9 de Fevereiro de 2015 by mairakubik
Fuzis nas mãos, olhos compenetrados. O que está em jogo não é pouco: é seu território, o direito de viverem em paz nele e não serem obrigadas a seguir uma lei que não acreditam.
Nas últimas semanas, fotos de mulheres armadas combatendo o Estado Islâmico, na parte curda da Síria, e o Boko Haram, na Nigéria, têm rodado o mundo. O impacto é instantâneo: não estamos acostumadxs a tais imagens. Quando pensamos nessas regiões, nos vem à cabeça a ideia de que a submissão prevalece. A nossa visão deturpada pelas lentes de aumento ocidentais não nos permite atribuir às mulheres do Oriente Médio e da África esse tipo de iniciativa.
“De repente” – de repente porque não acompanhamos cotidianamente nada do que acontece por lá –, no terror do conflito sírio – quem armou quem mesmo? – surgem essas mulheres combatentes, e ainda por cima anticapitalistas, como se fossem a 7a cavalaria, para defender a cidade de Kobani. E na Nigéria, em que o Boko Haram sequestrou centenas de meninas em 2014 e onde o governo não conseguiu dar uma resposta eficaz à violência, lá foram elas buscar maneiras de impedir que esse absurdo continue.
Sua participação ativa na resistência a esses grupos extremistas é não só uma resposta contundente ao fundamentalismo, como também aos países do Norte global que, mantendo a tradição colonialista, intervém econômica e militarmente nessas áreas utilizando-se das mais diversas justificativas, entre elas, a “libertação” das mulheres, em especial as muçulmanas.
Basta lembrar que quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão, em 2001, apresentaram o discurso do bem contra o mal; dos iluminados contra os que estariam nas trevas; e de um país que tem feministas – e uma foi até na televisão confirmar isso – contra outro onde as mulheres não teriam voz. Como se as estadunidenses também não fossem oprimidas pelo gênero e como se professar a fé muçulmana fosse sinônimo de subordinação.
Ao mesmo tempo, é uma tomada de poder que não é comum às mulheres em geral: somos historicamente alijadas do controle das armas, cujo monopólio pertence aos homens. Em um artigo muito lúcido – e cuja tradução sairá em breve no Brasil, prometo noticiá-la aqui – chamado “As mãos, as ferramentas e as armas”, a antropóloga italiana Paola Tabet demonstra como, ao longo dos séculos, nós fomos obrigadas a trabalhar com as mãos ou tivemos acesso a ferramentas sempre mais rudimentares que as dos homens e que não poderiam se transformar em armas. Isso porque a violência ou a ameaça dela é uma das maneiras de controle sobre as mulheres, que caso contrário, poderiam romper com a divisão sexual do trabalho que as coloca em posição de inferioridade.
É então chocante, mas ao mesmo tempo emocionante, vê-las lutando contra as opressões que as cercam. Por mais pacifista que eu seja, não dá para não sentir um frio na espinha com a bravura daquelas que enfrentam com coragem uma realidade que é violenta bem antes de elas se armarem.
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