Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

terça-feira, 23 de julho de 2013

Amante & namorada

As palavras perderam todo o sentido. Namorada, noiva, amante, mulher... quem é o quê?

WALCYR CARRASCO
  
Em algum momento, as palavras mudaram de sentido. Estou consciente: vivo num mundo que gosta de mentir. As pessoas usam as palavras como uma espécie de verniz para amenizar as situações. A síndrome deve ter começado com os corretores de imóveis, que antes vendiam quitinetes e hoje anunciam lofts. Alguns, bem menores que as antigas kits. Ou descrevem como “espetacular vivenda” uma casa caindo aos pedaços, em algum lugar distante. Continuou com o mercado automobilístico – deixaram de vender carros usados para negociar “seminovos”. A cópia descarada de algum objeto virou “clone”. E a antiga e boa liquidação tornou-se “sale”. É igual, mas parece mais chique.

É na área dos relacionamentos que a hipocrisia mais me espanta. Até algum tempo atrás, namorada ou namorado era alguém com quem se estabelecia um relacionamento, com vistas a uma união estável. Noiva ou noivo já significava um compromisso maior. Marido e mulher eram isso mesmo, um casal. Amante era a outra, o outro. Simples assim. Claro que a palavra “amante” carregava uma carga de transgressão – e “namorada”, um tom bem mais inocente.

Começou-se então a usar “namorada” ou “namorado” em qualquer situação. Um homem casado pode ter mulher e namorada. As pessoas se acostumaram com a ideia. A imprensa caiu nessa. Recentemente, nas reportagens sobre Rosemary Noronha, ela foi chamada de “namorada” de Lula. Mas o ex-presidente é casado, e bem casado, há muitos anos com dona Marisa Letícia. Então, como pode ter tido uma “namorada”? Da mesma maneira, outro dia uma amiga bem jovem me apresentou seu “marido”, um rapaz de cabelos arrepiados. Espantei-me. Tinha casado, quando?
>> Mais colunas de Walcyr Carrasco 

– Não, a gente tá junto há dois meses.

Pronto. Já se consideravam casados, embora cada um morasse com os pais. Enquanto isso, muitos “namorados” vivem juntos, dividem as despesas e tudo o mais. Do ponto de vista legal, trata-se de uma união estável, mas eles não se importam com isso. Continuam se considerando... namorados. Teoricamente, isso implica um vínculo menos forte. Já passei até carão por causa disso. Duas vezes. Certa vez, recebi a incumbência de entrevistar casais que optaram por não morar juntos. Telefonei para uma conhecida que admitia publicamente sua relação com um senhor. Quando pedi a entrevista, ela disse:

– Não posso, porque a mulher dele não vai gostar.
– Como assim, que mulher?

O sujeito vivia com a mulher. Mas, socialmente, apresentava a outra como consorte.
Em outra ocasião, uma amiga lamentou-se. Sua filha não aceitava o namorado com quem a mãe mantinha uma relação havia seis anos. Dei um conselho:

– Seria melhor se vivessem juntos.
– Ah... ele continua com a mulher, mas não há mais nada entre eles.

Pensei: quem é mais burro, ela ou eu? Ela, por acreditar que o sujeito continuava com a mulher sem ter mais nada, só por algum motivo obscuro. Eu, por tentar agir com lógica em relação à vida alheia.

As palavras perderam completamente o sentido original. Fica difícil até evitar gafes. Quem é o quê? Namorada, noiva, amante, mulher? Outro dia, fui escrever uma cena da novela Amor à vida, em que uma garota levava o amigo gay para casa. E dizia ao companheiro:

– Trouxe seu marido de volta.

Aí, pensei: soa preconceituoso. Embora muitos gays que conheço falem exatamente assim: “Meu marido”. Só que nenhum que eu tenha ouvido diz : “Minha mulher”. Poderia soar pejorativo. Embora, já que é para derrubar preconceitos, por que não acabar com esse também? Optei por: “Meu companheiro”. Também poderia ter usado “parceiro”. Ou “namorado”, afinal de contas o termo mais abrangente, aceito em qualquer situação.

Particularmente, eu gostava do termo “concubina”. Achava misterioso, com o apelo erótico dos haréns dos sultões. Foi exonerado do vocabulário. Nenhum gavião que se preze convida a pombinha para ser sua “concubina”. Não rola.

Posso parecer machista. Mas, nesse troca-troca de significados, perdem as mulheres. Romanticamente se tornaram namoradas, quando o sujeito é casado, tem filhos e lhes reserva alguns encontros semanais, recheados a sexo. São de fato “amásias”. Termo antigo, até desagradável de ouvir, mas realista. Amantes, então, se preferem. A situação inversa, da mulher casada com “namorado” também existe, vamos reconhecer. Uma coisa é certa: palavras não mudam a realidade. Mascaram. Se o relacionamento é complicado, com hipocrisia semântica fica pior ainda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário