Violência machista em seus diversos níveis tem tomado os espaços de debate no Brasil nas últimas semanas. Um dos temas mais difíceis de se tratar quando falamos de violência machista é o assédio sexual. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), em todo mundo 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual. Agora as mulheres jornalistas se levantam em campanha para denunciar assédios sofridos dentro e fora das redações por meio da campanha #JornalistasContraOAssédio.
A iniciativa tomou corpo após uma repórter do portal iG ser demitida no último 17 de junho. Semanas antes a mesma jovem de 21 anos havia denunciado assédio sexual cometido pelo Mc Biel durante uma entrevista e a empresa se comprometeu, naquele momento, a dar todo suporte a profissional assediada. A resposta pensada e organizada através das redes sociais por jornalistas de diversos meios de comunicação desvela uma faceta importante e muito difícil de combater do machismo.
Boa parte dos casos de assédio sexual no mundo do trabalho é realizada por superiores, justamente por que violência machista não possuí relação alguma com qualquer outra coisa que não seja a demonstração de poder. O vídeo que circula pelas redes sociais e é parte da campanha revela isso nos depoimentos das jornalistas. Fontes e chefes exercendo poder, coagindo e intimidando as jornalistas durante o trabalho.
A maioria das vezes as redações e empresas em geral lidam com o assédio sexual como a sociedade lida com a questão do estupro. A culpa é da jornalista, ela provocou o processo de chantagem e intimidação que culminam em assédio sexual. É por conta da relação historicamente estabelecida entre o gênero feminino e masculino e quais seriam seus lugares “naturais” na sociedade que um tema tão sério como este é jogado para baixo do tapete no mundo do trabalho.
A campanha iniciada por várias colegas de profissão é um pé na porta para podermos lidar com a questão da violência machista no mundo do trabalho de forma mais contundente. Além de mostrar que assédio sexual não é culpa de nós mulheres jornalistas, mas é um problema de todos. Quantos colegas homens já não se beneficiaram do silêncio ao não combater a intimidação e constrangimento que alguma repórter sofreu por parte da chefia ou de alguma fonte?
A humilhação e constrangimento cotidianos no local de trabalho constituem risco “invísivel”, porém concreto, que atinge principalmente a saúde das trabalhadoras. Pois, como se respaldam em relações de poder para subjugar, ajudam a destabilizar emocionalmente as mulheres e sua relação com a organização e o ambiente de trabalho. Ou seja, é uma forma de “colocar” as mulheres de volta aos seus lugares. É um processo tão cruel que reflete em grande subnotificação, já que denunciar tal tipo de violência acaba por colocar em risco o emprego e das mulheres e de sua autonomia financeira.
Segundo a cartilha “Assédio Moral e Sexual no trabalho” do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) lançada em 2013, boa parte do processo de assédio moral contra as mulheres nos locais de trabalho, principalmente as negras, se dá após negativa ao assédio sexual. Se houvesse uma pesquisa que abordasse também a questão da identidade de gênero, provavelmente, enfrentaríamos constatações similares quando da forma que se organiza o processo do assédio moral e sexual contra as mulheres.
É pelo fato de assédio sexual ter relação direta com manutenção de poder e a estrutura de uma divisão do trabalho e de lugar social designada pelo gênero que ele faz parte direta do que chamamos de cultura do estupro.
Em tempos de embate contra a cultura do estupro é fundamental campanhas como as que as jornalistas fazem hoje e que em outros momentos mulheres de outras categorias já fizeram também. Confrontar a cultura do estupro nos locais de trabalho passa por enfrentarmos o debate sobre assédio sexual, culpabilização das profissionais vítimas de tal violência e políticas públicas que realmente lidem com o problema nas empresas sejam públicas ou privadas.
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