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terça-feira, 10 de junho de 2014

Pais pagam mico

Você sabe quando o filho começa a sentir vergonha do excesso de espontaneidade dos adultos em público?

ISABEL CLEMENTE
08/06/2014

Andávamos pela rua de mãos dadas indo para a escola, eu e minha filha mais velha, enquanto eu empurrava o carrinho com a mais nova sentada. Mochilas, lancheiras e minha bolsa completavam o circo ambulante.

"Esse carrinho tá aguentando firme, não é?" - comenta a menina de 8 anos, observando o maltratado modelo guarda-chuva de rodas pequenas que vem nos acompanhando desde que ela saiu do bebê-conforto para ficar mais sentadinha.

Verdade. Veio a primeira filha, nasceu a outra, tentamos duas ótimas marcas do mercado, modelos com tração nas quatro rodas, air bag e o diabo, carrinhos bem "parrudos", mas todos passaram pela família, como o berço e cadeirões para alimentação. Assim que pudemos nos livrar deles, nem pensamos duas vezes. O modelo guarda-chuva, muito mais leve, é o que ficou, surrado e querido como um sapato velho.

Os modelos grandes e bacanas foram descartados depois de constatarmos que ocupavam espaço demais na mala do carro, na viagem, em casa, na rua, na nossa vida.

Devo admitir que o utilitário de pneus de borracha mandavam muito bem em ruas de paralelepípedos, calçadas esburacadas e até na areia da praia, mas o conjunto era um tremendo trambolho. Doamos. E o carrinho guarda-chuva, o prático, nunca deu defeito nem emperrou.

Cabe em qualquer lugar, mala e situação. Viajou muito de avião, pegou chuva, vento e tempestade de terra vermelha no Planalto Central. Já foi esquecido e recuperado em vários lugares. Ninguém nunca deve ter sequer cogitado a ideia de roubá-lo. E foi ficando...

Então decido contar para a menina como era a vida com o carrinho trambolho que compramos para recebê-la.

"O carrinho que a gente comprou para você era todo confortável, acolchoado, bonito, parecia um carro 4x4. A gente demorou à beça para escolher, tantas eram as opções. Mas só no dia-a-dia que a gente percebeu como ele era chato para fechar. Um horror!"

"É mesmo?", disse.

"Fiquei com raiva dele logo. Quando eu saía sozinha contigo de carro, sofria muito sem seu pai pra fechar. Sabe como eu fazia?"

Ela me olhou interessada e rindo, antecipando a cena que eu descreveria.

"Eu tirava você do carrinho, botava no bebê-conforto dentro do carro e avisava ‘mamãe vai ali guardar o carrinho na mala, um minutinho só’, e corria. Eu fica pensando o que você estaria achando de ficar sozinha enquanto eu desaparecia."

"Jura?"

"Juro. Aí eu ia atrás do carro e com as duas mãos tentava puxar as duas alavancas laterais ao mesmo tempo, empurrando a barra com a barriga para tentar abaixar toda a estrutura do carrinho e ele caber novamente na mala".

Ela arregalou os olhos. Daí eu parti para o gestual.

"Mas a barra não encolhia, as alavancas não subiam, e eu ficava sacudindo o carrinho e batendo com as rodas no chão para ver se ele cedia, só tinha que parar de vez em quando para ir lá na janela falar contigo ´filhaaaa...mamãe não fugiu, tá?”, disse, modulando a voz ao interpretar eu mesma anos atrás falando com um bebê.

Letícia explodiu numa gargalhada. Empolgada, parei e repeti o gesto, a voz, a palhaçada toda.

"Aí eu ia sacudir mais um pouco aquele troço e falar com você, sacudia, e dava um alô bebê..."

"Mãe, não precisa fazer isso", ela disse, ainda rindo, botando a mão em cima da minha.

"Mas é o teatro!"

"Mãe, para, estou ficando com vergonha", ela disse, quase olhando em volta, parando de rir aos poucos.

"Ué, e por quê?"

"Mãeeee...vão achar que você é maluca".

"Vão achar que eu sei contar bem uma história porque você está rindo".

"Mãe. É sé-ri-o".

A pedidos, parei para perscrutar aquele olhar divertido me fitando, mandando em mim... Ora veja só se não estava se desenhando na minha frente o início de um novo processo, que não poderei evitar.

Logo na esquina, atrás do poste, eu enxerguei o futuro. E ele era quase adolescente.

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