Fábio de Oliveira
Do UOL, em São Paulo
Quando a gente se depara com uma menina de três ou quatro anos brincando com uma boneca, daquelas que lembram um bebê, não titubeia em pensar na existência de um instinto materno. Mas será mesmo que toda mulher já nasce preparada para se dedicar a um filho?
UOL Comportamento fez essa pergunta a três especialistas de diferentes áreas: uma antropóloga, uma psicóloga e um fisiologista. A argumentação de cada um deles é diversa, mas acaba chegando sempre à mesma conclusão: o instinto materno não existe.
A antropóloga Mirian Goldenberg diz que falar de instinto aprisiona as mulheres ao papel de mãe. "Elas também podem ser outras coisas", diz ela, que é professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Essa ideia, construída culturalmente, vem sendo demolida pelas transformações ocorridas no país nos últimos anos. "Cresceu o número de mulheres que não têm filho ou adiam a gravidez. Isso mostra que o instinto materno não existe", afirma a antropóloga.
Pressão interna e externa
De acordo com Mirian, as brasileiras começam a derrubar o mito de que só serão felizes se constituírem uma família. Mas há muita estrada pela frente. "Esses valores ainda estão muito introjetados nelas. As mulheres sofrem pressão interna e externa para terem filhos. Ainda não é uma escolha legítima".
As próprias mulheres questionam umas às outras: você não vai passar por uma experiência tão determinante? Até o mercado estimula a crença no instinto materno para aquecer as vendas em efemérides como o Dia das Mães. As que não desempenham esse papel se sentem deslocadas diante da enxurrada de propagandas para a segunda data mais importante do ano para o comércio.
"Imagine se isso aconteceria na Alemanha?", pergunta Mirian, usando como o exemplo o país que incentiva os casais a terem filhos, devido à baixa taxa de natalidade.
Comportamento adquirido, não instintivo
De acordo com a psicóloga Maria Luísa Castro Valente, da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), em Assis (SP), a maternidade, como outros comportamentos, é socialmente adquirida.
"A idade reprodutiva está se tornando mais tardia devido à inserção econômica feminina", diz Maria Luísa. "Vivemos em uma cultura na qual muitas mulheres têm contato com um recém-nascido pela primeira vez quando têm seu próprio filho".
Do ponto de vista biológico, o conceito de instinto materno também não encontra eco. "Essa ideia se baseia na existência de um conjunto de comportamentos inatos, que estariam prontos para serem desencadeados pelo estímulo, o recém-nascido", explica Aldo B. Lucion, que é professor de fisiologia do sistema nervoso na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Segundo Lucion, nessa concepção haveria um período específico para que o elo afetivo se efetivasse, ou seja, até alguns dias depois do parto. Depois desse intervalo, nada feito.
"As premissas do instinto materno não foram comprovadas. Esse conceito de padrões comportamentais fixos pode gerar muita ansiedade na mulher, especialmente com seu primeiro filho", explica o professor. "É muito comum a mãe ficar preocupada se está fazendo certo, como se houvesse um conjunto de condutas pré-estabelecido".
Influências ambientais
Em vários animais, inclusive no ser humano, a maneira de agir das mamães é flexível e extraordinariamente adaptada ao ambiente. Dessa forma, o instinto materno como um padrão pode levar à negligência na construção de um modo de interagir com o bebê.
"Essa interação com o filho é mais dinâmica do que outras relações afetuosas", afirma Lucion. Isso porque ele se desenvolve e se transforma rapidamente com o crescimento, requerendo que o vínculo seja naturalmente ajustável.
"O comportamento materno é biologicamente essencial e foi um passo evolutivo decisivo", explica o professor. Ter uma prole em pequeno número, que recebe alto investimento, diferencia os mamíferos de outras espécies, que contam com uma grande quantidade de descendentes sem nenhum contato mais próximo com os genitores.
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