Gloria, grande atuação de Paulina García, chega aos cinemas neste final de semana e retrata a felicidade aos 60
por Orlando Margarido
Gloria (Paulina García) vive o caminho das escolhas possíveis Divulgação |
Há uma Gloria memorável no cinema. Em 1980, John Cassavetes fez esta heroína, interpretada por sua mulher, Gena Rowlands, pegar em armas para proteger um garoto da Máfia. À sua maneira, outra Gloria, que dá nome ao filme do chileno Sebastián Lelio em cartaz a partir da sexta 31, também radicaliza. Mas com um pintball. A referência a Cassavetes é bem-humorada, assim como o pique em geral da trama. Há, no entanto, um pouco de amargura e desilusão na tentativa da mulher na faixa dos 60 anos de buscar a felicidade ainda possível. Toda a sensibilidade de um difícil registro agridoce cabe à magistral interpretação de Paulina García, atriz originária do teatro em seu primeiro papel de protagonista. Por este, levou o prêmio de Interpretação na Berlinale do ano passado.
Foi durante o Festival de Berlim que CartaCapital conversou com a atriz e com o diretor. Lelio, próximo de completar 39 anos, dirige a atriz com conhecimento da velhice e carinho que impressionam. Escolheu um modelo próximo. “Me inspirei na minha mãe. Ela representa bem sua geração, aquela que teve a vida podada pela ditadura, não pôde fazer as escolhas possíveis e tentou, talvez tarde demais, ser feliz.” A era Pinochet não está citada explicitamente no cotidiano de Gloria, mas o suficiente para entendermos a lacuna em seu trajeto. Ela casou, separou-se, tem um filho adulto com quem mantém relação inconstante. Também fez uma carreira bem-sucedida. E agora, o que resta a esta avó? A mulher em tese completa, coroa enxuta e vaidosa, quer amar. Busca o parceiro, nem sempre perfeito. Adaptar-se a novas e velhas manias, também as dela, não é fácil.
Nem tudo, ou quase tudo, de Gloria se aproxima da vida de Paulina. Casada, dois filhos, ela surge mais velha para o papel. Também é mais contida e analisa a personagem com o rigor de quem a estudou à luz de uma realidade. “Há muitas pessoas como ela no Chile, que ficaram num limbo entre o fim do regime ditatorial e a redemocratização. Passaram então a se questionar, a procurar o que fazer, ou melhor, como refazer suas vidas.” A atriz inclui-se nessa angústia e por isso foi para o teatro alternativo. Que não se tire seu evidente talento, mas ela é em parte Gloria, e isso faz toda a diferença.
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