Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

sábado, 5 de julho de 2014

Especialistas comentam onda de intolerância no país


03/07/2014

Especial do G1 traz 50 casos de linchamentos de janeiro a maio de 2014.
Sensação de insegurança e ausência do Estado são citadas como causas.
Rosanne D'Agostino


Do G1, em São Paulo

Sensação de insegurança, impotência, ausência do Estado e das instituições são os principais motivos apontados por especialistas para a ocorrência de ações de intolerância coletiva. Especial do G1 mostra que mais de 50 casos de linchamentos e espancamentos foram noticiados em quase todos os estados do país desde janeiro deste ano.

Para Jacqueline Sinhoretto, professora doutora adjunta da Universidade Federal de São Carlos (SP), e que escreveu tese sobre o tema, alguns fatores levam a esse tipo de reação desmedida. “Há descrença na Justiça e na polícia. Também há na mídia o crescimento do apoio à punição violenta”, afirma.

Segundo a especialista, as instituições melhoraram desde a década de 1980, mas não se aproximaram da população. “Menos de 3% dos homicídios investigados são esclarecidos. Isso gera desconfiança e descrença. Somado a uma crença socialmente disseminada de que a punição violenta é a que resolve. Se acredita que bandido bom é bandido morto”, diz.

A antropóloga Iracema Dulley, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo, considera que um linchamento ocorre “porque as pessoas sentem medo e impotência”. Ela cita o caso de Fabiane de Jesus, dona de casa morta por uma multidão assustada por um boato de uma suposta sequestradora de crianças no Guarujá (SP).

Menos de 3% dos homicídios investigados são esclarecidos. Isso gera desconfiança e descrença. Somado a uma crença socialmente disseminada de que a punição violenta é a que resolve. Se acredita que bandido bom é bandido morto." Jacqueline Sinhoretto, professora doutora adjunta da Universidade Federal de São Carlos (SP)

Segundo a especialista, “não é toda multidão que se torna agressiva”. “Para que isso ocorra, as pessoas que a compõem devem estar interessadas no mesmo objeto e ter sentimento de insegurança em comum, instigados por imagens repetitivas.”

No caso de Fabiane, e do retrato-falado que se acreditava ser dela, “pôr fim a sua existência parece ser uma forma de pôr fim ao medo causado pela falta de controle sobre a situação”, avalia. “[As pessoas] encontram na vítima a possibilidade de exorcizar esse medo por meio da catarse coletiva. Só colocam em questão se essa pessoa de fato era culpada depois do ato consumado. É um momento de exceção.”

Segundo Sinhoretto, outro ponto relevante é que linchamentos ocorrem normalmente em locais onde pessoas se conhecem, mas ela não considera que esse tipo de ação seja incontrolável e irracional.

"Ninguém que não praticaria violência praticaria só porque está cercado de outras pessoas. Até porque os linchamentos são compostos em geral por pessoas que mais ou menos se conhecem. É difícil ter uma ação onde 100% das pessoas são desconhecidas", afirma. "Uma pessoa que discorda da punição violenta ela não vai se envolver. As pessoas que fazem isso fazem em correspondência com suas crenças."

Os indivíduos sentem-se invencíveis por causa de seu grande número e não se sentem responsáveis por seus atos." Iracema Dulley, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo

“A multidão que realiza atos de violência é uma formação temporária na qual o eu se confunde com o grupo. Ela é fruto do desejo de identificação absoluta”, complementa Dulley.

“Nela [na massa], os indivíduos sentem-se invencíveis por causa de seu grande número e não se sentem responsáveis por seus atos. Sentem-se onipotentes e exigem a satisfação imediata de seus desejos. Desconhecem a dúvida, perdem o julgamento crítico. Por isso o linchamento, violência contra uma pessoa que os indivíduos provavelmente não perpetrariam sozinhos, ocorre em grupo.”

Soluções
“Claramente é um problema de legitimidade. Sentimento da ausência do Estado no exercício das suas funções, Executivo, Legislativo e Judiciário. Quando a sociedade não sente que o Estado está presente, ela começa a reagir”, afirma José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, presidente do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo).

“Nós estamos muito preocupados com isso”, complementa João Ricardo dos Santos Costa, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). “Há uma descrença da sociedade nas instituições. E nós temos instituições estáveis, que funcionam, mesmo com problemas.”

Claramente é um problema de legitimidade. Sentimento da ausência do Estado no exercício das suas funções, Executivo, Legislativo e Judiciário." José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, presidente do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo)

Para o presidente da AMB, o excesso de demanda de processos pode ser uma das causas para o descrédito no Judiciário. “Nós não temos uma demanda normal, temos um litígio atípico. Os obstáculos de acesso à Justiça são vários, um deles é a descrença.”

“Teria que ter uma ação concreta para desestimular essa descrença. A polícia e a Justiça têm que assegurar que os crimes sejam investigados e que essa solução venha a tempo de garantir a vida de quem está sendo acusado. E o policiamento tem que ser capilar, próximo da comunidade”, defende Sinhoretto.

“Não há receita fácil aqui [para prevenir]. Mas como os linchamentos costumam estar associados aos sentimentos de medo e impotência, é de se imaginar que ocorrerão menos conforme as pessoas se sintam mais seguras. Falar em natureza humana parece-me exagerado, uma vez que sempre há pessoas que se recusam a participar de um linchamento ou mesmo o denunciam. Mas eles são um fenômeno que ocorre em diversas formações sociais, principalmente em contextos marcados por insegurança”, diz Dulley.

Há uma descrença da sociedade nas instituições. E nós temos instituições estáveis, que funcionam, mesmo com problemas" João Ricardo dos Santos Costa, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros)

“Essa questão dos justiçamentos é grave porque passa por uma consciência social de que tais práticas seriam uma solução ou uma alternativa”, completa Costa. “E isso começa a ser mais preocupante quando os próprios meios de comunicação começam a incentivar essas ideias. Também há uma resposta é demorada. Nós estamos tentando racionalizar o serviço para prestá-lo de forma mais efetiva. Para ter uma solução também num tempo razoável, se não, não adianta”, diz o presidente da AMB.

“A Constituição Federal fala de uma sociedade livre, justa e solidária. Hoje, mesmo com a internet, a quantidade de informação que é disponibilizada embaralha o cidadão. E muitas vezes aquela informação está distorcida, errada. É nossa obrigação, nós temos que assumir parte da responsabilidade social de ir até essas pessoas levar esclarecimentos e garantir direitos e deveres”, afirma Ribeiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário