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sexta-feira, 24 de junho de 2016

O anúncio premiado de Aspirina e aquilo que não tem remédio

A empresa disse que era “só pra prêmio” e a agência abriu mão do Leão de Bronze em Cannes
Aspirina
por Thais Fabris / Fundadora da 65 / 10
24/06/2016

Outro dia eu estava no bar com alguns amigos e alguém apontou uma mulher em outra mesa e disse “Olha! Não é a Gabriela Pelada?”. Antes de ser a Gabriela Pelada, aquela mulher era apenas Gabriela, uma garota de 17 anos que posou nua para a câmera do namorado. Quando eles terminaram, as fotos se espalharam pelos emails da pequena cidade do interior onde eu cresci. Gabriela, pelada na frente de todos, teve que mudar de cidade.

Quase vinte anos depois, a dor de cabeça dela ainda não passou.

Um mês atrás, outra garota de 17 anos teve seu corpo exposto online. Ela deitava inerte em uma cama, as pernas ensanguentadas, enquanto homens tocavam seu corpo sem ter consentimento. Para quem não sabe, tocar o corpo de uma mulher sem consentimento é estupro, divulgar imagens íntimas sem consentimento é crime, em se tratando de uma menor de idade é um crime ainda mais grave. Ela foi estuprada por 33 homens naquele dia.

A dor de cabeça dela não vai passar nunca.

Ontem uma campanha brasileira ganhou um muito cobiçado leão em Cannes Lions 2016. Era um outdoor com a frase “calma amor, não estou filmando isso”, dando a entender que a marca de remédio, Aspirina, acaba com todas as dores de cabeça – inclusive a dor de cabeça de ser vítima de um crime como ter imagens íntimas expostas sem autorização.

Eu me pergunto se o nosso mercado tem remédio. Um mercado que premia uma peça como essa em 2016.

Se, por um lado, grandes clientes como a Unilever se comprometem em banir estereótipos sexistas da sua publicidade, por outro ainda existem agências que criam, clientes que aprovam e festivais que premiam mensagens que reforçam os mais nocivos estereótipos de gênero.

O CASO DEMONSTRA A TOTAL DESCONEXÃO QUE ALGUNS PUBLICITÁRIOS VIVEM COM O MUNDO QUE OS RODEIA

O machismo na publicidade é causa e sintoma dos nossos problemas. Ele mostra a total desconexão que alguns publicitários vivem com o mundo que os rodeia. Dentro das agências o mundo é feito de pessoas cheias de privilégios. Lá fora, as pessoas que recebem as mensagens que criamos lutam batalhas bem mais duras do que virar uma noite comendo pizza num prédio da Faria Lima.

O mínimo que podemos fazer por essas pessoas é pensar se o anúncio do remédio para dor não vai potencialmente causar dor em alguém. O mínimo que podemos fazer por nós mesmos é lembrar que, com a internet, o consumidor agora tem uma voz e pode causar muita dor de cabeça para as marcas que pisam nos seus calos.

Em tempo: a Bayer se pronunciou sobre a peça dizendo que ela foi criada exclusivamente para ser inscrita no festival (o famoso fantasma) e que não deve ser veiculada. O presidente do júri pediu desculpas e disse que os jurados não consideraram a peça machista. A agência, AlmapBBDO, assumiu responsabilidade pela peça, se desculpou e abriu mão do prêmio.

Que baita dor de cabeça, hein?

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