‘Paulina’, filme sobre estupro coletivo, retrata uma vítima sui generis que descarta a vingança
Premiado em Cannes e em San Sebastián, o longa argentino acaba de estrear no Brasil
CAMILA MORAES
São Paulo 18 JUN 2016
Quando Paulina, a jovem que dá nome ao filme do argentino Santiago Mitre em cartaz agora no Brasil, é estuprada por um grupo de adolescentes de uma cidadezinha fronteiriça da Argentina, o mundo desaba na sua cabeça. O pai, já infeliz com sua decisão de suspender a pós-graduação em Direito em Buenos Aires para lecionar em uma escola pública do interior, questiona cada decisão sua a partir da agressão, assim como faz seu namorado. Antes disso, o Estado, da delegacia ao tribunal, suspeita dela – da roupa que usava, do que estava fazendo sozinha à noite, do álcool que ingeriu e até de sua sanidade –, e as pessoas com as quais convive não aceitam que ela, mesmo conhecendo seus agressores, rejeite qualquer vingança e até mesmo a justiça tradicional. Mas Paulina, interpretada com maestria pela atriz Dolores Fonzi, rejeita culpas e também a vitimização. E não cai.
Há algo de especialmente perturbador em um crime hediondo como o estupro. Ele move não só camadas externas da sociedade, mas também as mais ocultas, revelando uma engrenagem alimentada de machismo e violência – e não deixa ninguém indiferente. É o que mostra Paulina, sem sensacionalismo e sem caixotes, do qual nenhum espectador, tampouco, sairá ileso. O longa-metragem, que tem o diretor brasileiro Walter Salles na produção, é um remake de um clássico argentino dos anos 60, La patota – obra dirigida por Daniel Tinayre, um dos expoentes de uma espécie de nouvelle vague portenha que produziu ótimos filmes, para os quais muitos, porém, torceram o nariz por serem lentos. Não é o caso do dinâmico filme de Mitre, que ganhou dois prêmios no prestigiado Festival de Cannes e três no de San Sebastián – um importante palco do cinema latino-americano.
Na Argentina, ele estreou pouco depois das mobilizações que recentemente tomaram as redes sociais e as ruas do país contra os altos números de feminicídios e outros casos locais de violência contra as mulheres com o mote #NiUnaMenos. No Brasil, o timing foi inesperado, mas também ajustado na medida ideal dos recentes episódios de estupro coletivo – como o da jovem de 16 anos violentada no fim do mês passado no Rio de Janeiro – que chocaram grande parte da população.
O roteiro, garante o diretor, é uma versão bastante reescrita. “Quando comecei a escrevê-lo, entendi que tinha que abordá-lo do ponto de vista político. Paulina se agarra às suas convicções para poder sobreviver a tudo o que acontece com ela. O espectador a acompanha, mas nem sempre consegue entendê-la. É um filme no qual frequentemente se está contra a protagonista”, disse Santiago Mitre (Buenos Aires, 1980) em entrevista ao EL PAÍS. Na pele de Dolores Fonzi (que em Truman atua ao lado de Ricardo Darín), Paulina sofreu um estupro e sabe que é vítima, mas não se rende à autocomiseração, e isso é o mais perturbador. “Ela tenta compreender o que passou, não sei se perdoar, mas certamente não quer se vingar. Não quer prolongar uma espiral de violência. Isso aterroriza o público, que espera que ela busque vingança, que odeie”, acrescenta o diretor, que dirigiu antes O estudante (2011) e foi co-roteirista de filmes de Pablo Trapero como O elefante branco e Leonera.
Vale ressaltar que Paulina é também uma história sobre a chegada de um estrangeiro, de um estranho – aqui, uma estranha – a um mundo fechado, marginalizado. Mitre aproveita para mostrar alguns pontos de vista e também “repassar a crueldade e a pobreza que vivemos hoje em dia em muitas partes da Argentina e em tantas, tantas partes da América do Sul”. Quem assistir ao filme, pode se espantar, ainda por cima, com o calvário – na Argentina também – a que uma mulher estuprada é submetida ao denunciar um crime desse tipo. Qualquer semelhança nessas infelicidades não é mera coincidência.
Com informações de Gregorio Belinchón
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