Yasmine El Baramawy foi estuprada em novembro do ano passado enquanto protestava na praça Tahrir. Foram repetidas vezes e por dezenas de homens. Veja o depoimento que a egípcia deu a Marie Claire
por Graziela Salomão
YASMINE EL BARAMAWY DECIDIU NÃO SE CALAR E CONTOU SUA HISTÓRIA COMO FORMA DE AJUDAR OUTRAS MULHERES. "O ESTUPRO É UMA VERGONHA PARA O ESTUPRADOR, NÃO PARA O ESTUPRADO" (FOTO: ARQUIVO PESSOAL) |
As manifestações em massa no Egito trazem outra coisa além das pessoas nas ruas desde a derrubada de Mohammed Morsi. No começo de julho, uma nova onda de abusos sexuais atingiu, ao menos, 91 mulheres, de acordo com a organização Human Rights Watch. E uma delas teve coragem de revelar o que sofreu.
A musicista Yasmine El Baramawy, de 30 anos, decidiu se manifestar desde o início dos protestos que invadiram o Egito. Em 23 de novembro do ano passado ela estava na icônica praça Tahrir quando foi atacada por, pelo menos, 15 homens. Passada a raiva e o medo de andar nas ruas de seu país, ela decidiu contar o que aconteceu com ela. “O estupro é uma vergonha para o estuprador, não para o estuprado”. Leia o depoimento de Yasmine para Marie Claire.
“Participei dos protestos desde janeiro de 2011 pedindo por justiça social e liberdade. O protesto no qual fui atacada era contra a declaração constitucional fascista de Morsi, publicada no dia 21 de novembro. Claro que às vezes sentia medo do perigo, principalmente quando as forças de segurança ou os bandidos nos atacavam. Mas nunca imaginei que pudesse ser estuprada ali.
O ataque aconteceu de repente no meio do gás lacrimogênio. Um homem me agarrou dizendo que estava me protegendo. Fiquei em choque, mas não com medo. Também senti muita raiva, mas nunca tive medo. O ataque começou com 15 homens. Em seguida, dezenas deles me estupraram com as mãos ou com objetos pontiagudos, mas não com o pênis. Depois, rasgaram minha roupa. Um deles veio com um canivete por trás e me estuprou.
Não conseguia nem piscar porque estava completamente em choque. Por várias vezes tentei me livrar deles e lutava de volta contra as agressões. Não sabia como aquilo terminaria, mas decidi lutar até que alguma coisa, qualquer coisa, acontecesse. Ou eu morreria ou alguém conseguiria me salvar.
Fui levada para uma região distante e eles continuaram me estuprando. Nesse bairro, uma mulher e seus vizinhos perceberam o que estava acontecendo e me ajudaram. Ela me puxou para cima de um carro e os parentes e vizinhos dela lutaram contra os agressores.
A MUSICISTA DE 30 ANOS VAI CONTINUAR
PARTICIPANDO DOS PROTESTOS EM CAIRO
(FOTO: ARQUIVO PESSOAL)
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MARCAS NA ALMA
Por algum momento, desejei sair do Egito e nunca mais voltar. Esse sentimento permaneceu por alguns dias, mas depois desapareceu. Agora posso dizer quero ficar aqui. Depois de tudo o que aconteceu sei que fiquei mais forte e mais confiante. Claro que penso nisso a maior parte do meu dia, mesmo tentando não pensar, até porque isso se transformou em algo público e tirou essa chance de mim. Mas, contar essa história para outras mulheres me permite ir esquecendo o que aconteceu aos poucos. Tive medo de andar pelas ruas do meu país por um período. Só que andei até que esse medo fosse embora. Depois do que aconteceu, a forma que encontrei de me proteger é andar em pequenos grupos. Assim, posso continuar participando dos protestos. E, sim,vou continuar até o fim.
DIREITO DAS MULHERES
Os estupros no Egito durante as manifestações são uma forma clara de impedir o direito de as mulheres se manifestarem. Este crime acontece apenas na praça Tahrir e contra manifestantes anti-Morsi. É uma forma de assustar as mulheres e suas famílias para que não se juntem aos protestos. Isso arruína a imagem dos revolucionários.
Sei que me transformei em um exemplo quando decidi revelar minha identidade e o que aconteceu. Divulgar a minha mensagem sobre o estupro não é um erro. A vítima não pode sentir vergonha disso. A vergonha deve vir de quem o praticou. Acho que a verdade ajuda a entender o tamanho real do problema como uma forma de encontrar uma solução adequada para isso. Se não soubermos do problema, nunca estaremos aptos para resolvê-lo.
Se eu encontrasse os homens que fizeram isso comigo, não seria violenta como eles foram. Simplesmente conversaria com eles. Tenho muitas questões sobre as mulheres na vida deles e sobre o jeito de eles pensarem. Tenho muitas perguntas que precisam ser respondidas e a principal delas é “Por que vocês ficaram rindo de mim?”.
Se eu pudesse dizer algo para mulheres que passaram o mesmo que eu, diria que não se machuquem pelo que aconteceu simplesmente porque algumas pessoas doentes tentaram prejudicá-las. Elas são as vítimas, não você. Gostaria de dizer tanto para os homens, quanto para as mulheres, que o estupro é uma vergonha para o estuprador, não para o estuprado. Nunca fiquei com vergonha. Acredito que esse é o meu destino e eu o aceitarei.”
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