A hora de botar a imaginação para funcionar e mostrar como tirar de campo a frustração e deixar entrar o divertimento
ISABEL CLEMENTE
A temperatura chegou a 13 graus, o que, para uma família carioca, é praticamente a era do gelo instalada. A chuva caía impiedosa e nossas roupas na mala estavam dimensionadas para férias na praia com brisa no anoitecer. Culpa minha.
Desligada do noticiário, da internet, da rede social, eu estava num universo paralelo fazendo as malas. Enfim, férias. Deu nisso.
Meu último esforço antes de viajarmos tinha sido correr na loja para trocar os biquinis, dos quais as filhas tinham reclamado por algum motivo, ou estava pequeno ou o babadinho arranhava. Lá fui eu correndo trocar as peças antes que a loja fechasse. Ainda feliz por ter cumprido com louvor e a tempo a missão, já ia fechando a bagagem quando flagrei uma meia-calça grossa roxa tamanho P enfiada na bolsa. Pensei em tirar mas mudei de ideia. A baixinha calorenta não iria usar mas não custava nada respeitar a vontade da criança. Era sua digital sem-noção na arrumação da mala. Agora, lá estava a mãe sem-noção olhando para uma praia gélida, protegida pelo vidro frio da janela do quarto, lamentando a criança não ter contrabandeado na mala também aquela touca de lã vermelha com a qual adora brincar nos dias quentes de verão...Que frio era aquele?
Não é a primeira vez que tiramos férias em julho e somos surpreendidos por uma frente fria com dois efes maiúsculos. A bem da verdade, nós e milhares de pessoas passamos pela emoção de sermos surpreendidos por condições climáticas desfavoráveis justo nas férias.
A vontade de lamentar é grande, ainda mais com duas crianças indóceis perguntando de 5 em 5 minutos “quando a gente vai na piscina? E na praia?“
Hora de botar a imaginação pra funcionar e mostrar como tirar de campo a frustração e deixar entrar o divertimento, de preferência, pela mesma fresta do vento encanado que sopra lá de fora. Só que me ocorre uma dúvida: somos nós que temos que mostrar o que fazer ou deixar a imaginação delas correr?
Um breve parêntese para falar um pouco do modo criança de ser no quesito satisfação. Quem convive com uma sabe o quanto pode ser errático tentar agradá-la. Tem hora que você se esforça para fazer o melhor, oferecer o mais legal, monta um programa todo de acordo com o gosto dela, dá atenção e até aquele presentinho inútil que ela “queria tanto“. No final do dia, sobra choro e falta sorriso da ingrata.
Mas diante do inesperado a criança também é perfeitamente capaz de inventar algo para substituir um dia de chuva na praia e se mostrar feliz com a troca, nem que seja fazendo desenhos no vidro embaçado sem querer pela respiração. É disso que eu queria falar. As coisas parecem estar dando errado? Calma. As crianças darão um jeito.
Crianças têm um modo peculiar de enfrentar as adversidades, inclusive porque aquilo que nos parece horroroso não causa nelas a mesma impressão. Lá em casa tentamos focar sempre no melhor lado dos acontecimentos e influenciá-las nesse sentido, ok, mas tem bagagem que as baixinhas parecem ter trazido para a vida junto com a cota de besteiras que cada uma é capaz de fazer.
Alguns exemplos de coisas que não ensinamos. Minha filha de 7 anos, quando era um pouco menor, costumava editar os trechos que lhe interessava para a posteridade. Depois de um passeio em que a irmã ficou doente, ela tratou de ir rememorando, na volta, “as partes legais“. De pedaço em pedaço, ela montou um filme divertido dos dias passados juntos e uma memória toda positiva daquela experiência. E eu também achei bem legal.
A caçula, de 3, faz diferente. Ela finge um universo muito parecido com a realidade, mas como ela “dita“ o roteiro está tudo de acordo com o que ela poderia desejar, certo? Volta e meia, quando estou saindo de casa para trabalhar, e depois de me despedir, ela corre atrás de mim propondo “mamãe, vamos bincar que eu era sua filha, você era minha mãe, estava saindo pra trabalhar e dizia assim nos vemos mais tarde, querida, fica bem?“. Eu respondo “brinco, claro“ e sigo com as linhas que me cabem nessa encenação de minuto e meio. Só falta ela dar aquela piscadinha para mim como quem diz “enganamos bem as obrigações, não foi?“.
Sim, foi. E ficamos mais felizes assim.
A depender da idade dos filhos, os pais são mais ou menos requisitados a mostrar algumas alternativas à chuva lá fora. Faz parte afugentar o tédio infantil. Eu só queria chamar atenção para o dom infantil de improvisar. E improviso, não é apenas uma ferramenta essencial à vida, é uma das lições gratuitas que a criançada pode nos ensinar, mesmo que neve nos trópicos diante do mar.
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