MujeresTravisLupick Mutilação genital feminina perde apoio
A ablação é um tema tabu na Libéria, e as mulheres correm perigo se falam sobre ele. Foto: Travis Lupick/IPS

Nações Unidas, 24/7/2013 – Mais de 125 milhões de mulheres e meninas foram vítimas da mutilação genital na África e Ásia, e outras 30 milhões correm risco de sofrer essa prática na próxima década, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Porém, a prática lentamente parece perder popularidade. Essa agência da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um informe que constitui o ponto culminante de 20 anos de pesquisa em 29 países desses dois continentes, com base em pesquisas nacionais.
O Egito é onde há mais mulheres entre 15 e 49 anos que foram submetidas a essa prática: 27,2 milhões. Apesar de ser ilegal, uma esmagadora maioria de casos de ablação nesse país é realizada por pessoal médico. A mutilação genital feminina é quase universal em várias nações, segundo o informe, divulgado no dia 22. Na Somália, a proporção de mulheres nessa faixa etária que foram mutiladas é de 98%, a maior do mundo, e em Guiné e Djibuti os índices são de 96% e 93%, respectivamente.
A probabilidade de uma menina ser submetida à ablação é maior se sua mãe também sofreu essa experiência. Mas as novas gerações têm menos probabilidades de sofrer a prática por serem mais conscientes de suas consequências negativas, como complicações no parto, infecções, sangramentos e danos psicológicos, destacou à IPS Claudia Cappa, autora do informe e especialista em estatísticas do Unicef. “As meninas podem ser importantes agentes de mudança ao longo das gerações”, acrescentou.
O documento do Unicef contém a primeira informação publicada sobre o Iraque, que só começou a elaborar estatísticas sobre a mutilação genital feminina em 2010, destacou Cappa. Nesse país, meninas que foram mutiladas “tiveram a oportunidade de interagir com outras que não foram, e se deram conta de que não eram estigmatizadas” socialmente, explicou.
Uma das conclusões mais importantes do informe é que a incorporação da população masculina na luta contra a ablação é fundamental. Muitos homens e jovens nos 29 países estudados estão a favor de acabar com essa prática. O Unicef agora pretende tornar mais visível esta perda de popularidade da prática e influenciar as sociedades para que a abandonem por completo.
A ablação continua sendo praticada sob diferentes e duvidosas desculpas: higiene, “preservação da virgindade” e reputação social. Em alguns países, estimula-se a prática porque os homens sentem maior prazer ao manterem relações sexuais com uma mulher que foi submetida à ablação. “É algo que está sempre presente”, disse em entrevista coletiva Francesca Moneti, conselheira em proteção infantil para o Unicef. “A menina chega à idade de ser mutilada, e é mutilada”. Quando se submetem a essa prática, as meninas ganham maior reputação social e “boa consciência”, diz o informe.
Efua Dorkenoo, diretora do projeto contra a mutilação genital feminina da organização Equality Now, destacou a necessidade de serem adotadas medidas mais fortes de proteção nas comunidades onde a prática persiste, bem como programas de apoio para as meninas que fogem de suas famílias para escapar da ablação. Também é importante que as organizações, incluindo o Unicef, se deem conta de que é preciso um enfoque em vários níveis, incluindo trabalhadores da saúde e as autoridades, além de promover uma mudança de costumes nas comunidades, pontuou a diretora.
“A mudança de comportamento nas comunidades é um processo de longo prazo”, afirmou Dorkenoo, acrescentando que a ablação diretamente constitui violência contra as mulheres e tem origem em desejos de controle sexual, social e de gênero. Entretanto, a prática está muito arraigada e, portanto, não basta as comunidades declararem que a abandonaram. “É muito simplista acreditar que tais declarações signifiquem que a ablação terminou. Isso serve apenas para fazer o público no Ocidente se sentir bem”, opinou. E ressaltou que não havia um único modelo para enfrentar essa prática nos diversos países.
Quando as comunidades fazem uma declaração desse tipo é significativo, mas depois é difícil constatar se realmente a prática foi erradicada, afirmou Cappa. Dorkenoo reconheceu os esforços do Unicef em matéria de educação nas comunidades, com ênfase em democracia e direitos humanos, o que também contribui para erradicar práticas como a ablação, mas lembrou que se deve fazer algo mais em nível estrutural. “É muito simplista pensar que se pode ir a uma comunidade durante 30 anos, falar sobre direitos humanos e democracia, e esperar por uma mudança”, enfatizou. Envolverde/IPS