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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Como se desapaixonar

Existe uma porção de motivos pelos quais temos tanta dificuldade em esquecer um grande amor. E entender isso pode ajudar a recompor um coração partido
POR Leandro Quintanilha

Ilustração Horácio Gama
Para começar, precisamos entender por que uma desilusão afetiva pode ser tão impactante. "A cada rejeição, reeditamos inconscientemente todas as perdas da vida", afirma a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de O Livro do Amor (Editora Best Seller), obra que reconstitui em dois volumes a história desse sentimento, da Pré-História aos dias de hoje. Para ela e muitos estudiosos do assunto, o amor é uma construção social.

Isso significa que você aprende a amar - e a sofrer por amor - com a cultura. "Cada um de nós é tomado por um sentimento de falta, de desamparo, desde que deixa o útero", diz Regina. Aprendemos a esperar que o amor romântico supra essa deficiência, proporcionando prazer, aconchego e segurança. Esse amor não é apenas uma forma de sentimento, mas um modo de ser, um conjunto de ideias, crenças, expectativas e atitudes culturalmente aprendidas ao longo da vida. 

A idealização do outro, a expectativa de completude na relação, a opção pela monogamia, tudo isso seria resultado de um processo histórico, que teria começado na Europa do século 12, com a lenda do amor trágico entre o cavaleiro Tristão e a princesa Isolda. Eis a inspiração de Shakespeare para o clássico Romeu e Julieta. E de tantos outros escritores, dramaturgos e roteiristas até os dias de hoje. 

A biologia explica 
No século 19, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer enxergava o amor como uma estratégia da natureza para nos levar a ter uma porção de filhos. Chamava isso de "impulso de vida". Você pensa que é tomado por um sentimento elevado, nobre, mas talvez esteja apenas expressando uma necessidade ancestral de perpetuar a espécie. O que se procura é alguém com quem se possa ter um filho geneticamente favorecido. E esses impulsos permaneceriam em toda a espécie, mesmo que você seja gay ou estéril. 

Da geração anterior à do evolucionista Charles Darwin e cerca de 60 anos antes da psicanálise de Sigmund Freud, Schopenhauer foi o primeiro a apontar motivações biológicas e inconscientes para o que chamamos de amor. "São explicações talvez não muito agradáveis sobre os motivos que nos levam a nos apaixonar, mas pode haver um consolo para a rejeição: saber que nosso sofrimento é normal", afirma o filósofo suíço Alain de Botton em As Consolações da Filosofia" (Editora Rocco). 

"O amor não poderia nos induzir a carregar o fardo da multiplicação da espécie sem nos prometer toda a felicidade que pudéssemos imaginar", prossegue. Para Botton, devemos respeitar essa lei da natureza que ocasionalmente nos leva à rejeição, da mesma forma que respeitamos um relâmpago ou a erupção de um vulcão. São eventos mais fortes que nós. Nas palavras do filósofo Schopenhauer, "o que nos perturba e provoca sofrimento nos anos de juventude é a busca obsessiva da felicidade com a firme suposição de que ela deve ser encontrada na vida". A partir dessa crença, surge uma esperança que nasce e morre a cada instante. Isso faz, por exemplo, com que você se sinta derrotado quando um amor não dá certo. Pode ser de algum modo reconfortante compreender, então, que a felicidade nunca foi prioridade desta natureza da qual fazemos parte e que impulsiona o amor. 

De todo modo, essa confusão não é casual. Para Freud, o amor sexual proporciona as mais fortes vivências de satisfação e, por isso, funciona como um protótipo de toda felicidade. Depois de experimentar essa sensação uma vez, é natural que você a persiga sempre. Por isso, o amor ocupa o centro da vida de tanta gente. "O indivíduo se torna dependente, de maneira preocupante, de uma parte do mundo exterior", afirma o psicanalista em sua obra O Mal-Estar na Civilização (Editora Penguin & Companhia das Letras). Essa parte exterior, exterior a você, é a pessoa amada. 

"Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor." Por isso, prossegue o austríaco Sigmund Freud, o criador da psicanálise, "os sábios de todas as épocas desaconselham enfaticamente esse caminho (o do amor romântico) - não obstante, ele jamais deixou de atrair um grande número de seres humanos". 

Esteja ciente 
Se vamos seguir o caminho desaconselhado, ao menos que o façamos de sobreaviso. Quando o amor não é correspondido ou mesmo quando acaba, o melhor caminho é desconstruir a idealização do outro e da relação, conforme recomenda Ailton Amélio, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Relacionamento Amoroso (Publifolha). "Uma pessoa apaixonada tende a exagerar - um jeito simples de perceber isso é submeter a pessoa amada à avaliação dos seus amigos", afirma. Eles saberão enxergar melhor defeitinhos - ou defeitões - que você talvez não veja. 

O senso comum nos recomendaria também um período de afastamento. Para a psicoterapeuta paulista Miriam Barros, isso faz sentido realmente, mas algumas pessoas podem precisar de novos encontros e conversas para digerir o término. "É preciso desabafar, chorar, esvaziar o sentimento", diz ela. Depois disso, sim: um retiro pode ser oportuno. "Acompanhar a vida do outro por meio de amigos em comum ou mesmo pelas redes sociais é uma forma de se retraumatizar", adverte Miriam Barros. 

Mas por que tanta gente faz isso? Por que tantas músicas e filmes de amor nos estimulam a curtir a fossa? Na opinião da psicóloga e psicodramatista Cecília Zylberstajn, esse apego ao sofrimento amoroso é uma forma de se manter ligado ao outro, ainda que unilateralmente. "Assim, você se torna uma eterna viúva, usando preto para sempre", acredita Cecília. 

Para ela, o fundamental nessa etapa é viver a realidade. "Muita gente se surpreende com os japoneses, pela velocidade com que reconstruíram as áreas devastadas pelo tsunami", diz. A verdade é que eles não perderam muito tempo remoendo o passado, saudosistas. "Com o amor é a mesma coisa: é preciso aceitar a realidade dos acontecimentos para lidar com eles." 

Você não usará preto para sempre, mas o luto é mesmo necessário. Respeite suas necessidades, portanto. Alguns dias serão melhores que outros. "Conhece a expressão bad hair day?", provoca Cecília, referindo-se àqueles dias em que os cabelos "acordam" completamente indomáveis. "O mesmo vale para as emoções." Haverá dias em que será mais difícil "pentear" sua frustração. Aceitar isso ajuda a chegar ao próximo. 

Outra medida é de ordem prática, como explica a psicoterapeuta Miriam Barros. O vazio deixado pelo ex no espaço da cama tem um correspondente no espaço de tempo do fim de semana. "Você precisa se programar para ocupar o tempo livre e preencher a agenda com atividades e companhias estimulantes", aconselha. 

Também ajuda regular sua perspectiva. Uma relação amorosa bem-sucedida traz consigo as vantagens da companhia e do sexo. Por outro lado, uma relação problemática pode potencializar suas neuroses. Por vezes, casais se mantêm juntos não exatamente pelos benefícios citados algumas linhas acima, mas porque seus defeitos são complementares. É o que se chama de codependência. O fim desse tipo de relação é, portanto, uma oportunidade de libertação e crescimento pessoal. 

Como se vê, recuperar-se de uma rejeição amorosa requer mudanças comportamentais e psicológicas. E faz parte desse processo compreender os mecanismos biológicos e culturais que levaram você até essa decepção. É a vida, não é pessoal.



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