainda, as irregularidades observadas no processo de adoção: ausência de contraditório e ampla defesa, uma vez que as guardas provisórias das cinco crianças foram deferidas em apenas 24h após a postulação; não observação do estágio de convivência, estudo e acompanhamento psicossocial, conforme determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; e a colocação em família substituta, uma medida excepcional, sem autorização dos laudos do Conselho Tutelar e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, que relataram situação de pobreza, mas nunca de abuso ou maus-tratos.
Sobre o processo e sobre a possível existência de rotas de tráfico de crianças no interior baiano, o VIA Blogconversou com Waldemar Oliveira, coordenador executivo do CEDECA Yves de Roussan.
VIA – Sob que alegações as crianças foram afastadas do convívio com os pais e que irregularidades foram observadas no processo de adoção?

Waldemar Oliveira – A principal alegação foi negligência dos pais, o que não foi comprovado. A própria diretora da creche dizia que eles eram bem tratados, que eram meninos pobres, mas que eram bem tratados e estavam sempre acompanhados pelos pais. Essa alegação dele [juiz Vitor Bizerra] foi derrubada. As alegações de negligência e de maus-tratos não se confirmaram. Ele [Bizerra] deixou de cumprir prazos, não ouviu o Ministério Público, deu a guarda em tempo recorde. Processos de guarda, mesmo que provisória, demandam algum tempo. Ele deu a guarda em tempo recorde, sem ouvir a mãe ou o pai.
VIA – E está se dando prosseguimento à investigação para verificar a existência de tráfico de crianças na região?

W.O. – A CPI do Tráfico esteve em Monte Santo acompanhada por deputados da Assembleia Legislativa da Bahia. A Polícia Federal também está agindo e fazendo esse levantamento. O fato é que esse é apenas um caso. Sabemos que, a partir daí, várias denúncias foram formuladas.

VIA – O que aconteceu não é, portanto, uma exceção, não é incomum que casos como esse aconteçam?

W.O. – Não, não é uma exceção. Há depoimentos de que ocorreram outros casos semelhantes a esse. Um líder sindical referiu-se a um avião que chegava a Euclides da Cunha, cidade vizinha de Monte Santo. Esse avião chegava de manhã e, de tarde, levantava voo geralmente levando duas ou três crianças. O problema é que eles não pegaram o número desses aviões ou o nome de quem estava neles. Houve, inclusive, um líder sindical ameaçado após denunciar esses casos de crianças sendo levadas da região sem se saber para onde. Ele terminou sendo ameaçado de morte. Tudo isso deve ter sido ouvido pela CPI ou pela Polícia Federal.

VIA – Podemos falar em rotas de tráfico de crianças não só na região como em todo o País?

W.O. – Sem dúvida. Mas não no caso específico das crianças de Monte Santo. Não podemos designar como tráfico de crianças, nos referimos a ele como adoção irregular. Mas, evidentemente, você deve considerar que havia uma intermediadora claramente identificada, que mora aqui próximo a Salvador, em uma cidade chamada Pojuca, que tem residência também aqui em Salvador, e que era contumaz lá na região, aliciando mulheres. Foi ela [Carmem Topschall] quem tentou aliciar essa senhora [Silvânia Mota da Silva] para que entrega-se a filha caçula. Diante da negativa da mãe de dar a filha, ela engendrou toda uma situação para que os outros quatro filhos também fossem levados. O que alguns de nós acreditamos é que houve aí tráfico de influência.
VIA –  O problema é que não há, na legislação brasileira, punição para quem intermedeia adoções.

W. O. – Não, não há. Parece-me que a CPI do Tráfico vai propor a criação de uma legislação específica sobre o tráfico. Nós estamos esperando, estamos esperançosos que isso ocorra. Foi anunciado durante a vinda da CPI do Tráfico que algumas propostas de lei seriam apresentadas envolvendo a questão, já que tem muita coisa ainda em aberto.

VIA – O fato do caso ter mobilizado a opinião pública favoreceu o retorno das crianças aos pais?

W.O. – A causa foi exitosa, não tenho dúvida, muito em função da mídia, que deu dimensão nacional ao caso. Não tenho dúvida de que isso contribuiu para um desfecho positivo.
VIA – Como o caso chegou ao conhecimento do CEDECA?

W.O. – Chegou ao CEDECA por meio de uma pessoa do Conselho Tutelar. Ela comentou esse caso com uma ex-funcionária do CEDECA, que então nos alertou. Ela nos contou sobre o que estava acontecendo em Monte Santo e nós entramos no caso como advogados, articulados com o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente e com o Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente. Compusemos esse grupo e, a partir daí, o CEDECA tornou-se advogado da família.
VIA – A rede de garantia de direitos teve um papel importante?

W.O. – Eu diria que houve uma falha do sistema de garantia. Nós só fomos tomar conhecimento do caso um ano e pouco depois. O sistema de garantia falhou, assim como falhou também o Ministério Público, que, nesse particular, também teve sua parcela de responsabilidade. Claro que a maior responsabilidade é do juiz que concedeu a guarda, mas acho que o Ministério Público podia ter uma posição proativa, já que precisava ter sido ouvido e não foi. O juiz decidiu, no final, sem ouvir o Ministério Público. Houve uma falha, sem dúvida, do sistema de garantia de direitos, o Conselho Tutelar falhou, o Conselho de Direitos falhou, deveria haver um CREAS ali. Houve falha e, por isso, o CEDECA pretende começar a fazer um trabalho, espero, já a partir do próximo mês, visando exatamente isso, a qualificação da rede de proteção.

VIA – O senhor considera a rede ainda frágil na maioria das cidades?

W. O. – Sim, é frágil como um todo. O sistema de garantia ainda deixa a desejar na maioria das cidades. Precisamos tanto qualificar como integrar, pois há falta de integração, ela não funciona como uma rede, os atores estão isolados e não se comunicam. O que o CEDECA pretende fazer agora é criar um sistema que possibilite exatamente essa intercomunicação.

 Bernard Vianna / VIA blog

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