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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

“A violência doméstica é uma questão de saúde”

Conversamos com Ludy Green, responsável pela Second Chance Employment Services, agência que ajuda vítimas de violência a se reinserirem no mercado de trabalho
30/09/2016 / POR ISABELA MOREIRA
Em 2001, a americana Ludy Green fundou Second Chance Employment Services, uma espécie de agência de empregos que promove a reinserção de vítimas de violência doméstica no mercado de trabalho.
Formada em Recursos Humanos pela Universidade George Washington, nos Estados Unidos, Green utilizou sua experiência na área para criar um sistema de apoio para ajudar mulheres a serem economicamente independentes de seus abusadores, o que abre alas para outras melhorias em suas vidas.
Além da organização, ela está envolvida com várias políticas de direitos das mulheres em seu país. De passagem pelo Brasil para uma série de palestras, Green sentou com GALILEU no Consulado dos Estados Unidos, em São Paulo, para falar sobre a SCES, violência doméstica, tráfico humano e as políticas americanas relacionadas a essas causas.
Você usa o termo “liberdade econômica” ao falar sobre seu trabalho. O que isso significa?
A independência econômica é importante na vida de qualquer pessoa, especialmente para as mulheres. Isso porque a independência econômica nos dá autoestima, pois temos a chance de comprar nossas próprias coisas, e nos dá a oportunidade de sermos independentes de qualquer um que possa se tornar um abusador em nossas vidas. Nos deixa mais felizes e faz com que sejamos responsáveis por nós mesmas e nossos filhos também.
Como é o processo pelo qual passam as mulheres na Second Chance Employment Services?
As mulheres que participam do nosso programa vêm de abrigos, organizações e serviços sociais. Mas a nossa abordagem é bem holística: somos muito cuidadosos com o que perguntamos às vítimas. Nunca perguntamos qual é o grau de educação que elas têm ou quantas palavras conseguem digitar por segundo, perguntamos o que podemos fazer por elas.
Dessa forma elas podem ficar tranquilas por estarem em um ambiente seguro. Nós as ajudamos nas necessidades que elas tiverem: desde a criação de um currículo e a aquisição de um terninho novo até um treinamento em suas habilidades em entrevistas de emprego. Só então começamos o processo de marcar entrevistas de emprego. Em alguns casos elas não têm treinamento suficiente, então as treinamos para que consigam realizar suas tarefas. Também trazemos cabeleireiros e maquiadores para deixá-las mais confiantes para as entrevistas.
Quando elas conseguem seus empregos, o processo continua. Cada uma ganha um mentor dentro da empresa onde começa a trabalhar, alguém que possa lhes ajudar e que, caso necessário, possa nos ligar para pedir ajuda. Depois disso, as acompanhamos por mais dois anos para garantir que estejam bem.
Qual é a diferença entre o estado emocional das mulheres quando chegam na organização e quando terminam o processo?
Ocorre uma transformação. Quando elas chegam têm até dificuldade em olhar nos olhos das outras pessoas, estão sempre olhando para baixo, com autoestimas completamente destruídas. Elas sentem que não têm valor. No fim do processo, quando já conquistaram tudo que precisavam, não conseguimos nem reconhecê-las, de tão vibrantes, felizes e confiantes que ficam. Neste momento elas sabem que podem fazer o que quiserem com suas vidas. Algumas vezes encontrei clientes depois de terem terminado o processo e passei direto por elas, por não tê-las reconhecido, pois pareciam pessoas completamente diferentes das que conheci.
O abuso mental não é visto, mas se reflete no comportamento da mulher — várias doenças como pressão alta, depressão e pensamentos suicidas podem surgir a partir disso
Além da independência econômica, quais outros fatores são necessários para acabar com o ciclo da violência doméstica?
O abuso mental é outra área que deveria ser mais explorada. É destrutivo, pois coloca na cabeça da pessoa que ela é idiota, incompetente, e com o tempo, ela começa a acreditar. O abuso mental não é visto, mas se reflete no comportamento da mulher — várias doenças como pressão alta, depressão e pensamentos suicidas podem surgir a partir disso. A violência doméstica é reconhecida como uma questão de saúde, então trabalho muito com médicos e psicólogos para descobrir formas de tirar as mulheres desse tipo de situação.
A Second Chance Employment Services também recebe mulheres que foram traficadas...
Isso mesmo. Temos uma organização parceira que recebe especialmente mulheres que foram traficadas, então trabalhamos com elas também. Mas esta é uma questão particularmente complicada. Tem uma mulher com a qual trabalhei pessoalmente que tinha sido traficada do Mali. Ela só falava francês e foi encontrada na fronteira dos Estados Unidos por uma organização. Não só ela foi traficada, como acabou engravidando.
Quando chegou no nosso escritório, ela estava grávida há uns seis ou sete meses, não tinha para onde ir e não tinha nenhuma documentação. Tivemos que ir atrás de novos documentos e ajudá-la a conseguir um visto. A história se desdobrou por vários anos e agora ela está bem, terminou a faculdade, escolheu ter o bebê, que é um menino, e trabalha em um banco. Mas foi um caso bem difícil.
Recentemente uma pesquisa revelou que, para metade dos brasileiros, mulheres que foram traficadas estavam procurando uma vida fácil. Como é a percepção sobre casos de tráfico humano nos Estados Unidos?
Até agora as pessoas têm dado bastante apoio. Acredito que o tráfico humano é uma das questões que as pessoas realmente estão combatendo nos Estados Unidos. Nosso congresso está dando duro para melhorar as políticas para receber as vítimas e punir os responsáveis. Também fazemos várias reuniões com os senadores, de forma que eles possam ter uma compreensão maior e melhor sobre esse assunto.
E quanto à violência doméstica? Quais são as políticas sendo feitas sobre o assunto?
Tenho orgulho de ter participado da reautorização do Ato de Violência contra as Mulheres, em 2013, que desde então reconhece que o emprego é uma das formas de acabar com a violência doméstica. Minha organização agora é reconhecida como uma solução. Não só isso: agora também estamos trabalhando com as comunidades nativo americana e LGBT, que por muito tempo ficaram marginalizados no tratamento dessa questão. Agora eles estão inclusos na legislação.
Ludy Green (Foto: Divulgação)
As eleições dos Estados Unidos estão se aproximando. Qual dos candidatos à presidência você acredita ter a melhor abordagem nas questões referentes aos direitos das mulheres: Hillary Clinton ou Donald Trump?
Não consigo nem imaginar nenhum deles não tendo. Ambos precisarão ter políticas para as mulheres, pois nós somos as líderes, as mães, as que cuidam da casa. Quem quer que se torne o presidente dos Estados Unidos precisa ter medidas para os direitos das mulheres. Meu trabalho é apartidário porque toda a minha missão é baseada no combate da violência contra as mulheres, então precisamos continuar a luta independente da gestão eleita.
Você se considera uma feminista?
Eu me considero uma mulher que ama a família e que quer lutar contra a violência contra as mulheres. Não podemos fazer isso sozinhas, precisamos inserir os homens nessa luta. Por que? Aquele menino pode ter tido uma mãe que foi abusada ou sua filha pode sofrer abuso quando ele crescer, talvez ele próprio tenha sido a vítima. Não dá para saber. Então não podemos separar, precisamos lutar junto com os homens.
Várias campanhas têm realizado ações com esse viés, como a He For She (Ele por Ela, em tradução literal), da Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo. Como integrar os homens nessa luta?
Há 16 anos, me arrisquei colocando 10 homens no painel de diretores da minha organização ao lado de cinco mulheres. E ela funcionou porque esses homens se esforçaram para isso. Eu os contratei, pressionei, guiei e eles conseguiram. Quando eu fiz isso todo mundo pensou que eu estivesse louca, porque na época ninguém pensava sobre essa possibilidade. Mas colocar os homens na luta faz diferença, porque eles querem fazer parte disso e ajudar. Muitas vezes eles nem sabem é a violência: alguns nunca foram educados para entender o que pode ser um ato violento. Por isso é importante criar programas para educar crianças pequenas para entender a diferença entre o que é brincadeira e o que é violência.
Você sente que as questões relacionadas às mulheres e seus direitos têm sido mais discutidas publicamente de uns anos para cá?
Sim. Percebi que várias pessoas têm se aberto mais em relação a isso. Quando trabalhamos no Ato de Violência contra as Mulheres, constatamos que houve um crescimento de 51% no número de pessoas dispostas a relatar suas experiências com violência doméstica. Outro aspecto que fez muita diferença nos Estados Unidos é o aumento na participação de mulheres famosas em causas sobre essa questão. Elas não estão se escondendo, mesmo correndo riscos, buscam ajuda na comunidade.
Como falamos na questão sobre tráfico humano, existe uma narrativa que culpa as mulheres pelas coisas ruins que acontecem com elas. Essa narrativa pode mudar conforme essas discussões ganham mais destaque na mídia e na cultura popular?
Completamente. A mensagem que a mídia passa é muito importante. Essas mensagens estão deixando as mulheres que passaram por situações de abuso mais fortes, dando mais confiança para elas cuidarem de suas famílias e de si mesmas.

Galileu

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