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domingo, 14 de agosto de 2016

O esporte para o empoderamento feminino

Por Mario Osava, da IPS – 
Rio de Janeiro, Brasil, 12/8/2016 – Aos 14 anos, Kaillana de Oliveira Donato sabe que não será tão alta como a maioria das jogadoras profissionais de basquete, devido à genética familiar, mas não tem dúvidas sobre o sonho de se destacar nesse esporte.“Sou armadora, e isso não exige tanta altura”, contou à IPS esta aluna da Vila Olímpica da Mangueira, onde foram formadas três jogadoras da atual seleção olímpica brasileira de basquete, que disputa os Jogos Olímpicos Rio 2016, que acontecem na cidade do Rio de janeiro até o dia 22.
Kaillana treina pelo menos quatro dias por semana, “durante três horas, às vezes mais”. Acorda às cinco da manhã para ir a uma escola próxima que lhe ofereceu uma bolsa por ser esportista de futuro. Disciplinada, deita às nove da noite. Ela já participou de muitos torneios para meninas de até 13, 14 ou 15 anos. “O basquete é um jogo movimentado, dinâmico, de contato físico”, disse, acrescentando que por isso o escolheu há cinco anos, entre outros vários esportes que experimentou em um centro esportivo vizinho da favela da Mangueira, onde vive.
Sua opção tem o apoio de sua família, mas ela enfrenta preconceitos sociais, como de seus colegas, por exemplo. “Dizem que o que faço é para sapatão”, lamentou. “Quero ser uma boa jogadora, se não conseguir, serei advogada”, acrescentou com segurança a jovem, durante uma conversa na quadra onde treina.
Kaillana participa do programa Uma Vitória Leva a Outra, promovido pela ONU Mulheres, a agência das Nações Unidas que promove a igualdade de gênero, e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), destinado a empoderar meninas e adolescentes por meio do esporte, como legado dos primeiros Jogos Olímpicos que acontecem na América do Sul.
Painéis temáticos semanais sobre autoestima, liderança, direitos sexuais, violência, educação financeira e planejamento do futuro, além da prática esportiva, compõem o programa baseado na experiência da organização não governamental holandesa Women Win.Começou no Rio de Janeiro e funcionará como um projeto-piloto até 2017, com a meta de capacitar para uma vida com autonomia e autoconfiança 2.500 meninas e adolescentes de 10 a 18 anos, mais 300 mães adolescentes que abandonaram a escola.
As atividades acontecem em 16 centros poliesportivos denominados Vilas Olímpicas, que a prefeitura instalou em bairros pobres da cidade. Depois, adaptando-a às condições locais, a atividade se estenderá a outras cidades do Brasil e da América Latina. A Women Win, sócia da ONU Mulheres, desenvolveu o programa original e o levou a 25 países. 
Uma pesquisa mostra que, das 217 mil participantes, as que se reconhecem como líderes aumentaram de 46% para 89%, e as que sabem como evitar a gravidez precoce ou doenças sexualmente transmissíveis triplicaram, ficando entre 79% e 77%, respectivamente. A iniciativa também busca ampliar o acesso das jovens aos benefícios do esporte. No mundo, 49% das meninas abandonam a prática esportiva ao chegarem à puberdade, seis vezes a proporção dos meninos, agravando a desigualdade de gênero, segundo a ONU Mulheres.
Essa situação “é injusta”, pois “o esporte tem o poder de mudar vidas”, com autoconfiança e capacidade de iniciativa, destacou Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres, na apresentação do projetoUma Vitória Leva a Outra, que aconteceu nodia 6 deste mês, no Rio de Janeiro.Um dos grandes desafios do programa é “igualar o campo de jogo para homens e mulheres. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, as mulheres são 46% dos competidores e não há modalidade sem mulheres, mas a diferença de recursos é escandalosa”, destacou à IPS a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman.
“Em dez comitês olímpicos nacionais não há mulheres e são poucas as que compõem o COI”, diminuindo seu peso na gestão dos esportes, afirmou Gasman. “Além disso, as mulheres são menos visíveis nos canais esportivos da televisão, onde a exposição masculina ganha de dez a um, com exceção da Olimpíada”, acrescentou.
A história dos Jogos Olímpicos reflete bem a luta feminina pela inclusão. As mulheres estiveram ausentes em sua primeira edição da era moderna, em 1896 em Atenas, na Grécia. Na seguinte, em Paris, na França, elas foram admitidas, mas limitadas a 2,2% do total, 22 entre 997 homens, jogando apenas tênis e golfe. Sua participação só passou de 10% a partir de 1952 e cresceu até chegar a 44,2% em 2012, quando, finalmente, puderam competir no boxe.
Mas a desigualdade persiste. A soma destinada pela Federação Internacional de Futebol Associado(Fifa) às seleções nacionais masculinas que participaram da Copa do Mundo no Brasil foi 40 vezes maior do que a da Copa Mundial Feminina de 2015, pontuou Gasman. A seleção campeã recebeu como prêmio menos do que a que ficou em último na Copa do Mundo do Brasil, refletindo a discriminação que sofrem as esportistas, ressaltou.
No âmbito olímpico, o desequilíbrio tende a diminuir mais rapidamente. No COI foi criada, em 1995, a Comissão Mulher e Esporte, que assessora o presidente e o Comitê Executivo para ampliar a participação feminina nas decisões. Desde 2004, há mulheres ocupando a vice-presidência do COI, cujas comissões de trabalho têm desde março deste ano pelo menos um terço de representação feminina. 
No entanto, na sociedade e na cultura sobrevivem preconceitos que são obstáculos ao avanço para a igualdade de gênero na prática e na administração esportiva. A adolescência é um período crítico, em que as transformações físicas agravam as restrições à sua autonomia sobre o corpo e as pressões sociais. Por isso é fundamental intervir nesse momento, como faz o Uma Vitória Leva a Outra, para que as meninas “permaneçam no esporte, que as formam para a vida”, enfatizou Gasman.
No Brasil, o abandono feminino da prática esportiva na puberdade é inferior à média mundial apontada pela ONU Mulheres e pelo COI, mas ainda assim é preocupante. Uma pesquisa do Ministério dos Esportes, de 2013, registrou que 34,8% das meninas abandonam a prática esportiva antes dos 15 anos, contra 19,3% dos meninos.
Nas Vilas Olímpicas do Rio de Janeiro não há essas deserções. “Temos mais meninas do que meninos e elas permanecem durante a adolescência, mas preferem balé, jazz ou ginástica rítmica”, explicou Norma Marinho, assistente social do Centro Esportivo Miécimo da Silva, de Campo Grande, populoso bairro do oeste da cidade.
O estigma de “esporte masculino” afasta as meninas do atletismo e muitas outras disciplinas. “Elas lotam as aulas de balé, embora o professor seja um homem”, ironizou Marilda Veloso, professora de handebol desse centro, que conta com cerca de 13 mil usuários e alunos em 28 modalidades esportivas. “Vergonha do corpo, tarefas domésticas, preconceitos” são fatores do abandono pelas meninas, que agora já não é tão grande, segundo disse à IPS essa treinadora, que trabalha no centro há 30 anos. 

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