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domingo, 26 de junho de 2016

Vacinas anti-intolerância

N° Edição: 520  Texto: Eduardo Araia  31/05/2016

Humor e empatia são duas ferramentas empregadas com sucesso em várias partes do mundo para vencer as mentes intolerantes

A primeira lei da natureza, dizia o filósofo francês Voltaire, é a tolerância, “já que temos todos uma porção de erros e fraquezas”. Ao longo dos tempos, porém, sempre há um bom número de pessoas pouco ou nada disposto a segui-la: entrincheiradas em seus pensamentos, elas são imunes a autocríticas e acreditam que suas verdades são universais. Para Voltaire, escolado nos ataques que ele e outros colegas iluministas sofriam da monarquia e do clero da sua época, a saída era o humor. “Devemos manter o riso do nosso lado”, escreveu, confiante no poder desse recurso para abrir fendas nas mentes enrijecidas e levá-las à reflexão.

Voltaire não estava sozinho nessa crença na capacidade transformadora do humor. O budismo, por exemplo, defende que, na nossa jornada rumo à iluminação, rir – em especial de si mesmo – é um dos melhores antídotos para combater o sofrimento que impera na vida cotidiana. “O riso controla ansiedades, domina o medo, afasta e diminui o tamanho das catástrofes”, escreveu o historiador alemão Peter Gay em O Cultivo do Ódio – A Experiência Burguesa da Rainha Vitória a Freud, de 1993. Pesquisas mostram que rir torna o cotidiano mais leve e ajuda a conciliar ideias divergentes, além de trazer uma série de benefícios para a saúde, como redução de pressão alta e menor risco de problemas cardíacos.

Um episódio recente – e emblemático do Brasil atual – de uso do humor na quebra de estereótipos envolveu recentemente o grupo de humor Porta dos Fundos. O currículo iconoclasta da trupe não bastou para fazer com que muitas pessoas considerassem o vídeo “Delação” (no qual um agente da Polícia Federal só presta atenção nos detalhes de uma delação premiada quando eles “envolvem” figuras ligadas ao governo federal) uma peça pró-PT e, portanto, digna de abominação. Os radicais pregaram inclusive que os usuários cancelassem sua inscrição no canal do Porta dos Fundos na internet. A resposta veio no vídeo “Reunião de Emergência 3 – A Delação 2”, no qual quatro membros do grupo aparecem como eles mesmos “confessando” que são financiados por Brasília, em meio a múltiplas farpas contra o governo. Pelo visto, o recado foi entendido: apenas cerca de 0,3% dos usuários cancelaram a inscrição.

Pelos olhos do outro

Outra alternativa para enfrentar a intolerância é a empatia – a habilidade de sentir o que outra pessoa está sentindo, a partir da perspectiva daquela pessoa. Segundo estudiosos, essa característica seria o valor positivo máximo e sua aplicação resultaria em um mundo menos violento e mais gentil. Embora esteja embotada em muita gente, a empatia é parte integrante do reino animal (humanos inclusos), como comprovam estudos científicos. “A compreensão empática da experiência de outros seres humanos é um dom tão básico no homem quanto sua visão, audição, tato, paladar e olfato”, afirmou o psicanalista austríaco Heinz Kohut.

Pensadores como o monge zen-budista vietnamita Thich Nhat Hanh (autor de livros como Jesus e Buda, Irmãos e Aprendendo a Lidar com a Raiva) e o filósofo inglês Roman Krznaric (que escreveu Sobre a Arte de Viver) são entusiastas do uso e do cultivo da empatia. Krznaric, inclusive, criou no ano passado um Museu da Empatia na internet (empathymuseum.com), dedicado a “ajudar nós todos a olhar para o mundo através dos olhos de outras pessoas”. O ensino da empatia em escolas americanas tem contribuído para o combate à discriminação, principalmente a racial.

Riso e empatia são de fato ótimos recursos, mas não são infalíveis quando se lida com a intolerância extremada. O humor irreverente do qual nenhuma religião é poupada rendeu à redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo um mortal atentado do Estado Islâmico em janeiro de 2015. E, lembrando o filósofo britânico Karl Popper, a tolerância ilimitada dedicada a pessoas intolerantes pode destruir os tolerantes. Portanto, em casos-limite – como o do nazismo –, pode ser preciso defender-se dos intolerantes com a força para garantir a sobrevivência. No Brasil, porém, a polarização atual está muito longe de ter as dimensões do nazismo e do EI. Sejam quais forem os governantes de plantão, ela é perfeitamente resolvível – à base de muito humor e tolerância.

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