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domingo, 6 de julho de 2014

Discursos Judiciais sobre Homicídios de Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar: Ambiguidades do Direito como Tecnologia de Gênero, por Sinara Gumieri Vieira

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade de Brasília como requisito para obtenção do título de bacharela em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Debora Diniz

RESUMO

O presente trabalho busca mapear os discursos judiciais relativos a homicídios de mulheres cometidos em situação de violência doméstica e familiar, ocorridos no Distrito Federal, entre 2006 e 2011, e julgados após a criação da Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340/2006. A abordagem metodológica consistiu em uma pesquisa documental de caráter descritivo realizada com 35 processos judiciais com trânsito em julgado, em que foram analisadas as seguintes variáveis: aplicação da Lei Maria da Penha, tratamento judicial de histórico de violência doméstica e teses judiciais relativas aos motivos dos crimes. Os dados coletados apontaram a baixa ocorrência da aplicação da Lei Maria da Penha; o tratamento arbitrário dos relatos de histórico de violência doméstica registrados nos processos; um número expressivo de teses de defesa baseadas em estereótipos de gênero e argumentos legitimadores da violência, bem como interpretações despolitizadas da violência, entendida pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário como decorrente de conflitos afetivos singulares. A variedade e ambiguidade das traduções judiciais do fenômeno da violência de gênero reforça a necessidade de desconstruções críticas permanentes dos discursos judiciais, com o objetivo de investigar seu funcionamento como tecnologia de gênero, produtora de relações hierárquicas de poder entre homens e mulheres, das quais a violência doméstica é uma expressão complexa.

Palavras-chave: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Homicídios, Lei Maria da Penha

INTRODUÇÃO

O uso do direito como instrumento de subordinação e controle de mulheres tem sido a regra, em diversos países e culturas. Limitações e conquistas tardias de direitos civis (como o de votar e ser votada), submissão legal ao pátrio poder do marido ou do pai, impedimentos para ter propriedades e comandar negócios e condições de trabalho precarizadas são algumas das versões dessa regra. No tema da violência doméstica, ao longo de décadas a absurda tese da legítima defesa da honra foi bem sucedida em seu propósito de inverter papeis em julgamentos: em vez de serem julgados homens acusados de assassinar suas companheiras, as próprias vítimas eram julgadas quanto à obediência aos ditames da moral sexual e quanto a seu desempenho como mães e esposas, consideradas as únicas ocupações legítimas para mulheres. Nesse cenário, em que a simples igualdade jurídica formal entre mulheres e homens é tão recente, a Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340/2006, criada para conferir proteção exclusiva a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar a partir de uma perspectiva crítica de gênero, é considerada uma grande conquista de movimentos feministas. A Lei não está, no entanto, isenta de controvérsias. Vozes da criminologia crítica questionam os riscos do acionamento do direito penal, marcadamente seletivo e estigmatizante, enquanto a criminologia feminista denuncia o androcentrismo do direito e lança dúvidas sobre seu uso em benefício de causas feministas. Reconhecendo essas controvérsias e buscando aprofundar a compreensão delas sem resolvê-las, o presente trabalho visa mapear discursos judiciais relativos a homicídios de mulheres mortas em situação de violência doméstica e familiar ocorridos no Distrito Federal entre 2006 e 2011 e julgados, portanto, após a criação da Lei Maria da Penha. Essa abordagem se justifica pela escassez de estudos que analisem especificamente homicídios de mulheres e de sua leitura pelo Poder Judiciário, especialmente sob o marco da Lei Maria da Penha e das expectativas de justiça de gênero por ela geradas.

Assim, por meio de uma pesquisa documental qualitativa de caráter descritivo realizada com 35 processos judiciais com trânsito em julgado, esse trabalho pretende descrever os contextos de aplicação da Lei Maria da Penha, mapear a caracterização judicial da violência que resultou na morte das mulheres e identificar o possível uso de estereótipos de gênero na valoração dos comportamentos de réus e vítimas. Nesse sentido, o trabalho se orientará por um esforço interpretativo exploratório dos processos de construção de gênero pelo direito – processos que também são produtos – em um contexto de disputa feminista dos discursos jurídicos. Para tanto, no primeiro capítulo serão discutidas ambiguidades da abordagem da violência doméstica e familiar pelo sistema jurídico brasileiro. De início, será realizada uma breve revisão de estudos brasileiros sobre homicídios de mulheres em situação de violência doméstica; seguida de um comentário crítico sobre o androcentrismo característico do direito e de uma análise das mudanças jurídicas que a Lei Maria da Penha buscou gerar no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.

No capitulo seguinte, serão detalhadas as aproximações metodológicas do presente trabalho, incluindo a seleção dos processos judiciais analisados, os cuidados éticos tomados, a coleta e a análise dos dados e o perfil selecionados.

Por fim, no terceiro capítulo, serão apresentados os resultados da investigação, nos processos analisados, de três variáveis: a aplicação da Lei Maria da Penha, o tratamento judicial conferido aos históricos de violência doméstica e familiar e as teses judiciais relativas aos motivos dos crimes. Pretende-se mostrar as ambiguidades das traduções judiciais de casos que são, por um lado, expressões absurdas da violência de gênero, e por outro, entendidos judicialmente como eventos singulares na relação afetiva entre vítimas e réus.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 AMBIGUIDADES DA ABORDAGEM DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PELO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
1.1 Violência doméstica e familiar contra a mulher sob o olhar do Judiciário: julgando estereótipos
1.2 O androcentrismo do direito e o apelo à força simbólica do direito penal
1.3 Lei Maria da Penha e direito como tecnologia de gênero
2 APROXIMAÇÕES METODOLÓGICAS: ANÁLISE DE PROCESSOS RELATIVOS A HOMICÍDIOS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR NO DISTRITO FEDERAL ENTRE 2006 E 2011
2.1 Pesquisa “O impacto dos laudos periciais no caso de mulheres assassinadas por violência doméstica ou familiar no Distrito Federal”
2.2 Cuidados éticos
2.3 Coleta e análise de dados
2.4 Perfil dos casos analisados
3 DISCURSOS JUDICIAIS SOBRE HOMICÍDIOS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
3.1 Aplicação da Lei Maria da Penha
3.2 Tratamento judicial do histórico de violência doméstica e familiar
3.3 Teses judiciais relativas aos motivos dos homicídios
3.4 Violência doméstica e familiar contra a mulher e discursos judiciais ambíguos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS

Acesse essa monografia na íntegra em pdf (740 KB): Discursos Judiciais sobre Homicídios de Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar: Ambiguidades do Direito como Tecnologia de Gênero, por Sinara Gumieri Vieira (Brasília, fev/2013)

Compromisso e Atitude

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