Transforme sua relação com o trabalho e o utilize como um espaço para seu crescimento humano
Guilherme Nascimento Valadares
Mecenas, 23 dias para um homem melhor, Trabalho e negócios
No que considerei meu primeiro grande emprego na área de comunicação, eu trabalhava como uma máquina desregulada, ávido por me provar.
Chegava cedo, me envolvia em tudo quanto dava, não tinha tato e atropelava ou me deixava atropelar por pura ansiedade.
Sair antes das 19h ou 20h era uma vergonha, apesar de ninguém admitir isso. Eu pegava ônibus, então chegava em casa lá pelas 21h30, 22h, exausto. Me entretinha, comia algo nada nutritivo e caía na cama abraçado com o laptop, no meio de algum filme ou documento de criação.
No dia seguinte chegava cansado. E com o passar dos meses o cansaço vinha acompanhado de um leve torcer do estômago. Achava que era normal e bastava engolir, resistir e superar.
Eu havia me tornado um guerreiro corporativo. E tinha orgulho dessa identidade. Trabalhar em uma agência tida como disruptiva e inovadora me fazia sentir especial, algo como um anti-guerreiro corporativo.
Se passaram alguns anos, e outros empregos, até eu me dar conta de que aquilo não era nada legal.
O segredo que nos recusamos a olhar
A realidade é que milhares de pessoas levam vidas profissionais de desespero silencioso, nas quais trabalham por horas sem fim em posições extenuantes, para comprar coisas que não precisam e impressionar pessoas das quais não gostam.
Como ratinhos em laboratório, seguimos obedientes estilos de vida já projetados. Celebramos nossas "vitórias" com viagens incríveis de 10 dias e muitas fotos no instagram, para então suportar 355 dias de inferno.
Segundo pesquisa feita pelo The Energy Project com 150.000 pessoas ao redor do mundo, 74% dos trabalhadores enfrenta hoje uma crise devido à falta de energia e disposição para fazer o que precisa ser feito.
Não há como agir 8, 10 horas por dia de um certo modo e virar a chave quando se está em casa ou com os amigos.
O chefe temido e autoritário no trabalho não consegue ser o marido sensível em casa e o cara autêntico e flexível com os amigos, sem pagar um preço alto por isso.
Ele se torna expert em controlar e dominar.
O sujeito ansioso e obsessivo no trabalho (como eu fui um dia) não vai ser o amante carinhoso e um companheiro relaxado com os amigos ou com a família.
Ele vai ser reativo e tenso.
Nos tornamos o que fazemos repetidamente. Ao trabalhar, treinamos posições mentais que carregamos onde quer que a gente vá. Acredito que nos deslocar de quem somos e do que acreditamos ao trabalhar é uma escolha desumana e triste.
Além de ser uma violência silenciosa – muitas vezes sentida apenas anos depois, num infarto, crise de ansiedade ou úlcera precoce –, é um desperdício de nosso tempo vivos.
Ao aceitar esse acordo, acabamos nos tornando o próprio trabalho.
Mas será que dá pra mudar?
Acredito que sim. Podemos nos tornar agentes secretos de transformação em nosso ambiente de trabalho, ao estabelecermos que a empresa pode e deve ser um espaço de desenvolvimento humano amplo, para além de nossas capacidades profissionais.
Ao invés de exercitarmos poder, dominação, controle obsessivo, fofoca e tensão, podemos nos focar em qualidades como empatia, compaixão, resiliência, autenticidade e relaxamento.
Tais virtudes não são inimigas da produtividade. É possível fazer prosperar um negócio desse modo. Há oito anos aposto nessa trilha.
Isso é bem diferente de ser irresponsável e pregar felicidade diária. Isso não existe. Trabalhar, por definição, é lidar com problemas e situações difíceis. É também ser disciplinado e resiliente, entender que alguns projetos tomam anos para se concretizar. Mas a paciência não deve se tornar comodismo e resignação.
Defendo que as empresas podem ser um local de treinamento e desenvolvimento humano, tal qual um dojo. E acredito que enxergar nosso trabalho desse modo começa com uma troca de perspectiva.
É um exercício que começa de dentro pra fora, acompanhado de ações concretas.
Vamos lá, quais atitudes internas e visões de mundo você poderia cultivar para:
trabalhar de modo mais relaxado?
cultivar empatia com as pessoas com quem trabalha? (incluindo o chefe, o cliente e o fornecedor que te dão dor no estômago)
apreciar de verdade as pessoas ao seu redor?
tratar as pessoas de modo mais autêntico e amoroso, ao invés de nos esconder por trás de máscaras e lubrificantes sociais?
não sufocar as próprias visões e se submeter a tarefas com as quais não concorda?
não se sentir ferido ao escutar uma reclamação ou fala que julgue agressiva?
ser capaz de pacificar uma situação antes que ela se torne um conflito?
encarar as tarefas chatas e indesejáveis com dignidade?
Um CEO pode reconhecer que é necessário e benefício pedir desculpas, por exemplo:
Podemos praticar compaixão e empatia ao entender que o cliente, o chefe e o fornecedor não são pessoas sem caráter, talvez eles sejam seres muito parecidos conosco, que estão dando o seu melhor em uma posição difícil, com tremenda cobrança, e não descobriram ainda como agir de modo diferente. Ao olhar além da identidade profissional, sempre vamos encontrar uma pessoa inteira; que deseja ser feliz, como nós.
Podemos praticar relaxamento ao reconhecer nossos estados de raiva e tensão, optando por recarregar nossa energia. Tony Schwartz, fundador do The Energy Project, argumenta que devemos fazer intervalos para recuperar nossa energia a cada uma hora e meia ou duas de trabalho. Você tem feito isso?
Podemos não reclamar. Ponto. Talvez essa te assuste mais do que todas as outras – há artigos sobre aqui e aqui.
A prática de hoje:
É deixar um comentário respondendo a pergunta "quais atitudes internas e visões de mundo você poderia cultivar para que sua empresa se torne um local de crescimento humano?"
Ao longo dos próximos dez dias, mantenha isso em mente e procure agir de acordo.
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