Militante estadunidense fala sobre racismo, sistema prisional e luta das mulheres
Dominque Stevenson é militante feminista, antirracista e contra o sistema prisional de seu país. Em sua cidade, Baltimore – localizada no estado de Maryland, nos Estados Unidos – ela realiza trabalhos sociais, formação política e constrói alternativas junto com as comunidades para superar a fome, a violência, a pobreza e o encarceramento em massa.
Baltimore é predominantemente negra e retrata, até hoje, o racismo e a desigualdade existentes no país. É o mesmo local onde, em 2015, milhares de manifestantes tomaram as ruas contra a morte do jovem negro Freddie Gray, de 25 anos, preso sem ter cometido nenhum delito. Sob custódia da polícia local, ele foi espancado e acabou morto.
Presente no 3° Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude, que aconteceu em Belo Horizonte no início deste mês, Dominique conversou com o Brasil de Fato.
Brasil de Fato - Como você vê a questão da negritude no Brasil?
Dominique Stevenson - É curioso, porque é igual nos Estados Unidos. Como negros, devemos nos orgulhar de todos aspectos da negritude. Mas é preciso ir além disso, chegar ao que está realmente dentro de nós. Frequentemente, olhamos apenas o exterior do indivíduo. Quer a pessoa tenha cabelo liso, crespo, cacheado ou o que for, não demonstra sua politização. Temos que olhar o que está dentro das pessoas, para enxergar seu posicionamento político.
Mas assumir os cabelos crespos também não pode ser considerado uma atitude política?
Sim, a cor da pele e o cabelo se tornaram questões políticas. Mas não podemos parar por aí. As coisas não são mais tão simples quanto eram antes.
Como você vê a questão da mulher na sociedade e na militância?
É interessante, porque tenho conversado bastante com outras mulheres, especialmente jovens. Eu sinto que, mesmo depois desse tempo todo, as mulheres continuam sendo marginalizadas ou colocadas de lado. Mesmo na luta. Se parar para notar, quem está por aí lutando são as mulheres. Assumindo cargos, cargos de liderança. Mas quando se vê quem está na frente das câmeras, ou do microfone, são homens dando as entrevistas. Eu tenho 51 anos, nesse tempo eu vi várias fases do movimento. E sinto retrocessos no campo feminista. Não nosso, das mulheres, mas da aceitação pelos homens da nossa liderança.
Para nós, nos Estados Unidos, me lembra a época da luta pelos direitos civis. Tínhamos Martin Luther King como líder carismático, mas também havia Fannie Lou Hamer, Ella Baker. Todas essas mulheres estavam à frente da organização. Eu sinto que há um espírito nas jovens que não vai se calar. Não acho que elas vão aceitar. E estou esperançosa. Porque é destrutivo discriminar as mulheres. É tão destrutivo quanto discriminar negros, discriminar latinos, ou qualquer um. Temos que estar atentos a isso. E as jovens precisam se impor e deixar claro. Temos que tomar os espaços. Ser categóricas: “Esse espaço é nosso”.
Quais as especificidades das lutas das mulheres e das mulheres negras em particular?
Eu tenho quatro filhos. Costumo dizer isso, porque para mim é um orgulho. A maternidade muitas vezes é vista como um impedimento e não como algo que podemos conciliar e nos orgulhar. Nem todas as mulheres querem ser mães, sei disso. Mas, como mãe, tenho orgulho dessa parte de mim. Mas acho que é o momento de nos levantarmos. Temos que estar no controle do nosso espaço, temos que controlar nossos corpos. Temos que ser agressivas, desafiadoras e firmes com o que queremos para nós. Porque temos problemas específicos. Não somos homens, não somos iguais. Há coisas que sofremos que homens não sofreram do mesmo modo, mesmo dentro do recorte racial. As mulheres negras ainda estão na base da economia, abaixo dos homens negros. Ainda há esses problemas de disparidade além da raça. Não podemos retroceder, temos que continuar avançando. Porque eu acho que a paz só virá com as mulheres na liderança.
O sistema prisional dos Estados Unidos é considerado um dos mais desumanos do mundo. Como esse modelo de prisões impacta a vida das mulheres?
Nos Estados Unidos, as mulheres negras estão sendo presas a uma taxa mais elevada que os homens. Crianças sendo deixadas para serem criadas pelos avós. O sistema prisional, especialmente a partir da década de 70, com o direcionamento de prender negros, teve impacto na comunidade porque os pais, irmãos, tios, primos deixaram a comunidade. E deixaram não só a mulher, como também jovens, que se sentiram abandonados, sem ter quem guiá-los.
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