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sábado, 18 de junho de 2016

A maternidade de substituição como solução e como problema

Márcia Andréa Durão de Macêdo
 
Resumo: A legislação discriminatória ou omissa que rege a Maternidade de Substituição pode ser responsável por diversos atos médicos clandestinos e causadora de graves problemas sociais, assim como pode acarretar atrasos no avanço tecnológico, na cura de doenças e auxílio em pesquisas científicas. A infertilidade é uma doença que atinge cada vez um percentual maior de pessoas no mundo e embora a medicina tenha avançado e encontrado vários métodos de tratamento para os casos de impossibilidade de reprodução de forma natural, o atraso na normatização dos tratamentos e a falta de consenso entre as legislações existentes traz transtornos para as partes envolvidas, tendo algumas vezes que recorrer ao judiciário, para decidir casos que já poderiam ter sido normatizados pelo processo legislativo infraconstitucional. A justiça precisa adequar-se a realidade social e ser célere o suficiente para atender seus cidadãos de forma justa, igual e livre.

INTRODUÇÃO
Este artigo versa sobre as técnicas de Procriação Medicamente Assistida[1]- PMA, dando ênfase ao método chamado de Maternidade de Substituição, uma vez que o avanço da ciência médica e tecnológica permitiu que pessoas com problemas de infertilidade pudessem recorrer a métodos artificias para alcançar o desejo e o direito de constituir uma família e gerar descendentes, podendo beneficiar-se do auxílio de terceiros como doadores de material genético ou cedendo o útero para gestação de um bebê.
Buscou-se enfatizar a técnica de Maternidade de Substituição por tratar-se do método que possui a maior problemática nas áreas sociais, políticas, éticas, religiosas e jurídicas. Embora a PMA não possua uma legislação unitária nos países – principalmente ocidentais – existe um tácito aceite na sua utilização, mesmo nos locais que não formalizaram o seu uso. Porém, no caso da Maternidade de Substituição ou Barriga de Aluguel, como também é conhecida, existe grande resistência não só no âmbito religioso, como na comunidade jurídica que está longe de encontrar um consenso sobre o assunto.
O artigo está dividido em capítulos, cada um vinculado a uma questão pertinente sobre o tema abordado. No início discorreu-se sobre a infertilidade[2], pois tal foi o problema que deu origem a necessidade de buscar formas alternativas de contorna-la, conforme demonstra a história da humanidade desde relatos anteriores a era cristã.
Em seguida, apresenta-se as formas de tratamentos para a Reprodução Artificial, assim como as problemáticas decorrentes da prática da Maternidade de Substituição, buscando elencar um panorama geral sobre os benefícios e prejuízos que dela podem surgir.
No capítulo 3 faz-se um comparativo sobre as legislações que tratam do assunto em alguns países e as diversas diferenças que ocorrem entre eles. Por último, o artigo faz uma avaliação da realidade legislativa portuguesa e recorre ao equilíbrio entre o direito de igualdade, ao respeito aos princípios basilares constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos e principalmente a proteção ao indivíduo para o exercício do direito constituir família que deve ser garantido pelo Estado, independentemente de sua opção sexual ou econômica, sem haver qualquer tipo de discriminação.
O artigo intenciona acrescentar ao debate opiniões contrárias àquelas exclusivamente religiosas ou políticas, além de chamar a atenção para os grupos excluídos dos beneficiários dos tratamentos nas normas existentes. Em razão de não existir uma corrente doutrinária majoritária sobre querela aqui debatida e por tratar-se de um assunto demasiadamente complexo, não há pretensão de esgotar as questões que cercam a PMA ou a Maternidade de Substituição.
A pesquisa desenvolvida para concepção do artigo, foi concebida através da metodologia nas esferas investigativa e do ordenamento jurídico, utilizando artigos, livros, monografias de diversos autores, assim como a experiência pessoal.  

1. A INFERTILIDADE E ALGUMAS DE SUAS CONSEQUÊNCIAS NO DECORRER DA HISTÓRIA HUMANA
Desde a antiguidade “nascer, crescer, se reproduzir e morrer” é a máxima que explica o ciclo natural da vida, dando ao homem a função de perpetuar sua espécie durante a sua existência e transferir aos seus descendentes a mesma obrigação. Na etapa reproduzir-se está explícito a importância da fertilidade, pois é através dela que se pode concluir com êxito a terceira fase da vida e então ficar apto para aguardar o fim da jornada.
Tal afirmação pode parecer trágica ou até absurda para realidade que vivemos no ano de 2015, quando tanto se discute o valor da vida, a valorização do ser humano e todas as conquistas nos diversos aspectos sociais existentes, já que o homem apresenta diariamente inovações para melhorar a sua qualidade de vida. Porém, intenta-se demonstrar não de forma taxativa, mas a partir de uma abordagem científica que a incapacidade de reprodução causa grandes traumas e danos emocionais, algumas vezes irreversíveis.
“A esterilidade tem sido considerada uma experiência de dilaceração biográfica, caracterizada pelo sofrimento e pelos conflitos pessoais vividos pelos homens e mulheres que atravessam esta situação (Bury, 1982). A falta da concretização do projeto parental leva à ruptura do afeto colocado nesse filho desejado (Hardy, 1998).”[3]
Podemos ver ao longo da história da civilização humana que a fertilidade tornou-se sinônimo de grandeza e consequentemente a falta dela, uma espécie de castigo. Para o pai da psicanalise Sigmund Freud, nas raízes dessa ideia está presente o desejo da imortalidade e o aperfeiçoamento da espécie[4].
A mitologia grega, antes do cristianismo já pregava a importância e o valor da fecundidade para os seres humanos. No Livro de Ouro da Mitologia, Thomas Bulfinch conta que o homem fora criado pelos deuses com todos os dons necessários para garantir a sua preservação na terra.
“Prometeu tomou um pouco dessa terra e, misturando-a com água, fez o homem à semelhança dos deuses. Deu-lhe o porte ereto, de maneira que, enquanto os outros animais têm o rosto voltado para baixo, olhando a terra, o homem levanta a cabeça para o céu e olha as estrelas. Prometeu era um dos titãs, uma raça gigantesca que habitou a Terra antes do homem. Ele e o seu irmão Epimeteu foram incumbidos de fazer o homem e assegurar-lhe, e aos outros animais, todas as faculdades necessárias à sua preservação.”[5]
Ao fazer do homem a sua semelhança, os deuses depositavam sobre ele a responsabilidade de dar continuidade a sua espécie, sendo uma das principais características a fertilidade. Não só na grega, mas também nas mitologias romana, oriental Zoroastro, nórdica e hindu os descendentes dos deuses eram a dádiva de seus poderes. A exemplo disso, o hinduísmos passou a ser considerado mais que um mito, tornando-se uma religião com crescente adeptos e devotos no oriente.
“Brahma é o criador do universo e a fonte de onde emanaram todas as divindades individuais [...]. Brahma resolveu dar à terra habitantes que fossem emanações diretas de seu próprio corpo. Assim, de sua boca saiu o filho mais velho, Brâmane (o sacerdote), ao qual ele confiou os quatro Vedas. Do braço direito, saiu Xátria (o guerreiro), e do braço esquerdo a esposa do guerreiro. Suas coxas produziam os Vaissias, do sexo masculino e do sexo feminino e, finalmente, de seus pés surgiram os Sudras. Os quatro filhos de Brahma, tão significativamente vindos ao mundo, tornaram-se os pais do gênero humano.”[6]
Na religião, os livros sagrados como a Bíblia do cristianismo, também, encontramos várias escritos onde fica claro a importância da fertilidade para a história do homem. As mulheres inférteis ou que não conseguiam engravidar eram vistas como amaldiçoadas, pois eram ocas e secas, delas não se podiam colher frutos. Gerar um filho era um presente de Deus e àquelas que não o recebiam, clamavam por um milagre.
Em diversos momentos dos evangelhos, assim como nos salmos, encontram-se relatos de Jesus operando a cura: “Dá um lar a estéril, e dela faz uma feliz mãe de filhos. Aleluia!”.[7]
Maria, mãe de Jesus, mesmo virgem foi a responsável a trazer para terra o filho de Deus que tiraria os pecados do mundo. Em face disso, sendo os povos ocidentais em sua grande maioria cristãos, as mulheres já crescem na expectativa de procriar-se e consolidar um família.
Ao pesquisar a história da humanidade, Friedrich Engels, demonstra as várias fases e formas que foram passando as famílias e sua formação, sendo relatado nesse desenvolvimento histórico a possibilidade de repudia, desfazimento do casamento ou até a troca da mulher que fosse estéril[8]. A realidade contemporânea não é mais a mesma, porém a conquista que permite a mulher ser reconhecida e valorizada por outros aspectos – além dos domésticos – ainda é recente, o que faz-nos conviver com gerações que ainda possuem tal concepção.
“A mulher tem direitos porque tem seu lugar no lar, sendo a encarregada de olhar para que não se extinga o fogo sagrado. É a mulher, sobretudo, que deve estar atenta a que este fogo se conserve puro, invoca‐o e oferece‐lhe sacrifícios. Tem pois também o seu sacerdócio. Onde a mulher não estiver, o culto doméstico acha‐se incompleto e insuficiente. Grande desgraça para os gregos é ter o “lar sem esposa”. Entre os romanos a presença da mulher é de tal modo indispensável ao sacrifício que o sacerdote, ficando viúvo, perde o seu sacerdócio.”[9]
 A história, também demonstra o valor de um homem fecundo, que é capaz de ter muitos filhos e dar continuidade a sua estirpe, como pode ser visto nos principados europeus que mantem até os dias atuais fortunas e títulos de nobreza resguardados pelos herdeiros de ‘sangue azul’.
“Também com Henrique IV da França (1553-1610) vê-se a importância da fertilidade, mesmo fora do casamento, e sua relação com a nobreza. Soberano francês nascido em Pau, no sul da França, conhecido como o fundador da dinastia de Bourbon, filho de Antonio de Bourbon, duque de Vendôme, e de Joana III de Albret, rainha de Navarra, o rei foi assassinado nas ruas de Paris por um fanático chamado François Ravaillac. Maria de Médicis, princesa da Toscana e sua segunda esposa (1600), encarregou-se da regência em função da menoridade do príncipe herdeiro e seu filho primogênito, o futuro Luís XIII. Apesar de não ter tido filhos com a primeira esposa, com a princesa Maria de Médicis, o rei teve seis crianças, e com a amante, Gabrielle d'Estrées, mais quatro.”[10]
Buscando realizar o “milagre” a ciência caminha a passos largos, o que há poucas décadas era impossível, agora pode ser feito em clínicas e hospitais no mundo inteiro. A inteligência sem limites do homem disponibilizou às pessoas com problemas de infertilidade ou esterilidade a possibilidade de reproduzir-se, através de técnicas de Procriação Medicamente Assistida.
A reprodução humana, na segunda metade do século XX, teve um grande avanço, podendo ser considerado o marco inicial de um período de grandes realizações. Na década de 70, com o bem sucedido procedimento de Fertilização in vitro nasceu Louise Brown, o primeiro bebê humano de proveta e junto nasceu a expectativa de várias famílias em concretizar o sonho de ser pai e/ou mãe.
Ao observar a evolução da humanidade, vê-se na grande maioria da população a manutenção do desejo de cumprir as fases da vida e o anseio de realizar-se como homem/mulher através da herança genética deixada em seus descendentes. Logo, quando a realidade é contrária a essa aspiração, surgem problemas de todas as ordens.
“O advento de uma concepção é uma questão que atravessa gerações, pois situa tanto uma relação com a história materna e paterna, quanto com todas as gerações que a precederam. Se o que estamos dizendo é que a maternidade e a paternidade são o resultado de um complexo tecido simbólico, cujas raízes remontam à “pré-história” do indivíduo e que sobre elas erigem-se desejos de matizes singulares, defrontar-se com uma impossibilidade de realização deste desejo, pode provocar efeitos devastadores sobre o psiquismo humano.”[11]
A realidade do século XXI, com o avanço das ciências médicas reprodutivas, a tecnologia e os diversos métodos de tratamento para infertilidade, esterilidade ou impossibilidade de uma gravidez de forma natural, disponibiliza diversas possibilidades de realizar a parentabilidade aos cidadãos, porém, surgem também, modificações nos sistemas de filiação. Ocorre que os sistemas legislativos – de forma geral – não conseguem acompanhar tanto avanço.
A psicóloga Débora Farinati[12] esclarece as mudanças que ocorrem a partir da cisão entre natureza e a cultura com o advento das Reproduções Artificiais através da visão da antropóloga Cláudia Fonseca:
“Na literatura científica destacam-se três descobertas: 1) a pílula contraceptiva, que permitiu cópula sem concepção; 2) a fertilização in vitro, que permitiu a gravidez sem cópula e 3) a barriga de aluguel, que permitiu a maternidade sem gestação. Afirma-se que, uma vez desfeitas as antigas verdades da reprodução, pela tecnologia moderna, a “perda da inocência” é irreversível. Fonseca acrescenta uma quarta descoberta que marca de forma contundente a conceituação de família, as relações de gênero e parentesco: o teste de DNA para verificação dos laços de paternidade.”[13]
Com tantas descobertas é chegado o momento em que se precisa emparelhar a religião, a justiça, a medicina e as normas legislativas ao tratar de Procriação Medicamente Assistida, mantendo-se a ética, todavia considerando os aspectos psicológicos e humanos daqueles que necessitam de tal remédio, conforme Daury Fabriz sintetiza “A ética deve ser observada em todos os setores da vida humana, visto que as partes sempre implicam o todo.”[14]

3. PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA E AS POLÊMICAS SOBRE A MATERINIDADE DE SUBSTITUIÇÃO
A Procriação Medicamente Assistida é um tipo de tratamento médico, desenvolvido como forma subsidiária àqueles utilizados para pessoas com dificuldades ou impossibilidades de procriar-se de forma natural. O tratamento pode ser desenvolvido por alguns métodos artificiais, que serão utilizados a partir de prévia avaliação médica, por especialista no assunto e segundo as condições clínicas do paciente.
“Entende-se por técnicas de Reprodução Humana Assistida, também denominada técnica de Reprodução Medicamente Assistida, o conjunto de procedimentos que visa obter uma gestação substituindo ou facilitando uma etapa deficiente no processo reprodutivo, através da união dos gametas masculino e feminino. Porém, dependendo do problema apresentado pelo casal haverá a indicação médica de uma ou outra técnica apropriada para o caso específico.”[15]
Os tratamentos de reprodução humana podem ser utilizados para tratar mulheres e homens inférteis ou estéreis, casais com relações homossexuais e celibatários pela incapacidade procriativa e, ainda, aqueles casais que estão impossibilitados por outras doenças.
A Organização Mundial de Saúde – OMS estima que a infertilidade atinge de 60 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução calcula que 9% dos casais precisam de algum tipo de tratamento para conseguir engravidar[16].
Vários são os métodos que poderão ser utilizados de acordo com situação, adequando-se a realidade do paciente, podendo esses serem homólogos ou heterólogos. Os homólogos são aqueles onde todo o material genético é do próprio casal que está fazendo a RMA, e ainda, a gestação será feita pelo útero da mesma mulher.
Mais complexo porém, são os casos de tratamentos que dependem de uma terceira pessoa como doadora de um dos elementos essenciais para a reprodução, como sêmen, óvulo ou útero. Nesses casos, as técnicas utilizadas serão heterólogas.
A Reprodução Artificial é tão polêmica quanto as questões sobre aborto, eutanásia ou pena de morte, sendo ainda tratados como tabus para sociedade contemporânea. Passou-se trinta e seis anos desde o nascimento de Louise Brown e a PMA não alcançou um entendimento pacífico, mas as três décadas trouxeram algum respeito e a liberdade – em diversos países – de poder faze-la, seja de acordo com o permitido pela lei ou pelo que não é proibido por ela, nos casos de sua ausência.
“O que o torna possível uma verdadeira família não é a maneira pela qual ela se constituiu, mas o amor, o respeito e a alegria pela vinda do outro. Em todas as doenças humanas, a incapacidade de reproduzir-se naturalmente é uma das que mais nos torturam. E, para curá-las, o homem criou a medicina reprodutiva. E esta, por sua vez, criou a reprodução assistida.”[17]
Para melhor entendimento, segue abaixo um quadro com as hipóteses de tratamento de Procriação Medicamente Assistida existentes na atualidade[18]:

Siglas:
AID – Artificial Insemination by Donor (Inseminação por doador)
AIH – Artificial Insemination by Husband (Inseminação por marido)
FIVET – Fertilização in vitro
GIFT – Gametha Intra Fallopian Transfer (Transferência intratubária de gametas)
ZIFT-H – Zibot Intra Fallopian Transfer (Transferência intratubária de zigotos)
Ressalta-se que na tabela acima não estão indicadas as hipóteses específicas de monoparentalidade, que diferenciam-se por não possuir uma relação de casal, sendo indispensável o auxílio de um doador ou doadora, que substituirá a figura de esposa/marido ou companheiro (a). Nesses casos, a criança terá apenas mãe ou pai, popularmente chamados de “produção independente”.
Sem a intenção de aprofundar-se no assunto, mas apenas como referência para o tema principal do objeto desse trabalho, uma vez que o citado grupo de pacientes poderia ser tema de longas pesquisas, chama-se a atenção para o celibatários e homossexuais, pois não possuem qualquer deficiência reprodutiva, porém precisam recorrer as técnicas de PMA para alcançar o desejo de constituir família, situações que não constam nas estatísticas dos órgãos reguladores de reprodução humana, todavia precisam ser respeitados e dedicar-lhes os mesmos cuidados que aos inférteis ou estéreis.
“As modernas técnicas da medicina romperam o liame – aparentemente indissociável – entre procriação e sexo, tornando viável a reprodução na ausência de qualquer ato sexual. E mais: avançaram de forma a permitir que uma situação, até então pensada para um par – invariavelmente de sexo diferente – pudesse ser pensada a um, ou por um casal do mesmo sexo. Em resumo: deixou de forçoso que para procriar, uma mulher tivesse que se unir – física ou emocionalmente – a um homem e vice­versa.”[19]
Dentre os métodos disponíveis pela medicina para o tratamento de casos de infertilidade e esterilidade, a Maternidade de Substituição é a forma mais problemática e menos aceita pela sociedade, uma vez que é necessária a participação de uma terceira pessoa, a qual não possui qualquer deficiência reprodutiva, não transfere ao bebê gerado sua carga genética (existe exceções conforme será visto a seguir), e ainda, não terá sobre ele qualquer direito.
“Sarai, mulher de Abrão, não lhe tinha dado filho; mas, possuindo uma escrava egípcia, chamada Agar, disse a Abrão: "Eis que o Senhor me fez estéril; rogo-te que tomes a minha escrava, para ver se, ao menos por ela, eu posso ter filhos." Abrão aceitou a proposta de Sarai”.[20]
Conforme pode se observar no quadro apresentado, há no mínimo seis hipóteses em que a maternidade de substituição poderá ser utilizada, porém de todas as possibilidades é a última alternativa desejada pelos pais biológicos (ou que receberam a doação de material genético), pelos riscos e consequências que dela podem ocorrer.
A maternidade de substituição pode ser parcial ou total, que diferenciam-se pela doação do óvulo, ou seja, no processo parcial a mãe substituta além de gestar a criança, também fornecerá o óvulo. Na substituição total, o sêmen e o óvulo serão de terceiros e a mãe substituta cederá somente o útero para a gestação.[21]
Casais homossexuais masculinos e mulheres que possuem problemas ou doenças incapacitantes para gravidez buscam nessa técnica a real possibilidade de alcançar a reprodução, de construir sua família, de perpetuar sua espécie e dar continuidade a sua geração. Porém tal solução acarreta vários problemas no âmbito social, dentre esses o comércio que pode decorrer na utilização do útero.
“Não se pode mais levar em conta apenas os aspectos genéticos, biológicos, gestacionais e afetivos, ou até mesmos legais, para a averiguação da parentalidade. Somos parte de algo muito maior, em que a doença da infertilidade fez com que a ciência viabilizasse a formação de vida fora do corpo, e mais, a gestação fora do útero materno, colaborando ainda a cessão de útero para que hipóteses de esterilidade do casal sejam suprimidas por meio de embrião doado por outrem e utilizando o útero emprestado de mulher estranha à relação, realizando‐se então o sonho da maternidade e da paternidade. Nesse mesmo sentido, devemos mencionar a possibilidade de utilização da técnica por pessoa que não detenha propriamente patologia que impossibilite a procriação. Ao aplicá‐la em casos em que o desejo de ser mãe ou pai é exercido por casais homossexuais, enfrenta‐se a inexistência de infertilidade ou de esterilidade, mas ela é utilizada em quem, no exercício de sua sexualidade, copula apenas com pessoas do mesmo sexo; não se pode exigir‐lhe que, para a obtenção de descendência, pratique sexo com quem o repulsa, em respeito à sua dignidade humana.” [22]
Importante, ainda, analisar que a mãe substituta possa – ocasionalmente – não compartilhar com a criança carga genética, mas sofrerá todas as consequências de uma gravidez comum e os perigos que dela decorram.
A mulher que se dispõe a enfrentar uma gravidez – e àqueles que dela beneficiar-se-ão – deve saber que seus corpo sofrerá várias alterações para acomodar aquela nova vida que em seu útero está sendo gerada, ficando desse modo muito mais vulnerável a doenças e infecções, extensivas ao feto, podendo ocorrer malformações fetais, anomalias ou até aborto.[23]
Destaca-se, ainda, as consequências psicológicas que atingem a todos os envolvidos nesse processo, pais biológicos ou substitutos, além dos demais integrantes da família que compartilham as expectativas nestes casos.
Para realizar um sonho, fazer valer o direito de constituir família, perpetuar seu nome, dentre outros motivos que fazem uma pessoa ou um casal buscar o auxílio de uma terceira pessoa para gestar a criança, algumas vezes até sem o apoio legislativo e judicial, acarreta consequências e incertezas de várias ordens. Contudo o papel da mãe substituta, embora em alguns países seja permitido como um contrato comércio, é de total entrega e altruísmo, todavia que enfrenta uma gravidez – que SEMPRE será imprecisa – em prol do amor, da compaixão e da caridade ao próximo, quando algumas vezes esse próximo nem ao menos é de sua família.
“Na direção da ação humana encontram-se os princípios morais, mas os desejos altruístas nem sempre coincidem com estes pois refletem preferências que a moral não contempla, surgindo na divisão entre desejos altruísta e princípios morais, o conceito de amor.”[24]
As controvérsias são muitas, pois os métodos de Procriação Medicamente Assistida assim como podem ajudar na deficiência em reproduzir-se de forma natural, podem também causar várias dúvidas, como: O que deverá ser feito com os embriões criopreservados (congelados) que não foram utilizados no tratamento? Descarta-los não pode ser um tipo de aborto? É correto utilizar o material genético de um pessoa post mortem? Deve-se incentivar as técnicas de eugenia? Até que ponto essas técnicas serão prejudiciais?
Além das inúmeras dúvidas, existe questões que decorrem da Maternidade de Substituição que também precisam ser legisladas e estudadas, pois trata-se de uma realidade contemporânea e urgente. A exemplo de como definir quem são os verdadeiros pais ou se a criança gerada por barriga de aluguel terá direito a herança no caso de morte dos pais “encomendantes” antes de seu nascimento.
A imprensa internacional, já noticiou casos em que os pais que contrataram a mãe substituta se recusaram a ficar com o bebê em razão do mesmo de ter nascido com doenças físicas ou retardo mental. Não são raros, também, as vezes em que as Mães de aluguel não querem entregar o bebê.
No meio de toda essa problemática, vale lembrar, que a criança nascida de forma diferente da considerada “natural”, precisa ser preparada para enfrentar uma sociedade que, ainda, não vê de forma “normal” alguns métodos de Reprodução Artificial, o que pode causar-lhe confusões e grandes traumas psicológicos.
Uma recente publicação em revista eletrônica portuguesa, ilustra como há resistência e o preconceito sobre o assunto, quando toma como conceito de Maternidade de Substituição as excentricidades de famosos tidos como celebridades:
“Realmente só pessoas que não são grandes seres humanos, como costuma dizer-se nessas colunas (o que será uma pessoa que não é um ser humano?), consegue não ficar rendida ao guarda-roupa das filhas de Sarah Jessica Parker, na verdade nascidas de uma anónima barriga de aluguer, à revelação de que Sofia Vergara encomendou um bebé a uma amiga porque a sua carreira não lhe permite ficar grávida – a invocação da atarefada vida social para não ficar gravida é fantástica quando proferida por alguém que se propõe ser mãe: ou não sabe o que a espera ou vai ser mãe por correspondência – ou ainda à novela em torno da chegada do novo filho de Elton John em cujo certificado de nascimento surge no lugar da mãe o homem com quem Elton John casou.”[25]
É nesse conflito de emoções e razões que desenvolve-se o tratamento de Maternidade de Substituição, sendo proibido em alguns países, não legislados em outros, e até comercializado em uns. Ou seja, na falta de unidade dos sistemas jurídicos, reitera-se que a ética deve ser a norteadora das ações humanas também no que se refere a PMA.

4. A MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO E AS DIFERENTES VISÕES LEGISLATIVAS
Assim como em outras áreas da vida de uma indivíduo, reproduzir-se a partir de métodos artificiais não depende exclusivamente da vontade do paciente, vários aspectos sociais precisam ser considerados e respeitados para evitar o desvio do objetivo científico e humano. Logo, o grande avanço tecnológico da medicina de reprodução, deve estar em concordância com as demais ciência que regem a vida humana.
“As ciências e as técnicas, por outro lado, vêm demonstrando que seus resultados podem ser aproveitados por todos, implementados em benefício de toda a comunidade, e que a pesquisa científica, em busca de conhecer mais amplo, é algo que parte da própria essência humana. Resulta, de outro modo, a necessidade de se estabelecerem um desenvolvimento subjacente a um juízo crítico, a fim de se determinarem, racionalmente, quais reais necessidades, relevância e pertinência de determinada pesquisa científica, dos seus pressupostos, bem como os seus impactos no contexto sociopolítico. Isso sem mencionar outros aspectos, tais como os de corte epistemológicos e filosóficos aí envolvidos.”[26]
Os dogmas religiosos, os costumes, a ética, a moral, os interesses sociais, a política e a economia são também norteadores, de forma geral e específica, do bom aproveitamento das ciências médicas e o resultado do que o seu uso trará a sociedade. Ou seja, quando as descobertas da ciência saem de um laboratório, não podem ser imediatamente usadas pelo indivíduo, sob risco de causar problemas as demais ciências que regem a sociedade.
Surge, então, o conflito entre os interesses coletivos e os interesses individuais. O que pode acarretar a um cidadão estéril o seguinte questionamento, ‘por que preciso de uma lei que me autorize a fazer um tratamento de PMA, uma vez que as consequências do tratamento só cabem a mim e ao meu/minha parceiro(a)?’. Para esse questionamento, diversas poderão ser as respostas, mas antes de buscar quaisquer delas, é indispensável que se entenda, que tal procedimento intenta gerar um novo ser humano, logo a responsabilidade imediata é do Estado.
“a dúvida que assombra o momento atual da evolução das técnicas de reprodução assistida é saber se esse desejo tem cunho de direito, ou é algo que lhe seja garantido por lei.”[27]
A pluralidade do assunto é discutida em vários campos do Direito, considerando a sua importância, não podia ocorrer de forma diferente, logo, juristas dos ramos de constitucional, penal, civil, família, sucessão, previdenciário, internacional e outros têm se manifestado sobre o tema, evidenciando que acima de qualquer problemática discute-se a Vida Humana.
Quando o problema é visto a partir dessa ótica ou é feita essa análise, percebe-se a importância da existência de uma norma legislativa sobre o assunto. Mas legislar sobre um assunto com tantos interesses e opiniões controversas não é a mais fácil das tarefas. Países como Estados Unidos, Inglaterra e Portugal já possuem lei regulamentadora de PMA, porém nenhuma conseguiu ser suficiente para atender os anseios de todos os cidadãos.
No Brasil ao contrário de Portugal, a procriação medicamente assistida, ainda não foi legislada, logo não é ilícita a prática da Maternidade de Substituição. Todavia alguns doutrinadores, como o ilustre jurista Silvio de Salvo Venosa[28] entendem como imoral e nulo um contrato que nela resulte. A lacuna gerada pela ausência da Lei margeia diversas interpretações, conforme entendido pelo princípio da legalidade, levando o interprete a considerar o que é dito pelo brocardo nullum crimen nulla poena sine lege[29].
Os questionamentos apresentados, envolvem a Reprodução Artificial de uma forma geral, porém um de seus métodos tem sido particularmente visto de forma mais complexa e encontra mais dificuldade de aceitação do que os demais. Trata-se da Maternidade de Substituição ou, também conhecida como, barriga de aluguel.
“Defender a liberdade de procriar é enfatizar que se existe direito à fecundidade, nem a lei civil, nem a religiosa o negam. A sociedade, assim como o Estado, tem a incumbência de amparar os casais que se chocam contra o obstáculo da esterilidade, para superar essa barreira. Ensina Maria Claúdia Crespo Brauner que, embora seja a adoção uma experiência enriquecedora, devendo ser incentivada dia a dia, ela não representa o caminho escolhido por todos que não podem gerar naturalmente, pelo que deve ser dado reconhecimento aos métodos ofertados pela ciência moderna para tratar da infertilidade e da esterilidade, dado que a esterilidade não é aceita facilmente, razão pela qual mulheres estéreis se socorrem dos métodos de reprodução medicamente assistida, dentre as quais ganha relevância a gestação de substituição.”[30]
Conforme explicado anteriormente, a Maternidade de Substituição é um método de procriação medicamente assistida onde o gameta de um casal – casados ou não, que se conheçam ou não – desenvolve-se na barriga de uma terceira mulher, a qual não dará a criança quaisquer de suas características genéticas, servindo apenas como “hospedeira” daquele que fora produzido in vitro.
Embora não transfira para o bebê seu DNA, a Mãe de Substituição carregará todos os riscos e consequências físicas de uma gravidez comum. A partir de então essa mãe tem ou não direitos sobre esse filho? Será válido um contrato de barriga de aluguel, uma vez que o objeto do contrato é um órgão humano? Ou para alguns, a vida de uma criança?
A depender da parte do procedimento que se esteja a analisar, diferentes serão as opiniões. Tão diferentes são, ainda, as opiniões de quem não tem sobre a Procriação Medicamente Assistida qualquer necessidade, qual seja a grande maioria da sociedade e principalmente os legisladores.
Nessa realidade, as Leis n.º 32/2006 de Portugal e n.º 14/2006 da Espanha proíbem a prática de Maternidade de Substituição.

“(Portugal) Lei N.º 32/2006: Artigo 8º. Maternidade de substituição
1 — São nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de maternidade de substituição.
2 — Entende-se por «maternidade de substituição» qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade.
3 — A mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer.”

(Espanha) Lei N.º 14/2006: Artículo 10. Gestación por sustitución.
1. Será nulo de pleno derecho el contrato por el que se convenga la gestación, con o sin precio, a cargo de una mujer que renuncia a la filiación materna a favor del contratante o de un tercero.
2. La filiación de los hijos nacidos por gestación de sustitución será determinada por el parto.
3. Queda a salvo la posible acción de reclamación de la paternidad respecto del padre biológico, conforme a las reglas generales.”
Há Países, no entanto, que a Barriga de Aluguel é permitida como na Índia, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos, esse último reconhecendo legalmente o contrato oneroso entre as partes.

No Brasil a Maternidade de Substituição é permitida pela Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina, porém trata-se de uma normativa sem força de lei, devendo ser utilizada como dispositivo de proteção ética aos profissionais da área médica, não sendo esse o remédio legislativo para as necessidades dos cidadãos.
Na Argentina, país vizinho e fronteiriço do Brasil, já existe a segunda lei que trata do assunto, tendo a primeira entrado em vigor no ano de 2010, porém limitada a província de Buenos Aires. Com o intuito de adequar-se à realidade de seus cidadãos e viabilizar a demanda existente, em 2013 passou a viger em todo o território argentino a Lei N.º 26.862.
Em recente pesquisa, cientistas da Fundação Mineira de Educação e Cultura, apresentaram um estudo comparativo sobre a regulamentação da Reprodução Humana na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai e demonstraram o avanço sobre o assunto na Argentina.
“Em 23 de julho de 2013 entro em vigor a Lei n◦26.862, atualmente vigente em todo o território argentino. Essa lei tem como objetivo garantir o acesso integral aos procedimentos e às técnicas médicas de RA. Os pontos principais são:
• Acesso gratuito aos procedimentos médicos para todos os cidadãos, sejam eles casais heterossexuais ou homossexuais, ou ainda pessoas solteiras, que tenham ou não algum problema de saúde. O sistema de saúde pública cobrirá todo argentino e todo habitante que tenha residência definitiva. Não há menção de limites de idade.
• Em situação de reprodução medicamente assistida que requeira gametas ou embriões doados, esses deverão ser oriundos dos bancos de gametas ou embriões devidamente inscritos no Registro Federal de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde. A doação nunca poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
• Estão incluídos na cobertura prevista nesse artigo os serviços de preservação de gametas ou tecidos reprodutivos destinados àquelas pessoas, incluindo menores de 18 anos, que em caso de não poder concluir uma gestação por problemas de saúde ou tratamentos médicos, ou ainda intervenções cirúrgicas, possam evitar o comprometimento da capacidade de procriar.
Comparada com a antiga lei da província de Buenos Aires, a nova lei de RHA da Argentina é um projeto avançado, porque não requer dos receptores comprovação de infertilidade ou estar em um relacionamento, não discrimina por sexo ou idade, inclui técnicas de alta complexidade e novos procedimentos e técnicas desenvolvidos mediante avanços técnico-científicos quando forem autorizados pelo Ministério da Saúde.”[31]
A falta de uniformidade no tratamento do assunto, quando visto pelo Direito Comparado entre alguns Países, demonstra – ainda que superficialmente – as adversidades que aguardam o casal ou indivíduo infértil ou estéril, homossexual e/ou celibatário que pretende exercer o direito de constituir uma família, reproduzir sua espécie e desenvolver o direito de procriar.
Após quase 70 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ainda se faz necessário um indivíduo ter que sair de sua pátria e dirigir-se a uma outra para conseguir exercer o direito de ser igual. Não menos pior é, ainda, se fazer necessário praticar a barriga de aluguel de forma clandestina por ser homossexual.[32]
Não são poucos os casos onde casais homossexuais masculinos recorrem ao método para ter realizado o desejo de ser pai, de ter filhos, de constituir uma família completa e se sentir pleno como homem. Ocorre que para realização desse sonho, o casal desembolsará em média $ 50.000,00 dólares indo até a Índia para ter acesso de forma livre e pacífica a clínicas ou centros de reprodução assistida. No País, tal procedimento já está mercantilizado e ficou famoso por atrair o “turismo reprodutivo”.[33]
Tratando-se de valores, a Índia leva vantagem quando comparada aos Estados Unidos, pois o mesmo tratamento nos Estados Norte Americanos custa em média $ 200.000,00 dólares. Eis a realidade enfrentada por um casal para ser pais.
Além do valor astronômico para realidade da maioria das pessoas, após o tratamento, quando bem sucedido, inicia-se a batalha para o reconhecimento da certidão de nascimento sem o nome da mãe que gestou o bebê e a nacionalização da criança. Como retornar ao seu País, junto com seu filho, se a certidão de nascimento não é aceita, uma vez que a reprodução ocorreu de uma forma proibida na legislação local?
Essa realidade fez com que o Instituto dos Registos e do Notoriado – Português, fizesse um parecer para orientar as Conservatórias como proceder nos casos de registro e cidadania de crianças nascidas de maternidade de substituição.
O Parecer P.º C.C. 96/2010 – SJC[34], assim concluiu:
“8. Se no momento da declaração de nascimento atributiva da nacionalidade portuguesa, por o interessado ser filho de pai português, se suscitarem dúvidas ao serviço intermediário sobre a identidade ou veracidade das declarações prestadas, designadamente sobre a identidade da mãe e os elementos do parto, pode e deve o funcionário solicitar a presença de testemunhas, ao abrigo do art.º 45.º do Código do Registo Civil.
9. Se, no momento da declaração referida no número anterior, for declarado, ou resultar dos documentos apresentados, a existência de gravidez de substituição, deve ser solicitada a identificação da parturiente para ficar a constar como mãe no registo. Caso seja invocado o desconhecimento da sua identidade, e a mesma não resultar dos documentos apresentados, da declaração de nascimento ficará a constar apenas a filiação paterna.”
Ao longo do mesmo parecer, que fora aprovado por seu conselho técnico em março de 2012, o Instituto dá o seguinte aconselhamento, emprestado por Luís Archer, no artigo “O progresso da genética e o espirito eugénico”:
“É imperioso que as novas gerações não venham um dia a considerar-se vítimas do nosso tecnologismo. E nós, teremos de assumir a grave responsabilidade de decidir que tipo de humanidade e de sociedade queremos preparar para o próximo milénio.”

5. O DIREITO DE ESCOLHA E A REALIDADE DAS LEIS E JULGADOS EM PORTUGAL
O século XX destacou-se por seus avanços tecnológicos, mas também é responsável pelo aumento das expectativas e necessidades humanas. O que há pouco tempo eram novidades revolucionárias, atualmente são meras lembranças de um tempo o qual não tem mais espaço na realidade do século XXI. A Maternidade de Substituição porém é uma realidade que ainda busca seu espaço.
No ano de 2006 entrou em vigor em Portugal a Lei N.º 32 que trata e normatiza os tratamento de Procriação Medicamente Assistida, comparado aos demais países da Europa, foi um dos últimos a legislar sobre o assunto, embora relativamente tardio, a lei conta com vários aspectos positivos, principalmente pela criação do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, dando-lhe autonomia para se pronunciar sobre as questões éticas, sociais e legais da PMA.
Ter um Conselho que trate especificamente sobre Reprodução Humana é um grande avanço, pois mesmo que de forma genérica, existe a preocupação e o cuidado ao tratar de um assunto tão complexo, dando-lhe celeridade e a garantia de que o casos apreciados serão tratados por pessoas com competência e conhecimento.

Artigo 30º. Conselho Nacional de Procriação medicamente Assistida
1 — É criado o Conselho Nacional de Procriação medicamente Assistida, adiante designado por CNPMA, ao qual compete, genericamente, pronunciar-se sobre as questões éticas, sociais e legais da PMA.
2 — São atribuições do CNPMA, designadamente:
a) Actualizar a informação científica sobre a PMA e sobre as técnicas reguladas pela presente legislação;
b) Estabelecer as condições em que devem ser autorizados os centros onde são ministradas as técnicas de PMA, bem como os centros onde sejam preservados gâmetas ou embriões;
c) Acompanhar a actividade dos centros referidos na alínea anterior, fiscalizando o cumprimento da presente lei, em articulação com as entidades públicas competentes;
d) Dar parecer sobre a autorização de novos centros, bem como sobre situações de suspensão ou revogação dessa autorização;
e) Dar parecer sobre a constituição de bancos de células estaminais, bem como sobre o destino do material biológico resultante do encerramento destes;
f) Estabelecer orientações relacionadas com a DGPI, no âmbito dos artigos 28º e 29º da presente lei;
g) Apreciar, aprovando ou rejeitando, os projectos de investigação que envolvam embriões, nos termos do artigo 9º;
h) Aprovar o documento através do qual os beneficiários das técnicas de PMA prestam o seu consentimento;
i) Prestar as informações relacionadas com os dadores, nos termos e com os limites previstos no artigo 15º;
j) Pronunciar-se sobre a implementação das técnicasde PMA no Serviço Nacional de Saúde;
l) Reunir as informações a que se refere o n.º 2 do artigo 13º, efectuando o seu tratamento científico e avaliando os resultados médico-sanitários e psicossociológicos da prática da PMA;
m) Definir o modelo dos relatórios anuais de actividade dos centros de PMA;
n) Receber e avaliar os relatórios previstos na alínea anterior;
o) Contribuir para a divulgação das técnicas disponíveis e para o debate acerca das suas aplicabilidades;
p) Centralizar toda a informação relevante acerca da aplicação das técnicas de PMA, nomeadamente registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas;
q) Deliberar caso a caso sobre a utilização das técnicas de PMA para selecção de grupo HLA compatível para efeitos de tratamento de doença grave.
3 — O CNPMA apresenta à Assembleia da República e aos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia um relatório anual sobre as suas actividades e sobre as actividades dos serviços públicos e privados, descrevendo o estado da utilização das técnicas de PMA, formulando as recomendações que entender pertinentes, nomeadamente sobre as alterações legislativas necessárias para adequar a prática da PMA à evolução científica, tecnológica, cultural e social.”[35]
A referida Lei, orienta ainda sobre a fertilização post mortem, paternidade, comercialização de material genético, os beneficiários do tratamento, dentre outros demasiadamente importantes para a causa.
Considerando que o direito de constituir família[36] é uma garantia prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos[37] e nas Constituições de países signatários, inclusive a de Portugal que específica o direito em seu artigo n.º 36, dando a todos plena condição de igualdade.
Com base nas legislações apresentadas e os direitos por elas garantidos, fica evidente o direito do indivíduo em buscar alternativas dentre os meios possíveis de tratamento, quando por motivos alheios a sua vontade, se encontre impossibilitado de reproduzir-se de forma natural. Graças ao avanço científico tais tratamentos já são realidade e estão disponíveis.
Ocorre que a legislação portuguesa impôs limites para a utilização das técnicas de RMA, ferindo profundamente, além de sua Carta Magna, os princípios da igualdade, legalidade e não discriminação. Logo, o direito de escolha não atinge seus cidadãos de forma homogênea.
Destaca-se na Lei n.º 32/2006, três situações que merecem ser revistas e adequadas não só aos parâmetros legais, mas a realidade contemporânea de toda a sociedade, são: a proibição do uso de técnicas de Reprodução Medicamente Assistida por pessoas solteiras e por pessoas casadas com outras do mesmo sexo, além de não permitir a técnica de Maternidade de Substituição em nenhuma hipótese, sendo a pratica, quando onerosa, punível com prisão.

Artigo 6º. Beneficiários
1 — Só as pessoas casadas que não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de facto ou as que, sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos podem recorrer a técnicas de PMA.
2 — [...]

Artigo 39º. Maternidade de substituição
1 — Quem concretizar contratos de maternidade de substituição a título oneroso é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
2 — Quem promover, por qualquer meio, designadamente através de convite directo ou por interposta pessoa, ou de anúncio público, a maternidade de substituição a título oneroso é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.”
Em razão de vários entendimentos de violações de direitos constitucionais, o Tribunal Constitucional reuniu-se para julgar algumas das questões, resultando no Acórdão n.º 101/2009. Porém, as situações citadas anteriormente não foram modificadas, restando ainda lacunas a serem preenchidas, conforme demonstra o trecho extraído do relatório do indicado Acórdão:
“A Lei n.º 32/2006 também apresenta vários problemas de inconstitucionalidade material e de violação da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (Convenção de Oviedo) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que, por via do artigo 8.º da Constituição, fazem parte do ordenamento jurídico português.”[38]
No que se refere a proibição da técnica de Maternidade de Substituição, o relator do Acórdão, declarou:
“O preceito proíbe claramente a celebração de negócios jurídicos de maternidade de substituição, independentemente de serem onerosos ou gratuitos, qualificando-os como nulos (n.º 1). E o n.º 3 do mesmo artigo esclarece, em conformidade com o regime da nulidade, que «a mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer». Esse regime não revela permissividade do legislador face à maternidade de substituição gratuita, pois nega a esta prática quaisquer efeitos jurídicos, permitindo que a esses casos se aplique a regra de estabelecimento da filiação constante do artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual, relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento.”[39]
 As tentativas de mudança na Lei, porém persistem, há ainda três projetos de lei no congresso português aguardando votação, no ano de 2012 dois deles já alcançaram aprovação na reunião plenária n.º 62, foram o 131/XII e o 138/XII. Em minucioso estudo sobre Maternidade de Substituição, a médica Dra. Joana Gago, apresentou de forma bastante didática uma tabela comparativa entre as propostas de mudanças na lei, as quais versam exatamente sobre as três situações apontadas anteriormente, conforme segue abaixo[40]:
Sem adentrar as demais situações apontadas como discriminatórias nesse capítulo, reitera-se que ao manter a proibição da pratica de Maternidade de Substituição, os grupos excluídos como beneficiários pela Lei são duplamente prejudicados, pois as pessoas que convivem em relação homossexual, principalmente quando são do sexo masculino, só podem recorrer a “barriga de aluguel” para procriar, uma vez que é contra a sua identidade e liberdade manter relações sexuais com mulheres.
Aspectos psicológicos causados pela infertilidade/esterilidade, homossexualismo ou celibato precisam ser considerados, tanto quanto os aspectos práticos e comerciais na propositura das normas legislativas que tratam da PMA, sob pena de cometer-se injustiça discriminatória e, ainda, estimular práticas ilegais.

REFLEXÃO FINAL
A realidade moderna nos induz a acreditar que tudo é possível, uma vez que a tecnologia e a ciência são movidas pelas imaginação do homem, a ponto de muitas vezes confundir-se a realidade do presente com a perspectiva de futuro. Quando tal evolução é utilizada em benefício do desenvolvimento humano, como a cura de doenças ou a diminuição das diferenças sociais, devemos estimulá-las. Porém, nem sempre a modernidade tem boas intenções.
Para evitar o desvirtuamento da evolução tecnológica, a sociedade precisa que o Estado atue como fiscal dessas práticas e qualifique-as conforme as suas necessidades e suas utilidades. Ocorre que para exercer essa função, se faz necessário o uso de ferramentas legislativas apropriadas, sempre com base no princípio da dignidade da pessoa humana.
Quando se trata de Procriação Medicamente Assistida a ciência e as leis não conseguem caminhar no mesmo ritmo. Esse descompasso tem sido o principal causador das problemáticas existentes sobre o assunto. De forma alegórica, pode-se dizer que existe a “fome” e a “comida”, porém ainda não existe o caminho para que um chegue até o outro.
“Não há como negar, nem voltar atrás, a tecnologia hoje existente incorporase à nossa realidade, e de nada adianta tentarmos legislar para os nossos antepassados. Certo é que, utilizandose do bom senso, o homem será capaz de trazer cada vez mais melhorias à sociedade, podendo fazer uso, para esta finalidade, de regramentos os mais diversos.
A Reprodução Humana Assistida é palco de inúmeras inovações tecnológicas, em que se somam conhecimentos científicos a fim de obter uma melhor qualidade de vida dos indivíduos. Nosso ordenamento jurídico simplesmente retrata os anseios sociais e, na retaguarda da evolução biotecnológica, busca soluções para os problemas já existentes e aqueles que possivelmente, em um futuro próximo, possam surgir.”[41]
Sem alimentar uma imagem pessimista, muito já se alcançou quando analisa-se a evolução histórica dos problemas com a infertilidade, mas ainda de forma seletiva e excludente. Primoroso seria a realidade em que as leis que tratam de Reprodução Humana fossem feitas visando atender as necessidades reais dos pacientes e da comunidade científica, excluindo os princípios políticos e religiosos que muitas vezes acabam por sobressair-se aos princípios éticos.
A Maternidade de Substituição muito mais que uma técnica de PMA é uma oportunidade que o indivíduo possui de manter viva a sua história, o seu nome, a sua família. As pessoas que recorrem a Reprodução Artificial são diversas e com necessidades que vão além das limitadas por um grupo específico da sociedade que é infértil ou estéril. O conceito de família mudou e é em nome desse instituto que se deve legislar.
Não se pode fechar os olhos ou ignorar que existe famílias de casais homossexuais, de pessoas que não querem constituir uma relação de casal e até optam pelo celibatário, porém desejam ser pais. Essas pessoas também precisam ser assistidas pelo Estado, precisam recorrer as técnicas de PMA para exercer seu direito de constituir família.
Nesse aspecto, a jurista Portuguesa Vera Lucia Raposo defende:
“O óbice à maternidade de substituição constitui um tratamento discriminatório, comparando­se a situação de um homem com a situação o de uma mulher solteira que deseje ser mãe, uma vez que esta pode recorrer a um doador, sem a necessidade de intervenção médica. Em se tratando de um – ou dois homens – há a necessidade inafastável de uma mulher que leve a gravidez a termo. [...] A proibição da maternidade de substituição acaba por redundar num tratamento diferenciado dos homens que pretendem ser pais solteiros e os casais homossexuais masculinos face às mulheres que desejam ser mães solteiras e aos casais homossexuais femininos"[42]
A ausência de lei é tão segregadora quanto uma lei discriminatória. Nos casos que tratam de vida humana, não podemos servir-nos da máxima de que o silêncio da lei é permissivo.
Não se pode concordar com a realidade de que no seu País não se pode fazer “barriga de aluguel”, mas em troca de uma pequena fortuna é possível fazer no País vizinho. Ou ser negligenciado pela lei em razão de pessoas que buscam o bebê “modelo de revista”. A eugenia precisa sim ser combatida, quando esta possua preceitos racista e vaidosos.
“Há que proibir a busca do ser humano perfeito, ideal, para que a pessoa não seja coisificada, objectivada, para atender aos padrões da moda de determinada época da história da humanidade, prejudicando, assim, o desenvolvimento das gerações futuras, de modo espontâneo.”[43]
Em razão de todos os argumentos apresentados, onde se constata desequilíbrio de poderes e de direitos, é que se reitera o uso da soberania do Estado pautado na Ética e na igualdade de direitos e oportunidades, pois a sintonia desses três elementos resulta na justiça, e é essa a justiça preconizada como princípio fundamental da Constituição da República Portuguesa.

Márcia Andréa Durão de Macêdo
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Pará – CESUPA

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